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Breve olhar sobre a beleza

18 de Agosto de 2016, por Regina Coelho

Ilustração Elimar do Carmo.

Em 2014, um dia depois das ofensas desferidas contra a deputada federal Maria do Rosário (PT/RS) no plenário da Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro (PP/RJ), em entrevista ao jornal gaúcho Zero Hora, ao explicar a discussão entre ambos e a declaração dele de antes, afirmou que “jamais” estupraria a ex-ministra de Dilma “porque ela é muito feia”. O que é isso, deputado? Duplamente desastrosas suas palavras – pela admissibilidade do estupro em si, pela rotulagem depreciativa (e subjetiva) à figura da colega.

Por opção de momento, passo a tratar agora da questão ligada à beleza, ou melhor, à falta dela, considerando as implicações advindas daí, como o peso da discriminação contra as pessoas consideradas feias, mais forte ainda contra as mulheres assim classificadas. Frases manjadas como quem gosta de beleza interior é decorador ou não existe mulher feia, você é que bebeu pouco são apenas dois dos muitos ditos populares propagadores desse preconceito. No Google, uma lista de termos que nomeiam quem se encontra fora dos impostos e clássicos padrões físicos alcança mais de 150 nomes (mocreia, canhão, dragão...). Curiosamente, denominações usadas só para o belo sexo. Ops! Belo, não. Para os homens aparecem substantivos próprios no máximo engraçados. E piadas sobre eles e elas.

De uns tempos para cá, o quesito “presença de gente bonita” como medida de qualidade para grandes eventos passou a ser usado largamente até pelos desprovidos dos tais atributos de beleza, que assim reforçam esse conceito e agem preconceituosamente contra si próprios.

A beleza é um atributo sempre valorizado, não há como negar. Sabe-se também que os padrões estéticos mudam ao longo da história da humanidade. Mesmo a associação enganosa, porém tradicionalmente estabelecida entre o belo e o bom, o feio e o mau vem perdendo força. Prova disso é o aparentemente inofensivo requisito da “boa aparência” usado em algumas ofertas de emprego quando ela não é o foco principal do trabalho. Além disso, o cinema e as novelas de hoje mostram belas vilãs, vide Angelina Jolie em Malévola (vilã ou mocinha?). Como se vê, é tudo misturado.

No conto de fadas O patinho feio (1843), de Hans Christian Andersen, um ovo de cisne é inadvertidamente chocado por uma pata. Por ser muito diferente dos outros patinhos da ninhada, “o patinho” é considerado feio por todos os patos da lagoa. Ao crescer, desenvolvendo a morfologia própria de um cisne, encontra outros cisnes e revela-se em sua verdadeira essência e beleza. Flicts, do belíssimo livro homônimo (1969) de Ziraldo, “era apenas o frágil e feio e aflito Flicts”, uma cor que só percebe seu valor ao descobrir que a lua é flicts. Nas duas alegorias, é possível subtrair a ideia comum de que todas as pessoas, por mais diferentes que sejam, têm o seu lugar no mundo. Teoricamente aqui afirmado, esse entendimento, no entanto, por si só, conforme atestam estudos sobre o assunto, não é suficiente para evitar o sofrimento real por que passam pessoas reduzidas ao rótulo de “feias” ou quaisquer outros igualmente desprezíveis.

“É bonito isso?” Só se for o bordão do Lilico (1937-1998), que, com seu humor, contava piadas e filosofava atuando em programas humorísticos da tevê brasileira nas décadas de 70, 80 e 90. Ou então a cidade de Bonito (MS), que faz jus ao sugestivo nome. Em razão dele, de brincadeira, os bonitenses se apresentam como “exibidos”. Bonita também é a fábula A coruja e a águia (reescrita por Monteiro Lobato), que originou a expressão mãe-coruja. Pela moral da história, aos olhos das mães, como aos da coruja da fábula, os filhos são sempre perfeitos e lindos. Como diz o ditado, quem ama o feio, bonito lhe parece.

Esperando não cansar a beleza de ninguém, lembro a vocês que estamos em agosto, injustamente visto como o mês do desgosto, para muitos sem a exuberância do maio ou do setembro. Bobagem, pois enxergar a boniteza das coisas e das pessoas vai muito além das aparências.

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