Voltar a todos os posts

Gordura de porco

18 de Agosto de 2016, por Cláudio Ruas

Zero gorduras. Zero gorduras trans. Zero glúten. Zero lactose. Coca zero. Tudo zero. Mundo zero. Chato e hipócrita. E que cada vez mais ilude e conduz os hábitos alimentares da população conforme certos interesses (do capital, é claro). Inegáveis são os benefícios das pesquisas e informações que se têm hoje em dia, no sentido de identificar vilões e soluções para a nossa alimentação, que pode ir se moldando de acordo com as reais necessidades. Mas demonizar alguns alimentos do dia para a noite, para, em seguida, criar falsas e abomináveis necessidades de consumo, ah isso não. Assim como o ovo e a manteiga, crucificaram o porco com sua gordura, mas, enfim, vem chegando sua ressurreição. Amém, porco!

A busca por uma alimentação mais saudável deve ser constante, sobretudo nesse cenário alimentar atual em que estamos – literalmente – morrendo pela boca. Porém, não podemos nos deixar entrar nessas arapucas montadas pela poderosa indústria alimentícia, que financia profissionais de saúde e pesquisas de seu interesse, iludindo os consumidores numa facilidade medonha. Ao ponto de fazê-los se auto-diagnosticarem com doenças que não têm, como intolerância ao glúten e à lactose. Sim, existe quem não deva consumi-los, sendo mais que oportuna a disponibilidade de produtos próprios para eles. No entanto, é cada vez maior a oferta e a procura de tais artigos de exceção, naturalmente mais caros e, ao mesmo tempo, mais pobres e prejudiciais em alguns casos.

Desde que o porco faz oinc que nós humanos consumimos a sua gordura, numa boa, há milhares de anos. Aí crucificaram o bicho e a banha virou ingrediente do capeta. O bom passou a ser o óleo industrializado, principalmente o de soja. Depois vieram outros, de milho, girassol, canola, tudo enfileirado bonitinho e amarelinho na prateleira do supermercado. Alguém aí já viu uma planta de canola? Pois é. E um porco?

Obviamente o argumento de que “meus avós sempre comeram gordura de porco” é mais do que válido, mas precisa ser contextualizado. Antigamente não havia o sedentarismo de hoje, a alimentação no geral era mais saudável e natural, a vida era menos estressante. O cabôco batia um pratão com aquela couve brilhosa de tanta gordura, mas logo em seguida ia cuidar da roça de milho no sol quente, para poder tratar do porco e garantir sua gordura no prato. Não tinha controle remoto (nem tevê!), não tinha vidro elétrico no carro (nem carro!), não tinha “zapzap” (nem telefone!). Dormia cedo, chupava laranja toda hora, tinha tempo para esperar a comida crescer na terra, ouvia a passarinhada, pescava toda semana. Hoje é diferente. Além da comida, a vida também não tem sido saudável, e precisa mudar.

Mas nada que impeça de continuar comendo a boa e velha gordura do porco. Até porque, finalmente, resolveram inocentar o injustiçado e já admitem os cientistas que a banha não faz mal. Desde que consumida de forma equilibrada – como tudo na vida – faz é bem. A começar por se tratar de um produto puro e natural, o que já é uma grande vantagem em relação à maioria das gorduras (animais e vegetais) encontradas nos supermercados.

Outra vantagem é o custo e a sustentabilidade, uma vez que ela pode ser aproveitada de outros preparos do porco. Como faz muito bem aqui em nossa cidade o Dirceu do “Quero Quero Lanches”, que reaproveita ali mesmo a gordura que sai do bacon dos seus ótimos sanduíches. Gordura de porco defumada!

O ganho de sabor na comida proporcionado pelo uso da gordura de porco é incomparável, principalmente em alguns preparos clássicos da nossa cozinha, como nas verduras mineiras, no feijão e no ovo (caipira, claro) frito. Ela é tão especial que, além de ser peça chave na elaboração de massas para tortas e salgados, ainda funciona como tempero final de um prato. Como fazia minha saudosa vovó Trindade do Góes, grande cozinheira e mestra do aproveitamento, que temperava uma salada de tomate, cebola de cabeça e salsinha com um chuvisco de gordura quente, roubada da panela que acabara de fritar um torresmo. (sim, existe vida para além do azeite!).

As utilidades da gordura de porco não param por aí, e nem cabem por aqui. É o conservante perfeito das inigualáveis “carnes de lata”, ajuda a curar e conservar panelas e, na forma de toucinho, vira isca de tirar berne! Agora, me responda uma coisa: será que esse berne correria atrás de um óleo de canola?

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário