Aumentam as dificuldades para a imigração não planejada em Portugal


Cultura

José Venâncio de Resende, de Lisboa0

Praça do Comércio, local de transmissão dos jogos da Euro 2016

Um dia depois de milhares de imigrantes irem às ruas de Londres contra o brexit (saída Reino Unido da União Europeia), em 3 de julho dezenas de pessoas - de diferentes nacionalidades e continentes – protestaram em ruas do centro antigo de Lisboa, contra o endurecimento dos procedimentos burocráticos de legalização dos imigrantes. A manifestação foi promovida pela Plataforma Imigração e Cidadania (PIC) que congrega as várias entidades que trabalham com imigrantes.

Manifestantes portavam faixas e gritaram palavras de ordem com refrões como “Residência para todos”, “Documentos para todos” e “Direitos iguais”. O evento foi repleto de simbolismos, a começar pela concentração inicial em frente ao Hotel Mundial, na Praça Martim Moniz, e o encerramento em frente ao telão que transmite jogos da Euro 2016, na Praça do Comércio (Terreiro do Paço). Além disso, o panfleto distribuído durante a caminhada e lido no final estava escrito em inglês, língua que pode perder o status de idioma oficial da União Europeia com a saída dos britânicos.

A partir de março, houve fechamento do sistema para a atribuição do número de Segurança Social (NISS, equivalente ao INSS brasileiro) aos trabalhadores que estão em situação irregular (“indocumentados”), ou seja, sem autorização de residência ou como turista, explica a psicóloga da Casa do Brasil de Lisboa, Cyntia de Paula. Em paralelo, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) está demorando muito - em todos os prazos –, por exemplo, para marcação de entrevistas e na resposta aos pedidos de atribuição de residência. Em alguns casos (turistas que vão entrar em regime de exceção), esta espera tem sido de um ano, o que prolonga a situação irregular.

Um dos requisitos para o pedido de autorização de residência excepcional (art. 88.2) é ter um contrato de trabalho e contribuir para a Segurança Social, lembra Cyntia. “Acontece que, na prática, muitas empresas só contratam trabalhadores com autorização de residência, pois tem receio de serem punidas.” Resumo: para se ter um trabalho, é preciso ter autorização de residência, mas para ter autorização de residência é preciso um contrato de trabalho.

Isto coloca muitas pessoas em situação de irregularidade, em consequência, de vulnerabilidade, tornando-as vítimas de exploração laboral e trabalhos informais. “E há muitas pessoas nessa situação. O sonho pode tornar-se pesadelo. Muitas pessoas acabam por conseguir, mas outras acabam voltando ao seu país sem nada ou ficam irregulares por vários anos.”

“Descabido”

A advogada Patrícia Peret, da Casa do Brasil, considera “descabido”, para inscrição do trabalhador, a Segurança Social, órgão administrativo de Portugal, solicitar a “regularização da permanência em Território Nacional” junto ao SEF, também órgão administrativo de Portugal. Isto “porque  ambos os órgãos bem sabem que o/a estrangeiro/a necessita estar inscrito na Segurança Social, como uma condição prévia ao pedido de autorização de residência com fundamento nos artigos 88º, nº 2, e 89º, nº 2, da Lei de Estrangeiros”.

Prossegue a advogada: “E a Segurança Social, ao exigir a regularização em Território Nacional para inscrição em seu sistema, retira a possibilidade legalmente estabelecida de a pessoa interessada vir a proceder à sua regularização, fazendo nascer um ciclo vicioso, sem solução de resposta. Por outro lado, o sistema normativo jurídico vigente, sistematicamente interpretado, orienta para um diferente proceder” (aqui ela cita o artigo 63º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “todos tem direito à Segurança Social”, além de outros artigos da própria Constituição, das Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, do Código dos Regimes Contributivos, do Código do Procedimento Administrativo).

“Novos imigrantes”

Desde 2015, tem havido um grande movimento de novos imigrantes brasileiros, de todos os perfis, para Portugal, constata Cyntia de Paula. Desta vez, no entanto, sobressaem nesta “nova vaga”, imigrantes mais qualificados (licenciatura, MBA, mestrado etc.), além de continuar, em menor quantidade, o fluxo de pessoas com qualificação técnica (nível médio). Basta frequentar as reuniões do “Grupo Acolhida”, da Casa do Brasil, para perceber esta mudança no perfil dos imigrantes.

Contraditoriamente, são pessoas em geral com poucas informações, principalmente sobre o mercado de trabalho, observa Cyntia. “As pessoas não tem conhecimento das dificuldades do mercado de trabalho, como conseguir este trabalho sem estar regularizado no país.” Um equívoco, por exemplo, é pensar que se vai achar trabalho na própria área. “Quando chegam aqui, na maioria dos casos, se deparam com a dificuldade de obter o trabalho qualificado na área.”

Na maioria das vezes, as pessoas acabam por trabalhar em áreas menos qualificadas, como serviços (restauração ou restaurante, hotelaria etc.). Segundo Cyntia, os brasileiros com nacionalidade portuguesa ou de outros países europeus conseguem entrar mais fácil no mercado de serviços, principalmente na área de apoio ao cliente – o chamado telemarketing - de empresas que atuam no Brasil como Netflix, Microsoft e Ibéria.

A experiência de Cyntia no atendimento na Casa do Brasil revela que pessoas de nível superior em tecnologia da informação (TI) tem mais facilidade de conseguir trabalho na própria área. Já o pessoal das áreas de humanas e ciência sosiais geralmente sofre mais.

Planejamento

Muitas pessoas, inclusive casais, chegam a vender bens como imóveis e carros para migrar, na esperança de conseguir um trabalho em outro país, como Portugal. Não conseguem regularizar-se, o dinheiro acaba e acabam por ficar em situação irregular ou por voltar ao Brasil. Parece que a época de aventura ficou para trás.

Cyntia recomenda planejar o processo de migração, tanto em termos financeiros (garantia de recursos para a subsistência num período de médio e longo prazos) quanto de informações (de fontes seguras) sobre os direitos e deveres dos imigrantes no país escolhido. “O processo sempre será um desafio, envolvendo expectativas, conhecimentos de vivências inesperadas... é uma outra cultura que, apesar da mesma língua, tem imensas diferenças. Mas pode ser sempre uma experiênia enriquecedora.”

No caso de imigração, a regra é ter visto prévio, enfatiza Cyntia. “Quem  não tem visto prévio para trabalho, entra em situação de exceção” (texto final: 04/07/2016).

  

 

 

 

   

   

  

 

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