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Plebiscito

18 de Agosto de 2016, por José Venâncio de Resende

Edimburgo, Escócia: novo plebiscito à vista?

A convocação do plebiscito de 23 de julho - que aprovou o Brexit (saída dos britânicos) da União Europeia - é uma dessas tempestades cujos estragos requerem tempo para serem reparados. O ex-primeiro ministro David Cameron subestimou a capacidade dos eurocéticos de vender uma ilusão aos britânicos e mostrou-se sem credibilidade para liderar a campanha pelo remain (permanência), depois de criticar tantas vezes a UE.

Tanto que a nova primeira ministra Theresa May, ao tomar posse, assumiu como um dos seus dois principais compromissos buscar a união do Reino, de olho na possível rebeldia de Escócia e Irlanda do Norte. Um dos principais desafios de May será o de demover as lideranças políticas desses dois países de promover referendos para trocar o Reino Unido pela UE.

Nos Estados Unidos, o plebiscito é uma prática comum nos cenários municipal e regional. Nas eleições de 2014, por exemplo, além de escolher seus candidatos, os norte-americanos votaram 146 referendos sobre assuntos como legalização da maconha, salário mínimo, aborto, rótulos em alimentos transgênicos, porte de arma, instalação de cassinos e aumento de impostos. Os estados de Alaska, Illinois, Nebraska, Dakota do Sul e Arkansas, por exemplo, aprovaram nas urnas o aumento do salário mínimo.*

Mas também há referendos sobre temas bizarros. Em eleições anteriores, a maioria dos eleitores do Arkansas votou para retirar da Constituição estadual a frase “nenhuma pessoa idiota ou maluca pode votar”. Em Massachusetts, 56% dos eleitores decidiram proibir as corridas de cachorros, submetidos a maus-tratos para aumentar a vontade de correr. No mesmo estado, um referendo aprovou por 65% dos votos que andar com até 28 gramas de maconha não dá cadeia, apenas multa de US$ 100 pela internet. Na Califórnia, 63% dos eleitores decidiram que fazendeiros são obrigados a deixar porcos, galinhas e carneiros soltos na propriedade. E no Oregon 56% dos eleitores votaram contra a obrigatoriedade de imigrantes latinos aprenderem inglês, permitindo aulas em espanhol nas escolas públicas.**

Recentemente, porém, há forte tendência, principalmente na Europa, de governantes populistas – ou líderes políticos que querem antecipar-se a estes radicais – convocar referendos para decidir sobre temas polêmicos, como o fechamento das fronteiras de seus países para refugiados e imigrantes, que muitas vezes embutem questões como preconceito e ódio racial. Outro plebiscito que pode ganhar terreno em países europeus (Itália, Portugal etc.), depois do Brexit, é a escolha por permanecer – ou não – na UE, o que dependerá do comportamento dos burocratas de Bruxelas, geralmente acusados de insensíveis e intransigentes.

 

No Brasil

O Brasil não tem o hábito de realizar plebiscitos e, quando os promove, os propósitos e resultados são questionáveis. É o caso do plebiscito que o presidente João Goulart, Jango, convocou em 1963 para acabar com a curta experiência de parlamentarismo que o Brasil experimentava, inicialmente liderado pelo são-joanense Tancredo Neves. Tivesse vingado um sistema parlamentarista aperfeiçoado (eleição de primeiro ministro, voto distrital etc.), talvez o País tivesse seguido outro caminho e se livrado do golpe militar de 64 e deste caos político que vivemos hoje.

Da mesma forma, em 1993, os eleitores foram convocados para um referendo sobre a forma e o sistem de governo do País, fruto de emenda à Constituição de 1988. Os brasileiros deveriam escolher em plebiscito entre os regimes republicano e monarquista, bem como entre sistemas presidencialista e parlamentarista. Mais uma vez, a maioria votou a favor do regime republicano e do sistema presidencialista, mantendo a maneira como o País era governo desde a proclamação da República. Hoje, estamos pagando preço alto por esta opção pelo presidencialismo.

Por fim, é oportuno lembrar que é comum no Brasil a convocação de plebiscito para a criação de novos estados – caso mais recente foi o do Pará. Um detalhe importante: o referendo é regional, mas se vence a proposta de divisão do Estado a conta (nova estrutura administrativa, nova assembleia legislativa etc.) é transferida para todos os brasileiros, inclusive os que não votaram no plebiscito.

 

Engajamento?

Os fãs da democracia direta argumentam que ela engaja os cidadãos, mas os recentes referendos refletem uma ampla difusão da alienação política e da raiva da classe governante. Assim, em vez de estimular o engajamento dos cidadãos, muitos referendos têm se caracterizado por baixa participação. Uma das raras exceções é a Suíça que tem um sistema político ajustado para plebiscitos, além de ter cultura na promoção de referendos.***

Sou um adepto do plebiscito – acho que no Brasil deveríamos desenvolver a cultura do referendo popular, preferencialmente em municípios e estados. Mas referendo pode ser um instrumento perigoso, o que requer cautela.

Alguns cuidados precisam ser levados em conta. Um deles é evitar questões nacionais polêmicas, como a pena de morte ou o fechamento de fronteiras para imigrantes. Ou propostas que representem aumento de gastos para o setor público. Imaginem se o recente referendo da Suíça sobre a adoção da renda mínima nacional (proposta derrotada nas urnas) fosse realizado em país onde predomina o populismo e a desinformação?

Segundo, a proposição deve ser muito clara e dentro do controle do poder público da área de abrangência do referendo; ou seja, não se deve fazer plebiscito para outros (governos ou países) cumprirem o que foi decidido. Terceiro, qualquer referendo sobre aumento de despesas deve ter a contrapartida de aumento de imposto para cobrir o custo. Quarto, é preciso evitar que grupos ou interesses pouco claros ludibriem a sociedade ao usar referendos em seu propósito.

No entanto, o maior desafio está em como compatibilizar o plebiscito com o sistema político de representação do regime democrático, que ainda continua válido apesar de imperfeito.

 

CORREÇÃO: O título correto do artigo publicado nesta página, na edição impressa de Julho/2016, é "Um governo de transição", e não “Golpe constitucional ou reforma política?". No quinto parágrafo do mesmo artigo, leia-se "...o governo interino de Michel Temer", e não "...o governo de transição de Michel Temer", como foi publicado.

*http://www.oab.org.br/noticia/27800/eua-realizaram-146-plebiscitos-e-referendos-nas-eleicoes-desta-semana

**http://super.abril.com.br/comportamento/os-eua-e-seus-plebiscitos-malucos

***The Economist (21/05/2016)

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