Era um casal sossegado aquele, que eu admirava a uma respeitosa distância. O homem, de estatura mediana, usando óculos de grossas lentes, andava quase sempre bem agasalhado. E a mulher, da mesma altura que ele, possuía formas um tanto quanto arredondadas. Transmitiam os dois uma sensação de paz. Costumavam passear ao cair da tarde pelo movimentado Boulevard Raspail, nas cercanias do bairro de Montparnasse, em Paris. Como eu morava por ali, mais exatamente na rue Delambre, onde viveu Gauguin, volta e meia avistava o simpático casal.
Caminhando a passos lentos, ambos já beirando os 70 anos de idade, os dois poderiam perfeitamente passar por um casal como outro qualquer. A tal ponto que a maior parte dos pedestres não parecia sequer reparar neles. Mas, decididamente, aquele não era um casal comum. Bem longe disso. Boa parte da história do século XX passou por aqueles dois. O homem e a mulher que eu via com frequência caminhando na esquina da minha rua formavam o casal mais conhecido – e, talvez, admirado – da França. Agora, chega de mistério: ele se chamava Jean-Paul Sartre e ela Simone de Beauvoir.
Isto é, o existencialismo em carne e osso.
E uma imagem saudosa.
*Historiador, membro da Academia de Letras de São João del-Rei.