Comunidade Quilombola do Curralinho dos Paulas é celebrada em evento no Instituto Federal em São João del-Rei


Lucas Lara*


Alunos da comunidade quilombola participaram do VI ERAS (Foto Secretaria de Educação)

Nos dias 26 e 27 de abril, a comunidade quilombola do Curralinho dos Paulas foi lembrada, celebrada e vivenciada no campus São João del-Rei do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais. Lá aconteceu o sexto Encontro de Relações Raciais e Sociedade (ERAS). O tema da vez por si só já era convidativo: “Sentidos do aquilombar-se: diálogos, andanças, território e construção de palavras germinantes”. O evento, criado em 2016, trouxe para edição deste ano o tema central do quilombo e os sentidos do aquilombamento.

O termo “aquilombamento” é cada vez mais atual e representa uma dinâmica importante para o movimento quilombola e para a toda a comunidade afro-brasileira. De forma resumida e despretensiosa, uma vez que é proposta de um diálogo muito mais amplo, podemos dizer que o aquilombar-se é, como indica a comissão organizadora, “expressão que põe em destaque a força e a importância tanto da existência quanto da valoração das comunidades quilombolas”. A ementa do evento nos propôs um debate das temáticas que interseccionam educação, pesquisa, gênero, raça, classe, políticas públicas e lutas pelo território que configuraram os quilombos e as comunidades quilombolas no Brasil. Segundo o IF, o objetivo do encontro foi contribuir para a construção e troca de saberes e experiências numa perspectiva de romper com um imaginário socialmente construído sobre esses atores e suas comunidades. Assim sendo, nosso Quilombo dos Paulas foi convidado de honra e protagonista.

O VI ERAS fez parte do Programa Aquilombar-se, financiado por meio de um edital específico no ano de 2022. O evento, coordenado por Igor Cerri, foi um dos três projetos desenvolvidos pelo programa. As outras duas ações foram realizadas na comunidade quilombola do Curralinho dos Paulas, zona rural do município de Resende Costa. Presentes na escola do povoado, os coordenadores Diogo Matos e Amanda Silveira, juntamente com bolsistas, promoveram o projeto: “Era uma vez no quilombo: contação de histórias, jogos e brincadeiras afro-centradas”. A outra ação projetou produções audiovisuais num cine quilombo. Juliana Rodrigues promoveu o projeto “Câmara Escura: o quilombo quer se ver”. Mas não foi só assim que o Curralinho dos Paulas esteve presente...

 

Curralinho dos Paulas, comunidade remanescente de quilombo

Quem não conhece o Curralinho dos Paulas e sua história deveria conhecer. Antes de comentar sobre os projetos e participação no evento, necessitamos falar sobre este povoado. Temos uma comunidade quilombola no município de Resende Costa e poucas vezes nós resende-costenses falamos sobre isso. Mas, afinal, o que é uma comunidade remanescente de quilombo?

Conforme o Art. 2º do Decreto nº 4.887/2003, “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”. São, portanto, comunidades tradicionais oriundas daquelas que resistiram à brutalidade do regime escravocrata e se rebelaram frente a quem acreditava serem eles sua propriedade.

O Curralinho dos Paulas foi reconhecido oficialmente como “Comunidade Remanescente de Quilombo” em maio de 2011. O processo iniciou-se em 2009, quando a própria comunidade se autorreconheceu. Pois bem... Para quem quer conhecer mais sobre o Curralinho dos Paulas, tenho duas sugestões. A primeira é visitar a comunidade e conversar com os mais velhos, bebendo na fonte da ancestralidade. A outra é uma sugestão de leitura. Diogo Pereira Matos, coordenador de Assistência Estudantil do IF Sudeste MG, escreveu uma completa e provocativa dissertação em seu mestrado: “Quilombo, Escola e Identidades: um estudo sobre a Comunidade Remanescente de Quilombo do Curralinho dos Paulas do município de Resende Costa/MG”.

 

De volta ao ERAS, Curralinho dos Paulas PRESENTE

Quem chegava ao IF podia desfrutar de um pedacinho do nosso quilombo. A sala do diretório acadêmico deu lugar ao Curralinho dos Paulas. Na porta, um aviso: “Bem-vindo (a) à Comunidade Quilombola Curralinho dos Paulas”, rememorado por uma foto da placa indicativa de patrimônio cultural da entrada do povoado. Lá dentro, estavam expostos diversos trabalhos e fotos dos alunos da Escola Municipal “Professora Rosa Soares Penido”. A exposição contou com a apresentação dos projetos de cine quilombo e de contação de histórias do Programa “Aquilombar-se” e do projeto “Tukinha: Esperanças Quilombolas”. Esse último desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação de Resende Costa, por meio de sua equipe multiprofissional. A sala interativa permitiu que os visitantes conhecessem as atividades desenvolvidas pelos alunos quilombolas e mergulhassem na temática de forma a encontrar e celebrar os sentidos do aquilombamento. Mas não foi somente assim que o Curralinho se fez presença.

O evento foi repleto de representatividade e expressão artística, cultural, estudantil, negra, quilombola. Na plateia, diversos rostos resende-costenses conhecidos. Após sermos energizados pela presença do Congado Nossa Senhora do Rosário e Escravizada Anastácia e da apresentação apoteótica de Ágatha Fiori com seu alterego, afirmação e bate cabelo, a abertura oficial mostrou para que veio. Ao lado de Teresinha Magalhães, diretora-geral da escola, estavam Rosana Machado, João Artur e Alice Neves. Os dois últimos, estudantes negros do ensino médio técnico integrado, reforçando a importância do protagonismo estudantil. Representando o reitor André Diniz, estava Rosana, mulher, negra, mãe, professora, mestra e, atualmente, pró-reitora de extensão do IF Sudeste MG. Em seguida, na mesa redonda, estava Jhonny Felipe Santos, liderança negra e quilombola do Curralinho dos Paulas.

Jhonny foi convidado para falar sobre aquilombamentos e ocupação de espaços de poder. Foi mediado por Lucas Silva, graduando de Filosofia e presidente do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UFSJ. Jhonny compartilhou a palavra com ninguém menos que Andreia de Jesus, deputada estadual de Minas Gerais. Andreia possui uma trajetória de militância por moradia e abolicionismo penal e foi reeleita deputada em um estado que nunca antes em sua história teve uma mulher negra ocupando um cargo como esse na Assembleia Legislativa. A parlamentária rompeu ciclos e hoje avança pela garantia de direitos para o povo preto e do nosso Estado. Para Andreia, é necessário “romper com a margem e trazer para o centro, a missão agora é aquilombar”. Para Diogo Matos, essa representatividade é fundamental. Segundo ele, “trazer para o debate essas questões é importante para que a comunidade possa criar estratégias em conjunto com o poder público, buscando políticas públicas tanto na perspectiva da melhoria da qualidade de vida, mas, sobretudo, na garantia de direitos que possui enquanto povo tradicional quilombola e que tem o direito e o reconhecimento em lei”.

E não paramos por aí... No dia 27, foi a vez de nossas crianças da comunidade quilombola do Curralinho dos Paulas chegarem até o IF. Eles foram recepcionados para uma oficina de brincadeiras africanas pela arte-educadora Benvinda d’Ângelo e pela resende-costense Rosa Nascimento. Foi desafiador, mas muito bonito, ver os alunos quilombolas ocupando um Instituto Federal, espaço que é também deles. Para Diogo Matos, a presença dos Paulas no ERAS tem um significado muito importante, uma vez que a proposta do evento foi justamente “criar este espaço de debate e reflexão e, sobretudo, um espaço de representação no qual os quilombolas estivessem presentes”. Para além disso, projetos como os que são desenvolvidos pela Secretaria de Educação e pelo IF são de fundamental importância, pois “temos um princípio da educação para as relações étnico-raciais e entendemos que é primordial trabalhar com as crianças uma perspectiva de uma educação antirracista baseada no pertencimento racial, em busca da construção de identidades positivas nesse processo, para que possamos desconstruir e lutar contra o racismo estrutural que está posto na constituição da sociedade brasileira”, alega o coordenador de assistência estudantil de todo o IF Sudeste MG.

 

Projeto Tukinha: esperanças quilombolas

Além dos projetos desenvolvidos pelo IF, a Secretaria Municipal de Educação de Resende Costa está presente na comunidade quilombola. Segundo Alessandra Guse, assistente social precursora das ações, o “Projeto Tukinha: Esperanças Quilombolas” nasceu do “sonho de se construir dias que em nossa Resende Costa não tenhamos ações racistas”. Com a implantação da Lei nº 13.935/2019, que exige a implantação dos serviços multiprofissionais de psicologia e serviço social na educação básica, uma primeira oficina interventiva foi feita na Escola Municipal “Professora Rosa Soares Penido” durante a semana da consciência negra, em 2022. Foi observado que todas as memórias do que foi um quilombo se perderam e embranqueceram. Parte da observação, também, de que, nos ambientes escolares, o racismo, ainda perverso, tem força e separa, maltrata e exclui os nossos meninos.

Diante disso, propõe-se um projeto que carrega o nome do Sr. Djalma Augusto, o Tukinha, importante liderança comunitária e quilombola, falecido naquele ano. Consideramos que, numa dimensão ancestral, social e cultural, a escola é espaço de conhecimento que os alunos, presente e futuro do quilombo, ocupam. Não obstante, é vital que se tenha um processo educacional e de escolarização como expressão de tais dimensões, com a ampliação de olhares pedagógicos, políticos, afetivos e institucionais, superando práticas e ações dicotomizadas. Sendo assim, o “Tukinha: esperanças quilombolas” propõe intervenções afrocentradas e ancestrais com os alunos da comunidade quilombola. Para Guse, o projeto vem na contramão do cenário que encontramos, “propondo rememorar, conhecer e valorizar para não mais repetir os erros cometidos com aqueles que nos antecederam”.

Para encerrar, digo que precisamos urgentemente de ações efetivas para que a certificação quilombola não fique apenas no papel. É imprescindível contribuir para a valorização da identidade quilombola presente no Curralinho dos Paulas. É primordial que haja investimento em políticas públicas reparatórias, como indicados por Diogo, “que visem à melhoria da condição de vida desses atores, bem como de reestruturação física e incentivos para desenvolvimento produtivo e econômico” (MATOS, 2017, p. 61).

 

* Lucas Lara é estagiário de Psicologia da rede pública de educação no município e servidor da Secretaria de Turismo, Artesanato e Cultura de Resende Costa.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário