Curiosidades e coincidências da Cuba portuguesa


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José Venâncio de Resende0

Estátua com os dizeres CRISTÓVÃO COLON – Descobridor das Américas

Cheguei a Cuba, no baixo Alentejo, sul de Portugal, por volta do meio-dia de 8 de novembro, onde passei dois dias em meio a coincidências e curiosidades. Ao deixar a estação de trem (comboio), deparei-me logo à esquerda, do outro lado da rua, com a “Hospedagem e Restaurante LULA”, de propriedade de Antônio Manuel Fialho Lula e que existe há 24 anos.

Depois do almoço, caminhei até o centro da cidade; na praça principal, encontrei uma estátua com os dizeres “CRISTÓVÃO COLON – Descobridor das Américas”. No centro de informações turísticas, ao lado, tomei conhecimento da versão difundida em Portugal sobre a origem de Cristóvão Colombo (originalmente, Colon), conhecido na historiografia como “o genovês”. Pela versão portuguesa, Colombo seria filho bastardo do infante D. Fernando (irmão do rei D. João II), o 1º Duque de Beja e 2º Duque de Viseu, com a dama da corte de nome Isabel da Câmara Zarco.  

O nome de batismo de Colombo seria Salvador Fernandes Zarco, nascido em 26 de agosto de 1451 em Cuba-Beja e falecido em 1506 em Castilla y León (Espanha). Pela sua árvore genealógica (https://www.familysearch.org/), Salvador seria neto paterno do rei D. Duarte I de Portugal e de Dª Leonor de Aragão e neto materno de João Gonçalo Zarco e Constança Rodrigues Zarco; portanto, bisneto de Gonçalo Esteves Zarco (1366-1430) e de Brites Eannes de Santarém. João Gonçalo era um navegador português, nascido em 1390 em Matosinhos (região do Porto) e falecido em 1471 no Funchal (ilha da Madeira).   

Ainda por esta versão, Colombo pertenceria à mesma árvore genealógica da paulista Ângela de Goes de Almeida, da qual descendem os Pinto de Goes e Lara e os Almeida que se uniram aos Resende e aos Ribeiro da Silva na antiga comarca do Rio das Mortes, atual região de São João del-Rei. Mais precisamente, são descendentes de Gonçalo Esteves Zarco, de origem judaica, e de Brites Eannes de Santarém, ambos nascidos no Funchal, ilha da Madeira.

 

Espião

De acordo com Carlos Calado*, estudioso da vida de Colombo e criador do Núcleo de Amigos da Cuba, o “nobre navegador português”, atendendo estratégia do Rei D. João II, infiltrou-se na Corte dos Reis de Castela, “como se estivesse perseguido e em fuga, sob o falso nome de Cristóvão Colon. Devido a essa estratégia, todos os seus documentos foram destruídos, rasurados ou alterados”. Daí ter ficado “conhecido, erroneamente, pelo nome ´Colombo´”.

Entre as pistas que Calado apontada, encontram-se cerca de 40 topônimos, muitos deles alentejanos, que Colombo atribuiu às terras (ilhas) do Novo Mundo. São os casos da 1ª ilha: S. Salvador (seu nome); 2ª ilha: Stª Mª Conceição (convento); 3ª ilha: Fernandina (seu pai); 4ª ilha: Isabela (sua mãe); e 5ª ilha: Cuba (local de nascimento). Também repetiu e cruzou nomes, como S. Vicente (igreja matriz de Cuba) a um local de S. Salvador; ainda chamou de S. Salvador a baía onde ancorou em Cuba; e de Fernandes a baía onde ancorou em S. Salvador.

Cristóvão Colombo tinha ligação com o símbolo das “três romãs abertas”, de acordo com Calado. Na Sala dos Almirantes do Alcázar de Sevilha, há o quadro “A Virgem dos Navegantes”, do pintor espanhol Alejo Fernandez, onde figura o “Almirante Don Cristobal Colon”. Ele tem o seu manto decorado com o motivo das três romãs abertas, dispostas em triângulo. No seu túmulo em Sevilha, um dos arautos que transporta a urna tem a sua lança cravada numa romã.

Em Cuba, há um portal decorado em baixo relevo com ramagens e as três romãs abertas dispostas em triângulo, exatamente como no manto do quadro “A Virgem dos Navegantes” em Sevilha. Segundo Calado, esse portal é o único vestígio conhecido que resta do Paço Ducal em Cuba, onde teria nascido Colombo e que ruiu antes de 1585.

Por fim, Calado cita um retrato que Colombro deixou, depois de completar a sua missão em Castela (“sem poder regressar à sua pátria”), com os símbolos que indicam as suas origens: “As romãs abertas do portal do Paço do Duque de Beja, existente em Cuba”.

Já não circulam manuais dizendo que Colombo é genovês, mas os espanhóis também reclamam Colombo, diz o técnico José Roque da Câmara Municipal de Cuba. Muitos dos professores de História nas escolas portuguesas deixam no ar a dúvida sobre a origem de Cristóvão Colombo, complementa o professor Paulo Sérgio Pinto, da Escola Secundária de Resende. “Genovês, castelhano, português?”

 

Vinho de talha

No campo das coincidências, está o vinho de talha, produzido artesanalmente com base em processo utilizado pelos romanos há mais de dois mil anos. A partir de janeiro de 2023, mês da posse de Lula da Silva, a Quinta da Pigarça deve iniciar a venda no Brasil do seu vinho de talha, diz João Canena, dirigente desta empresa familiar que engloba as Adegas de Cuba e da Vidigueira. A quinta já exporta para Rio e São Paulo e para a América do Norte o vinho de denominação de origem controlada do Alentejo das marcas “100 Marias” e “Quinta da Pigarça”.    

Localizada em Cuba, a quinta tem uma área de 25 hectares de vinha, sendo três quartos de uvas tintas, e o restante, de brancas. “Utilizamos castas antigas que estavam em extinção, provenientes de vinhas velhas que temos estado a replantar, recuperando-as”, explica João Canena. A Adega de Cuba, situada ao lado da igreja matriz S. Vicente, é de 1900 (com alvará de destilaria de 1937). Já a Adega Museu do Vinho da Talha, instalada em antigo convento do século XIV no município da Vidigueira, faz parte da rota das adegas criada recentemente.   

O vinho de talha é o que distingue a Quinta da Pigarça. A adega dispõe de 60 talhas de argila com capacidade para aproximadamente 1500 litros cada, onde se elabora a maior parte dos vinhos da família. A talha de barro mais antiga é de 1655, e há talhas dos séculos XVIII e XIX e de início do século XX, seguindo a vinificação que é realizada no Alentejo desde a época romana. Recentemente, foram adquiridas na Espanha 10 talhas dos anos 1800, com capacidade para cerca de 8 mil litros.   

A vindima (colheita) é feita manualmente e as uvas são escolhidas com rigor. Depois são transportadas para a adega onde são vinificadas em lotes de acordo com o tipo de vinho a que se destinam. Ao se desengaçar as uvas (retirar os bagos), alguns engaços são deixados inteiros para mais tarde servir de filtro ao vinho dentro das talhas. Durante cerca de três semanas, as massas são revolvidas duas a três vezes por dia com o chamado “pau romano” até a fermentação baixar a sua intensidade.

No dia de São Martinho (11 de novembro), ocorre a abertura das vinhas novas e o começo das provas. Mais adiante, é hora de pôr a limpo os vinhos que escorrem normalmente por uma torneira de madeira até ao fim, saindo naturalmente filtrados e brilhantes. A parte sólida da uva é extraída manualmente da talha. O vinho resultante da prensa das massas é incorporado novamente na talha de argila.

Depois da fermentação alcoólica, o vinho é guardado em barricas de barro (dos anos 1800), onde estagia de seis meses a um ano para micro-oxigenar e apanhar mineralidade e terrosidade. Além da pequena quantidade de sulfitos, o barro torna o vinho mais macio e melhor para o consumo do que a madeira.

Um evento cultural em Cuba é a celebração, no Dia de São Martinho, da abertura das talhas e do ritual da prova do vinho novo. As manifestações populares constituem-se de rotas pelas adegas, petiscos, tasquinhas, “caminhada pelas vinhas centenárias”, apresentações de grupos corais e cante alentejano (gênero musical tradicional do Alentejo) e conferências sobre o vinho de talha.

Tanto é que o vinho de talha de Cuba e dos municípios vizinhos Vidigueira e Alvito é candidato a patrimônio imaterial da humanidade. Espera-se que em dois anos essa forma milenar de fazer vinho se junte ao cante alentejano e ao fado como patrimônio da Unesco.

 

Cuba comunista

A Vila de Cuba, pertencente ao distrito de Beja, no baixo Alentejo, é sede do município com pouco mais de quatro mil habitantes (2021). Cuba fica a cerca de 20km de Beja e a aproximados 70km de Évora. Quem nasce na Cuba portuguesa é denominado cubense.

O conselho de Cuba foi criado por alvará de Dª Maria I de 18 de setembro de 1782; antes pertencia a Beja. Atualmente, pertencem a Cuba, além da sede, as aldeias de Vila Alva, Vila Ruiva, Faro do Alentejo e Albergaria dos Fusos. A presença romana deixou marcas visíveis no concelho, segundo Emília Salvado Borges. Mas poucos são os vestígios dos muitos séculos de dominação árabe.

Na maior parte do período posterior à Revolução de 25 de abril de 1974, Cuba é dirigida pelo Partido Comunista Português (PCP), em coligação com os Verdes, escolhido pelo voto popular. A presidência da Câmara Municipal (equivalente a Prefeitura no Brasil) vem sendo controlada pelo PCP nos períodos 1974-1997 e 2014 até agora (a exceção é o período 1998-2013 quando o município foi dirigido pelo Partido Socialista).

 

*Carlos Calado cita em seu apoio os livros: O português Cristóvão Colombo, agente secreto do Rei D. João II (de Mascarenhas Barreto); A vida de Cuba em 1706 (de J. Figueira Mestre); O mistério Colombo relevado (de Manuel daa Silva Rosa); e O Concelho de Cuba (de Emília Salvado Borges).  

 

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