Semana Santa de Resende Costa: uma crônica piedosa inspirada pela fé e pela veneração à beleza presente na tradição religiosa mineira


André Eustáquio


Cena da Semana Santa de Resende Costa. Imagem de N. Sra. das Dores em frente ao Passinho na Praça Mendes de Resende (foto Thiago Morandi)

Aos poucos as pessoas vão se aproximando dos arredores da Praça Cônego Cardoso, na noite santa da sexta-feira, 7 de abril. No céu, a lua cheia eclipsava-se pela garoa fina e fria que trazia consigo uma névoa a encobrir a torre da igreja Matriz de Nossa Senhora da Penha de França. Em frente ao portão fechado do adro da igreja Matriz, os fiéis contemplavam uma antiga imagem do Cristo que pendia solitário no alto do madeiro da cruz, ladeado por dois ladrões que, em semblante de dor e entrega, agonizavam ao lado de Jesus. Um, Dimas, arrependeu-se de seus pecados; o outro, do qual não se sabe o nome, blasfemou com ignomínia até a morte.

Em Resende Costa, a Semana Santa é a maior celebração religiosa do ano, por concentrar em oito dias as cerimônias litúrgicas e paralitúrgicas que a Igreja celebra como rememoração do supremo sacrifício de Cristo e sua ressurreição. A cidade se envolve em clima de espiritualidade e ardor místico. Mesmo quem não acompanha todas as procissões e assiste às diversas missas se contagia com a aura religiosa que brota do incenso, dos andores e das marchas fúnebres executadas pela banda Santa Cecília, regida pelo maestro Luiz Carlos Martins Júnior.

Neste ano, os tradicionais sermões do Encontro, na Terça-Feira Santa, 4 de abril, e do Descendimento da Cruz, dia 7 de abril, foram proferidos pelo padre Marcos Alexandre Pereira, pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Penha de França de Resende Costa. “Celebramos o Encontro, quando nós mesmos não nos encontramos. A pressa do tempo impede os nossos encontros...”. Com essas palavras, padre Marcos iniciou o Sermão do Encontro, na praça Mendes de Resende, sob o fito dos olhares de fé e devoção de centenas de fiéis que contemplavam a cena do encontro de Jesus com sua Mãe, rememorando a caminhada dolorosa do Divino Mestre rumo à cruz pelas vielas da antiga Jerusalém.

Em todas as reflexões da Semana Santa, desde o início do Setenário das Dores de Maria Santíssima, celebrado solenemente entre os dias 25 e 31 de março, a Igreja convidou os fiéis à conversão, conclamou-os à mudança de vida e ao engajamento na pastoral católica. Temas como reconciliação, encontro com o irmão, conversão, misericórdia, perdão e amor ao próximo ecoaram vibrantes nos púlpitos durante os sermões.

O tempo quaresmal foi oportuno para a reflexão acerca do tema da fome (“Fraternidade e Fome – Dai-lhes vós mesmos de comer”), proposto neste ano pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) para a Campanha da Fraternidade.

 

Preparação

Ao longo do ano, dificilmente paramos para refletir sobre virtudes morais, mudança de vida, arrependimento, entre outros temas caros à vivência da dimensão espiritual no humano. A correria do dia a dia nos impede que paremos para pensar no próximo e na essência individual de nós mesmos. A Semana Santa nos convida a examinarmos nossa consciência através do sacramento da confissão, a fazer sacrifícios e a nos dispor à conversão e mudança de vida. Por isso, podemos afirmar que se trata de um grande e piedoso retiro espiritual que nos incentiva a voltarmos a atenção para a dimensão espiritual que habita o nosso ser.

A expectativa para o início da Semana Santa já absorve os resende-costenses a partir da Quarta-feira de Cinzas, quando se ouve ao meio-dia o dobre do sino da igreja Matriz de Nossa Senhora da Penha. Neste ano, no decorrer da Quaresma, todas as sextas-feiras, às 5h, de manhã, os fiéis participaram, a convite do pároco, padre Marcos Alexandre, do exercício espiritual da Via-Sacra pelas ruas do entorno da igreja Matriz.

 

Procissões

As procissões se constituem num dos maiores atrativos da Semana Santa de Resende Costa. Os cortejos atraem, além da população local, turistas que desejam conhecer e vivenciar antigas práticas paralitúrgicas, que em muitas cidades do Brasil já não existem mais.

Nas cidades da região do Campo das Vertentes, como São João del-Rei, Resende Costa, Prados, Tiradentes, Lagoa Doura, é ainda comum presenciarmos pessoas com o terço nas mãos, mulheres com o véu na cabeça e segurando velas, irmandades ostentando suas opas, preservando práticas e costumes religiosos que, aos poucos, vão se perdendo no tempo em diversos lugares.

Nas ruas de Resende Costa, impera o silêncio que, apesar de um sussurro ou outro, é quebrado pelos acordes introspectivos das Marchas Fúnebres, pelo rufar opaco das matracas ou por uma sequência de Ave-Maria. Acompanhar os passos de Jesus com a cruz às costas e de Nossa Senhora das Dores significa, para muitos cristãos resende-costenses, a renovação de uma espiritualidade que fatalmente adormece sob as pesadas exigências da vida hodierna.

 

Arte e fé

A beleza do ritual católico é também vivida durante as celebrações da Semana Santa na cidade das lajes. Temos o privilégio de ouvir motetos cantados em latim em frente às pequenas capelas dos Passos e participar de celebrações nas quais o Coral e Orquestra Mater Dei, dirigido pelo maestro Wagner Barbosa, executa missas polifônicas, entre outras riquíssimas obras do tradicional repertório sacro mineiro, escrito por compositores dos séculos XVIII, XIX e XX. A preservação da tradição musical na liturgia da Igreja contribui substancialmente para a mística e a piedade das celebrações, bem como para a cultura em nossa cidade.

 

Participações

Participaram da Semana Santa 2023 em Resende Costa, além do pároco local, padre Marcos Alexandre, padre Fábio Evaristo Resende Silva (C.Ss.R), Frei Arlaton Luiz Soares de Oliveira (OFM) e padre Adriano Tércio Melo de Oliveira, pároco da Paróquia de Santo Antônio, de Lagoa Dourada, que presidiu a missa solene da segunda-feira da Oitava da Páscoa, no dia 10 de abril. Nesse dia, cumprindo uma tradição já antiga, os fiéis de Resende Costa encerram a Semana Santa na cidade acompanhando uma concorrida e belíssima procissão, em que Nossa Senhora das Dores é despida do manto roxo da tristeza para vestir-se de branco, celebrando o triunfo da ressurreição do seu amado e Divino Filho.

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