Por coincidência, logo após escrever sobre uma loja de discos que ainda resiste aos novos tempos da música digital, recebi uma dica de um documentário sensacional. Ele conta a história do importante estúdio de design inglês Hipgnosis, que foi responsável por criar capas memoráveis de discos que marcaram a história do rock. Muitas capas de disco se tornaram parte integral da obra e é impossível falar de certos álbuns sem lembrar delas. Artistas investiram tempo e cuidado na criação de capas, pois entenderam a força que elas carregavam enquanto transportavam e protegiam a música em seu interior. O estúdio Hipgnosis, com muita inventividade e o uso competente das técnicas disponíveis, fez história com algumas capas que hoje são verdadeiros marcos.
O documentário se chama “Squaring The Circle”. Uma tradução livre seria algo como “fazendo a quadratura do círculo”, uma relação direta entre um problema clássico da matemática e as formas da capa e do disco. Ele está disponível no YouTube; infelizmente, apenas em inglês. Faço votos para que alguma alma caridosa coloque legendas em português o quanto antes para que mais pessoas possam assistir. O documentário reúne depoimentos de um time estelar que conta com David Gilmour, Roger Waters, Paul McCartney, Peter Gabriel e outros. Conta também com depoimentos de um dos fundadores do estúdio, Aubrey “Po” Powell, e imagens de arquivo dos outros sócios, StormThorgerson e Peter Christopherson, já falecidos quando da gravação.
Storm e Po eram amigos de adolescência daqueles que viriam a fundar o Pink Floyd. Estudaram arte e começaram a trabalhar profissionalmente com fotografia, quando foram procurados pelos amigos do Pink Floyd para produzir a capa de seu segundo álbum, “A saucerful of secrets” (1968), que marcou a saída de Syd Barret e a entrada de David Gilmour na formação clássica do grupo. Em uma era em que não existia Photoshop e afins, fizeram a capa com uma intrincada montagem de fotos e texturas. A partir daí, outros trabalhos começaram a aparecer e o estúdio cresceu em tamanho e importância. A consagração viria com a icônica capa de “The dark side of the moon” (1973) e seu prisma dividindo a luz em várias cores. De uma simplicidade incrível, a capa ganhou vida própria e se tornou um símbolo pop explorado e referenciado de todas as formas, mídias e linguagens que se pode imaginar.
A partir daí, o estúdio viraria uma referência e seria buscado por artistas, como Paul McCartney e Led Zeppelin. Eram tempos de dinheiro farto, orçamentos caros e extravagâncias, como viajar de Londres para o Havaí para fazer apenas algumas fotos ou pousar de helicóptero em um pico nevado nos Alpes Suíços para fotografar uma estátua para a capa da coletânea “Wings Greatest”, da banda de Paul McCartney. Na virada dos anos 70 para os 80, entretanto, as coisas começam a mudar. Em termos musicais, o rebuscamento e a sofisticação das produções de rock, em especial o progressivo, são substituídos pela simplicidade e o som cru do Punk e New Wave.
As capas também ficaram mais simples, muitas vezes só retratando os membros da banda. Storm pressentiu a mudança e convenceu os parceiros a transformarem o estúdio em uma produtora de filmes. O novo negócio, porém, não prosperou e foram à falência em dois anos, pondo fim à história de um estúdio lendário.
O documentário conta a história com detalhes e aborda não só o processo criativo do trio, mas também a curiosa interação com músicos e bandas. Capas tiveram sua importância e andaram junto à própria música dos álbuns. O CD, por conta das dimensões, já sacrificou muito essa arte e o tiro de misericórdia veio com a música digital. Assim, o documentário abre uma janela muito interessante para um passado ainda próximo. Quem curte um disco vai assistir com saudade. As novas gerações, por sua vez, talvez percebam o que nós perdemos com os novos formatos.
P.S.: Após finalizar a coluna, constatei que o vídeo foi retirado do YouTube. Agora a solução é esperar ser disponibilizado em algum streaming ou buscar em outras fontes.