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A viola em alta

21 de Setembro de 2022, por Renato Ruas Pinto

Não escondo meu gosto por discos em que a viola caipira é o destaque. Sou um apaixonado pelo instrumento desde que o conheci no começo dos anos 90, com os ponteios de Almir Sater na primeira edição da novela “Pantanal”. Aquele foi um momento crucial para a viola, como bem explica o violeiro e pesquisador Ivan Vilela em seu excelente livro “Cantando a própria história”, onde conta a história da viola e da música caipira. Vilela aponta corretamente a importância da exposição em rede nacional para o resgate de um instrumento que andava restrito ao nicho de música caipira tradicional.

Estava aberto o caminho para a viola conquistar admiradores e atrair novos instrumentistas que ajudariam a levá-la a outros estilos. A reedição recente de “Pantanal” traz a viola de volta para a sala de estar de milhares de famílias e pode ter um outro efeito positivo: conquistar mais violeiros. Mas as boas vendas do instrumento e os novos discos mostram que talvez a ajuda não seja tão necessária. De todo modo, é muito bom ver em horário nobre da TV uma dupla executando clássicos, como a moda “O Rei do Gado”, eternizada por Tião Carreiro e Pardinho. Entretanto, para provar que a viola não vive só de passado, falarei de dois lançamentos que mostram não só o quanto ela segue viva, mas também a sua força e versatilidade. São duas audições mais que recomendadas para quem curte música de qualidade e criada com o cuidado e o apreço de artesão.

“Rio Aberto”, de Makely Ka: sigo há tempos o trabalho de Makely Ka, que considero um dos compositores mais afiados e originais da nova geração da música brasileira. Conheci seu trabalho no disco coletivo “A Outra Cidade”, sobre o qual já escrevi nesta coluna, e pude acompanhar depois outros trabalhos de sua lavra como o excelente “Cavalo Motor”. Sendo Makely um poeta e violonista inspirado, surpreendeu a notícia de que estava preparando um disco instrumental e de viola caipira. Porém, Makely conseguiu fazer com maestria o salto entre instrumentos tão distintos entre si em termos de sonoridade e linguagem.

A paixão de Makely pelos sertões, explicitada em seu “Cavalo Motor”, torna natural a sua aproximação com a viola, que tão bem representa os caminhos do interior. Compositor de melodias fluidas, Makely encontrou na viola e sua dinâmica, de ponteios e cordas duplas, e possibilidades de afinações, terreno fértil para apresentar um ótimo disco. Falando em fluidez, os temas das canções são diversos rios que cortam nosso sertão e dão nome às músicas. Sua viola se apresenta sozinha ou muito bem acompanhada de cordas elegantemente arranjadas e mostram que Makely é um artista multifacetado e dono de uma obra impressionante.

“Moda de Rock – Brasil”, de Ricardo Vignini e Zé Helder: já escrevi sobre o trabalho brilhante dessa dupla que traz a sonoridade da viola para o rock. Ou seria o contrário? Apesar de terem começado o trabalho em 2010, ainda surpreendem quem os ouve pela primeira vez. Nos discos anteriores, a dupla registrou clássicos do rock, que iam de Beatles e Rolling Stones ao heavy metal de Metallica e Black Sabbath, além de um disco dedicado ao Led Zeppelin. Chegou a vez do rock brasileiro e a dupla inovou com um álbum com mais canções e recheado de participações especiais, como Zeca Baleiro, Zé Geraldo, Edgar Scandurra e Ana Deriggi.

A fórmula inovadora permanece intacta: a viola é a estrela e, mais que isso, as bases são os ritmos populares, tais como o cururu, a toada ou o pagode de viola. Assim, o que ouvimos é realmente uma fusão de estilos e não somente o rock arranjado para duas violas. Ouça, por exemplo, a faixa “2001” (Tom Zé e Rita Lee) para entender o que é o cururu, ritmo consagrado em “Menino da Porteira”. A mudança de um trabalho instrumental para um disco com várias faixas cantadas deixa o disco bem interessante e pode conquistar outros públicos. Além disso, vale destacar a seleção primorosa de repertório que cobre artistas importantes e estilos diversos do rock brasileiro, indo de precursores, como Mutantes e o rock rural de Sá, Rodrix e Guarabira até o punk e new wave dos anos 80, ou mesmo grupos menos conhecidos do grande público, como o Joelho de Porco e Cólera.

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