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De novo na esquina

26 de Janeiro de 2023, por Renato Ruas Pinto

Certas pessoas conquistam, por merecimento, a imortalidade ainda em vida. E Milton Nascimento alcançou o status de lenda enquanto vivo e coroou uma carreira brilhante com uma despedida à altura da sua importância para a música. O ano de 2022 marcou o adeus de Milton às grandes turnês. Viajou o Brasil e o mundo levando para suas plateias um show emocionante e cheio de simbolismos de uma saída dos palcos planejada, privilégio que poucos artistas têm. “A Última Sessão de Música” foi o nome da turnê que fez um belo apanhado da carreira de um dos músicos mais brilhantes que esse planeta conheceu.

O talento de Milton para a música se mostrou ainda na infância ao aprender, sozinho, a tocar o violão. Em tempos em que estradas e as ondas de rádio uniam o mundo, a sua Três Pontas, onde foi criado, era praticamente um mundo isolado. Ele conhecia músicas pelo rádio e, após a audição, se virava com amigos, como Wagner Tiso, para tirar as canções. Essa falta de informação ou de intercâmbio com outros músicos é uma explicação que o próprio Milton dá para suas harmonias não usuais e acordes com os quais muitos músicos populares ainda hoje não estão habituados.

Sua ida para Belo Horizonte levaria a uma série de encontros e caminhos que carregariam Milton e sua música para o mundo. Sem dúvida alguma, o movimento conhecido como Clube da Esquina, liderado por Milton, Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta e outros, foi a maior revolução musical no Brasil desde a Bossa Nova. Tal como a Bossa Nova, o movimento rompeu as fronteiras brasileiras e influenciou grandes músicos que se renderam à originalidade das melodias e harmonias intrincadas saídas das montanhas de Minas. Com uma discografia recheada de álbuns incríveis e canções que se tornaram clássicos, Milton é celebrado como um dos grandes que nossa rica música popular produziu. Não bastasse ser um compositor brilhante e inovador, Milton ainda foi presenteado com uma voz única. Se Deus cantasse, seria com a voz de Milton, disse certa vez Elis Regina, que foi a primeira artista de peso a gravar suas composições quando ele ainda era um desconhecido.

Com uma carreira tão rica e extensa, fica até difícil fazer uma seleção que consiga fazer justiça à toda obra de Milton. Porém, ele e sua equipe montaram um repertório irretocável. Acompanhado de uma banda de alto nível, liderada pelo competente diretor musical e guitarrista Wilson Lopes, Milton ainda trouxe uma novidade nos vocais, o jovem Zé Ibarra. A saúde já bastante debilitada cobrou o preço na voz de Milton, que encontrou em Ibarra um complemento para cantar determinadas canções ou as partes de notas mais agudas. E assim Milton executou uma turnê mundial sempre com ingressos esgotados e depoimentos emocionados de quem esteve presente.

O gran finale não poderia ser em outra cidade que não Belo Horizonte, fechando o ciclo onde Milton compôs suas primeiras músicas com o parceiro Márcio Borges. E os simbolismos do show não param aí. Não faltou no palco a participaçãodos parceiros do Clube: Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta e Nelson Ângelo. E também estava lá o primeiro parceiro das descobertas musicais e conjuntos, Wagner Tiso. Cruzeirense declarado, Milton não deixou de homenagear, em pleno Mineirão lotado, o ídolo Tostão com a instrumental “Tema de Tostão”. Foi um show emocionante do início ao fim, onde o que mais se via na plateia eram largos sorrisos e olhos marejados de lágrimas. Todos ali tinham noção da importância histórica e artística do momento.

E assim, Milton fez uma despedida inesquecível. Sentado serenamente em sua cadeira, comandou a plateia em um show marcante e saiu de cena, de forma simbólica, nos braços dos seus fãs. Quem não viu tem a chance de assistir – e se emocionar – através do Globoplay. Vida longa ao Bituca e que, ainda que esteja dando adeus aos palcos, ele continue nos presenteando com sua música.

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