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Espécie em extinção

28 de Fevereiro de 2024, por Renato Ruas Pinto

A chegada dos gravadores de CD e do MP3 na virada do século foi como um furacão para a indústria da música, que arrasou tudo por onde passou e criou uma nova realidade. Com a possibilidade de carregar discografias inteiras em um pendrive, as vendas de CDs despencaram, a pirataria disparou e a música passou a ser distribuída por aplicativos de compartilhamento direto entre usuários como o Napster e Kazaa.

No Brasil, as lojas de discos fecharam uma a uma e espaços de venda de música em grandes lojas e livrarias foram diminuindo até sumir. Hoje, essas lojas se resumem a pequenos espaços dedicados a um nicho muito específico, de quem não abre mão do formato físico e de poder ler um encarte. Assim, qual não foi minha surpresa ao encontrar em Pouso Alegre, cidade de 150 mil habitantes no interior de Minas Gerais, uma loja de CDs de porte razoável e com um acervo de encher os olhos dos aficionados!

A dica da loja improvável veio pelo meu irmão, o Cacau, que viu um perfil no Instagram falando a respeito. Por coincidência, eu iria passar ao lado de Pouso Alegre nos próximos dias e resolvi fazer um desvio para conhecer o espaço. A loja em questão se encontra dentro do Hipermercado Baronesa e, ao chegar no local, eu não conseguia acreditar no que via. Era uma loja de grande porte para o padrão brasileiro e com um acervo de um tamanho que não via desde os anos 90. Em São Paulo, onde ainda resistem muitas lojas de música, não sei de nenhuma do mesmo tamanho. Em um espaço de corredores apertados e prateleiras altas se encontra toda a sorte de CDs, caixas especiais e um bom acervo de DVDs de shows, filmes e documentários. Ainda há uma pequena sessão de vinis com alguns bons títulos.

Há alguns motivos para a minha surpresa e maravilhamento com a descoberta. O primeiro é que, no Brasil, espaços de venda de mídias físicas são cada vez mais raros. No exterior são bem mais comuns e os CDs e vinis ainda resistem bem. Aqui no Brasil tornou-se coisa de apaixonado e as pequenas lojas que sobrevivem são quase confrarias ou clubes sociais onde donos e clientes se dividem entre o garimpo nas prateleiras e longas conversas sobre títulos raros e histórias sobre a gravação deste ou daquele álbum. Outro motivo de surpresa é o fato de encontrar tal loja em uma cidade de interior, razoavelmente longe dos grandes centros. Finalmente, a surpresa maior é o acervo em si, por conta de seu tamanho e qualidade.

Infelizmente, eu tinha pouco tempo para vasculhar as estantes, pois ainda tinha uma viagem longa pela frente. Porém, numa visita rápida de pouco mais de meia hora foi possível ver que a loja tinha uma variedade enorme não só de títulos, mas também de estilos, indo de clássicos de MPB e rock até os artistas contemporâneos do sertanejo universitário. Eu fiquei muito impressionado com o que vi, mas vale destacar que uma parte grande das prateleiras estava bloqueada para fins de inventário, de modo que não pude ver tudo. Ainda assim, fiquei impressionado com a disponibilidade de caixas especiais comemorativas, como as gravações dos Beatles em mono ou as discografias de artistas, como Gilberto Gil, Roberto Carlos e Elis Regina. Para não sair de mão vazia, levei o CD da edição especial dos 50 anos do Sergeant Pepper’s dos Beatles e um ao vivo do Bob Dylan. Mas a vontade era ficar por mais algumas horas para explorar melhor, o que ainda farei e que certamente causará um estrago no saldo bancário.

Você, leitor, pode me perguntar se ainda faz sentido comprar mídia física quando temos o streaming ao alcance do celular. Essa é uma discussão que já levantei nessa coluna e pretendo retornar. Porém, adianto que o streaming carrega uma série de problemas, como a indisponibilidade de títulos e o modelo predatório de remuneração aos artistas. Enquanto isso, há quem goste de ter o contato físico com o disco ou poder apreciar as artes das capas e eu sou um deles. Espero poder sempre ter acesso a lojas como essa que conheci. Longa vida ao CD e ao vinil!

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