Músico erudito resende-costense na pátria de Beethoven

O trombonista Orlando Belo vive há três anos na Alemanha, onde concluiu mestrado na Universidade Folkwang


André Eustáquio


O trombonista Orlando Belo e sua namorada, a pianista alemã Carolin Schulte-Ebbert (Foto André Eustáquio)

Aos 15 anos de idade, Orlando Francisco Belo Júnior, o Juninho da Fátima, começou a assistir a alguns concertos de música clássica pela TV. Sua mãe, Fátima do Rosário Silvério Belo, havia comprado uma antena parabólica para a sua casa, o que possibilitou ao filho músico ter contato com canais que transmitem concertos. “Eu chegava em casa tarde, ligava a televisão e assistia aos concertos pela TV Senado, no programa ‘Quem Tem Medo do Música Clássica?’, apresentado pelo Artur da Távola. Certa vez, estava passando um concerto da Filarmônica de Berlim. Eu disse para mim mesmo: Um dia quero tocar na Filarmônica de Berlim”, conta o trombonista Orlando Belo, praktkant pela Dortmunder Philharmoniker Orchester, da Alemanha.

Em visita neste mês à sua cidade natal, Juninho conversou com o JL sobre a sua carreira. Atualmente, ele mora em Essen, cidade alemã localizada na Renânia do Norte-Vestfália, oitava maior cidade da Alemanha, com população de 582.659 habitantes. Juninho iniciou-se na música ainda criança, com apenas 9 anos. “Minha mãe sempre cantou no Coral Mater Dei, daqui de Resende Costa. Ela sempre gostou muito de música, então para ela era muito importante a gente aprender também”, diz Juninho. Ele se lembra como foi o seu primeiro contato com uma partitura, através da saudosa maestrina do Mater Dei, Maria Aleluia Chaves Mendonça. “Todo mundo que entrava no Coral aprendia um pouco de música com a Aleluia. Ela ensinava a pronunciar o latim e também a seguir a partitura. Comigo foi assim também. Ela começou a me ensinar, aos 9 anos, a ler em clave de Fá, para tocar os motetos da Semana Santa.”

Mas aos 9 anos de idade, o menino Orlando Belo não estava dando muita bola para a música. O que ele queria mesmo era se encontrar com os amigos e jogar futebol. “Eu parei porque achava aquilo muito chato. Minha mãe tentava me incentivar, mas eu só pensava em dormir nas casas dos meus amigos e jogar bola, como toda criança. Eu não estava muito interessado.” Mas Fátima não desistiu da sua intuição. Sim, parece que foi mesmo a infalível intuição de mãe. Quando o Mauro André assumiu a regência da Banda de Música Santa Cecília, Fátima Belo não titubeou e matriculou o filho na turma de música do maestro Mauro. Detalhe: o Juninho não sabia. “Minha mãe me matriculou escondido, pois ela sabia que se me perguntasse eu não iria querer. Ela me disse: ‘Olha, vamos tentar, se você realmente não quiser, a gente vê outra coisa’ (risos)”, lembra Juninho.

Mais uma vez a intuição da Fátima estava certa. Surgia ali um grande e promissor talento da música. Era chegada a hora de escolher qual instrumento tocar. “Eu já havia estudado partitura com a Aleluia, então sabia algumas coisas. O Jorge (Santos, então membro da diretoria da banda) me disse: ‘Seu tio João (Tomás Silvério, ex-maestro da banda) tocava bombardino muito bem. Você vai tocar também’”. Foi então que Juninho escolheu o bombardino para ser seu instrumento na Banda Santa Cecília. Devido às aulas com a Aleluia, ele rapidamente se tornou um dos melhores alunos da turma do professor Mauro André.

 

Do Conservatório de São João para a escola de música da UFMG

Não tardou para que o maestro Mauro percebesse o talento do jovem do bombardino. O convite para estudar música no Conservatório Estadual Padre José Maria Xavier, em São João del-Rei, deixou Juninho, com apenas 14 anos, entusiasmado. “O Mauro percebeu que eu tinha interesse e me convidou, juntamente com outros que também se interessavam em se desenvolver, para estudar no Conservatório de São João.” Mas havia um problema: era necessário ir a São João del-Rei três vezes na semana. “Eu não tinha pensado nisso. Minha mãe, que sempre foi muito coruja, ia deixar que eu, com 14 anos, fosse à noite estudar em São João (risos)?”, lembra Juninho.

Fátima não pôs dificuldades na decisão do filho. Além de apoiá-lo, pagou as passagens. Juninho matriculou-se na turma de bombardino do Conservatório Padre José Maria Xavier e o gosto pelo instrumento só foi aumentando. “Eu gostava de tocar bombardino, especialmente pelos solos das marchas fúnebres executadas na Semana Santa de Resende Costa. Sempre gostei de ser solista”, revela o músico. Juninho não admirava somente o repertório sacro de sua cidade natal. O profano também lhe interessava. “Eu sempre gostei de carnaval e queria tocar nos blocos, mas para tocar as marchinhas tinha que ser trombone. Foi então que comecei.”

Quando Juninho estava prestes a terminar o ensino médio em Resende Costa, ele não tinha dúvidas sobre qual carreira gostaria de seguir. “Eu queria estudar trombone na UFMG.” Mas o único contato que ele tinha com o instrumento era tocando marchinhas carnavalescas nos blocos do pré-carnaval de Resende Costa. Isso não era problema para quem tinha aprendido teoria musical e bombardino praticamente sozinho. “Eu peguei um trombone emprestado da banda e em casa fui aprendendo sozinho as escalas.” O ouvido absoluto o ajudou a aprender rápido. No vestibular de música da UFMG, Juninho tocou de cor todas as peças exigidas e alcançou nota máxima.

Durante o curso de música em Belo Horizonte, Juninho estabeleceu diversos contatos com o meio musical da capital mineira e estava convicto de que desejava ser músico de orquestra. Entre outras atividades, já atuando como músico instrumentista, ele integrou por diversas vezes o naipe de metais da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, trabalhando com os maestros Marcelo Ramos e Roberto Tibiriçá.

 

Cruzando o Atlântico rumo à pátria de Beethoven

Chegando ao final do curso, Juninho percebeu as dificuldades de trabalhar com música erudita no Brasil e decidiu que o melhor, naquele momento, seria estudar fora do país. “No final do quarto ano, eu fiz a prova da academia da OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) e passei para a segunda fase, mas não fui escolhido. Aí decidi ir para fora do Brasil porque aqui estava difícil”, conta ele. Juninho participou de diversos festivais de música erudita no Brasil e, em um deles, conheceu o primeiro trombone solista da Orquestra Real do Concertgebouw, de Amsterdã, Holanda, considerada uma das melhores orquestras do mundo. “Falei pra ele: quero estudar com você, como faço? Ele me disse: ‘Você toca bem, mas tem que ir pra Holanda. Lá o nível pra passar na prova é bastante alto, tem muita gente talentosa como você, então depende de como você vai estar no dia.’”

Juninho desistiu da Holanda e optou por tentar fazer seu sonhado intercâmbio na Alemanha. “Na Alemanha existem mais conservatórios”, disse ele. Após enviar diversos vídeos mostrando sua performance, Juninho foi aceito na Universidade de Artes Folkwang, uma das principais universidades de música, teatro, dança, design e estudos acadêmicos da Alemanha.  

Em janeiro de 2015, ele desembarcou em Essen sem saber uma palavra em alemão. “Mas eu já falava inglês, então consegui fazer tudo na Alemanha falando inglês.” As aulas em Essen começaram em abril; portanto, de janeiro a abril Juninho fez um curso intensivo de alemão. “A Universidade Folkwang oferece curso gratuito de alemão para todos os estrangeiros, por isso eu fui pra lá. Estudei alemão de segunda a sexta-feira, seis horas por dia.” Em três meses ele já conseguia entender o idioma alemão e, em seis meses, já se expressava fluentemente.  

No fim do intercâmbio, Juninho voltou para a UFMG a fim de concluir a graduação, mas com uma vaga garantida no mestrado na Alemanha. “Eu tinha interesse em fazer a prova de mestrado e consegui passar antes mesmo de concluir o curso na UFMG.  Fiz as disciplinas em alemão”, diz.

Juninho concluiu o mestrado em Folkwang e continua morando em Essen, onde conheceu sua namorada, a pianista alemã Carolin Schulte-Ebbert. Atualmente, ele é praktikant (acadêmico) pela Dortmunder Philharmoniker, uma das melhores orquestras da Alemanha. “Eu tenho um contrato até março do ano que vem, podendo ser prorrogado. Nesse programa, eu recebo instruções, pagamento, toco na orquestra e tenho um cargo de trombonista”, explica o músico que, aos 27 anos, planeja o futuro morando definitivamente na Alemanha. “Fiz mestrado em performance e agora quero fazer outro mestrado em orquestra. Vou ter oportunidade de estudar master class com trombonistas do mundo inteiro, fazer audições e tentar encontrar um emprego fixo na Alemanha. Pretendo procurar vaga em algum lugar onde eu me sinta bem. O Brasil seria um sonho, mas viver como músico erudito aqui é muito complicado. Porém, se eu tiver um emprego na Alemanha, ficará mais fácil viajar entre os dois países.”

A persistência da mãe, as aulas de música da Aleluia, o olhar clínico do maestro Mauro fizeram desabrochar um talento da música erudita. O resende-costense Orlando Francisco Belo Júnior, que um dia sonhou tocar na Filarmônica de Berlim, vive hoje na pátria de Beethoven e tem talento e conhecimento de sobra para ingressar nas melhores orquestras do mundo. Porém, o menino que tocou bombardino na Banda de Música Santa Cecília e no Coro e Orquestra Mater Dei não se esquece das suas raízes. “Sempre deixo claro que sou brasileiro, sou latino e que aqui tem muita coisa boa. Toquei música brasileira a minha vida inteira e eu amo isso”, conclui Juninho.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário