Sou otimista
25 de Setembro de 2024, por João Bosco Teixeira 0
Não sou capaz de dizer se as pessoas que me ajudaram a crescer estavam tomadas de otimismo ou de pessimismo. Seja no ambiente familiar, seja naquele seminarístico, a presença do sentimento de culpa, motivado pela noção de pecado, era muito marcante. Por outro lado, em ambos os ambientes, a alegria era grandemente cultivada pela presença da arte teatral, da música, dos folguedos, e de um insistente clima de alegria. No seminário, cultivava-se a proclamação de São João Bosco: “Aqui fazemos consistir a santidade em estarmos sempre alegres”. Não sei, entretanto, dizer o que mais marcou minha vida, no período de formação: se uma visão otimista ou pessimista da vida.
Adulto, busquei pautar minha vida de educador por decidida opção pelo otimismo, nada confundível com imbecilidade e irresponsabilidade. Entendo que não havia alternativa. Como trabalhar no processo de educação sem uma visão de esperança, alimentada, diuturnamente, pela alegria, pela crença na possibilidade de superação das adversidades, naturais e menos naturais, que cada um, que se propõe a viver, deve enfrentar? Como viver destituído de coragem e fortaleza face aos “encontrões” da existência, face às “faltas e erros” de que todos padecemos, face aos desafios, nem sempre naturais e de toda ordem, face às mais diversificadas carências que nossa própria existência nos impõe? “Viver é perigoso”. Sei e sempre soube disso. Mas viver sem otimismo, expresso na alegria das artes e de outras manifestações criativas, é uma morte anunciada. Mesmo no campo da espiritualidade: a fé mais sincera pode brotar da dúvida mais dolorosa. Dúvida, entretanto, nascida de uma irresistível vontade de viver.
Na vida, já adiantada na oitava década, não fiz outra coisa senão lidar com o processo educativo. Em primeiro lugar, como discente consciente do processo natural de formação que me foi oferecido num tempo e espaço determinados, por meus pais e toda uma constelação familiar, e pelo ambiente de seminário, com superiores e colegas, mais e menos empenhados no desafiante viver. Em segundo lugar, como protagonista na ajuda do crescimento de tantas pessoas, das mais variadas idades, dado que o desafio de viver e, por conseguinte, de se educar, só termina com a morte. Numa e noutra circunstância, sempre otimista, enfrentando, com otimismo, as situações que se apresentavam e as opções oferecidas.
Sinto-me pessoa privilegiadíssima por lidar na seara da educação. Não são poucos, entretanto, os interlocutores que de mim indagam: vive ainda com otimismo, nesse mundo doido, virado de cabeça para baixo, em que os valores são diferentes de antanho, em que mais se têm motivos para lágrimas de tristeza que de alegria?
É muito fácil dizer que “sim”, continuo otimista, mesmo porque já não sou chamado a responder, responsavelmente, por quase nada na vida. Mas não é esse o motivo. É que a rica travessia de minha vida garante-me que enigmas podem ser esclarecidos, caducidade pode vir a ser realidade e o tempo, numa experiência ainda que mínima, pode anunciar a eternidade.
Nem tudo são flores. Tenho vivido a pior experiência de minha vida, como cidadão educador: aquela da ditadura do judiciário. Quando as pessoas não têm “com quem contar”, resta-lhes pouco para sorrir. Mas essa não será uma situação eterna. Nem eternos são seus protagonistas.
A presença de covardes não me amedronta. Saber que passarão, me estimula. E outros dias virão favoráveis ao otimismo.
“Me alegrei de estrelas”
30 de Agosto de 2024, por João Bosco Teixeira 0
Vivi dias de intensa alegria. Alegria gorda tão grande que, em tudo, via poesia e arte. Em tudo compreendia, cada vez mais, que o corpo não é algo que eu tenho, mas algo que eu sou, tal a maravilha em que se transformava nos muitos, ricos, diversificados exercícios propostos pela variedade de esportes praticados. Que elasticidade! Que possibilidades! Que sobejas manifestações de controle por uma mente forte, vibrante, destemida! Ó maravilhosa natureza! Ó cérebro, sem limites, nos seus desafios!
Foram dias e noites que se entupiram emendados, a gente tendo perdido a certeza dos horários, tal a plenitude dos eventos. As noites eram de grande demora, quando com um olho só se ia dormir, e se acordava com o propor da aurora, para não perder nada dos espetáculos que pessoas muitas a muitas atividades se dedicavam, com toda a expectativa de sempre maiores vitórias sobre si mesmas. Quantas vezes a manhã, feita brancura, fui ver no madrugar. E para quantos as madrugadas eram de festa. Eu olhava o ilustre do céu que engrandecia a vida, mesmo quando o dia grandioso se deixava tomar por leves pingos d’água que pareciam se entristecer em meus olhos. Eu sentia, entretanto, que o dia seguinte seria outro dia com a mesma torre Eiffel, com o mesmo Louvre e belezas soltas pelo espaço.
As olimpíadas também retrataram a vida. Enquanto uns vertiam lágrimas, de choro ou não, de alegria ou não, outros vendiam lenços para que nada se perdesse, para que a vida não se esgotasse em momentos isolados, ainda que grandes. Contemplei, quase extasiado, a verdade de que o medo de perder não pode superar o desejo de ganhar.
Emocionei-me. A competidora de judô sentiu-se injustiçada pela arbitragem. Perdida a luta, contemplou a brasileira vencedora, no chão, em prantos. Correu até ela e, por longo tempo, aconchegou-a consoladora.
Emocionei-me. A ginasta brasileira derrotou o maior mito da história na categoria. Esta, com a medalha de prata, e a colega com aquela de bronze, lindamente reverenciaram a medalhista de ouro. E em efusão se orgulharam da cor de suas peles, idêntica nas três.
Emocionei-me. No ataque, a jogadora adversária no handebol chocou-se com a defensora brasileira que, tendo visto com que dificuldade sairia de campo, correu até ela, tomou-a nos braços e entregou-a aos cuidados de seus dirigentes.
Não consegui assistir à disputa da seleção feminina de vôlei. Queria tanto a vitória daquelas moças, qual prêmio pela opção do grande técnico e recompensa pela dedicação das atletas. Não assisti. Estou envelhecendo. Grandes emoções julgo melhor evitar.
Vibrei muito com a vitória da dupla brasileira no vôlei de areia. Contemplava Duda e via que ela era quase a paz. Para Ana Cristina olhei, o tanto, o tanto. De que força mental as meninas estiveram tomadas!
Perdoem-me as espanholas do futebol, mas rir antes da hora engasga.
Houve um que outro momento em que apertou em mim certa tristeza, mas na contemplação dos esportes, embelezados pela deslumbrante Paris, “me alegrei de estrelas” (GR).
Questões singelas, umas; complexas, outras
31 de Julho de 2024, por João Bosco Teixeira 0
Há, em nossas vidas, questões singelas, umas; complexas, outras.
Entre as singelas, isto é, que se deslindam sem muito esforço, esta: ministro do Supremo Tribunal Federal que se orgulha de ser comunista. Nada mais simples. Ele tem invejável aposentadoria e não menos invejável plano de saúde. Direitos adquiridos no seu fugaz tempo de senador. É muito cômodo se dizer convicto comunista nessa situação.
Outro exemplo: os plenos e absolutos poderes que os ministros do STF se concederam. Eles criaram, formaram e forjaram a convicção de que lhes cabe uma MISSÃO MESSIÂNICA. Se assim é, nada de LEI, nada de CONSTITUIÇÃO. Eles são uma e outra coisa. A messianidade, de que estão imbuídos, os isenta de qualquer vínculo que não tenha neles sua origem, neles o entendimento dos fatos, com eles e por eles a definição de qualquer matéria. Pelo que se orgulham de serem o baluarte e a salvação da democracia no país. Mera observação: nenhum deles foi eleito pelo povo.
Existem, no entanto, situações muito complexas. A primeira delas: a temática relativa ao aborto. Que tema difícil! Quantas ponderações sérias e discutíveis, ao mesmo tempo: a mulher é senhora de seu corpo; a gravidez indesejada prejudica a relação educativa mãe/prole; a vida precisa ser respeitada desde sua concepção; ter ou não ter filho hoje em dia; basta de homens legislando direito das mulheres etc. Temática séria, passível de muita discussão, sem nenhuma garantia da obtenção de unanimidade na consideração do problema. Minha opinião, discutível, controversa: onde houver vida, ela deve ser preservada.
Outro tema complexo: o processo do ensino no Brasil, bombardeado por todos os lados. Apenas algumas considerações. Ponto nevrálgico da questão está, também, na metodologia do ensino e do aprendizado. Assunto que envolve toda a escola e, particularmente, a coordenação de ensino e os professores. Estes, pela situação que enfrentam: além de lhes faltar tantos estímulos, lidam com uma criançada que passa o dia todo se movimentando, numa interação e atividade intensas, em casa ou com os colegas, presencialmente ou não, e são submetidas, na escola, a um regime de aprendizado nada compatível com a vida que levam. Não dá para exigir de tais crianças que fiquem, na sala de aula, em silêncio durante trinta, quarenta minutos, “ouvindo” um professor falar. Silêncio que não significa disciplina. Ouvir que não com é condição indispensável de aprendizado. Carece-se de metodologias em que os alunos sejam, realmente, protagonistas de seu aprendizado. Metodologias com as quais os meninos possam interagir, discutir, falar, brincar. As coordenações de ensino lidam com descabidas exigências curriculares, seja na sua organização, seja nas propostas de conteúdo, imensas, inconciliáveis com os tempos escolares. Sempre a meu aviso: objetivo do ensino fundamental, do ponto de vista do ensino, é aquele de a criança, ao final do nono ano, ser capaz de ler (interpretar, criticar, induzir, deduzir, criar, expressar o próprio pensamento, verbalmente ou não...) e trabalhar com as quatro operações. Com as atuais orientações curriculares, parece-me impossível a conquista de tal objetivo.
Questões singelas, desprezíveis e revoltantes.
Questões complexas, relevantes e desafiadoras.
Saber de que se necessita
26 de Junho de 2024, por João Bosco Teixeira 0
A vida anda muito doida. O mundo virou de cabeça pra baixo. Nossa, tem jeito mais não. Tá tudo tão confuso. Não sei onde a gente vai parar. A gente não sabe mais em que e em quem acreditar. Tá até faltando gente pra conversar. É só tela, telinha e telão. Cruz credo.
Essas, e expressões similares, têm constituído um incansável estribilho das conversas corriqueiras de tanta gente. Conversas que expressam sentimentos muito comuns, e verdadeiros, das pessoas em seus aspectos relacionais, pessoais e institucionais. São falas, por isso, que independem de escolhas pessoais: são expressões do senso comum. São falas de pessoas induzidas por circunstâncias que lhes imprimem fragilidades, exclusões, carências de todo tipo e das quais, não só não conseguem se libertar, como lhes condicionam comportamentos, atitudes e até crenças.
Não fico insensível face a tão significativas manifestações. Longe de mim, por isso, imprimir a elas um caráter pejorativo e condenatório. Nada disso. Até mesmo porque, na maioria das vezes, são falas de pessoas já com algumas dezenas de vida, que podem estar experimentando novidades agressivas, contraditórias com a experiência que foram acumulando nos dias.
Não sou insensível à manifestação de tais comportamentos e por isso não fujo de uma reflexão sobre a matéria, principalmente se indagado e, mais ainda, se procurado como psicólogo clínico.
Entre outras, tenho uma particular convicção: toda vez que se encontra uma contradição, um desconforto qualquer na vida, é muito oportuno verificar quais as premissas causadoras da situação. E isso em matérias simples e mesmo nas complexas. Um exemplo singelo: a contradição ou ambivalência que uma pessoa pode experimentar na compra de um vestido: este ou aquele? Se ela não esclarecer qual a finalidade do vestido, a dúvida não se desfará; é preciso ter clareza sobre a qual necessidade o vestido novo atenderá. Um exemplo, em matéria mais complexa: a reforma fiscal pela qual está passando o país. Quanta discussão, quantas opiniões díspares, quanta confusão. Ora, sabe-se que os tributos existem para, pelo menos, duas ações: a manutenção do Estado e os investimentos. Pois bem: se não se define o tamanho do Estado que se quer (dez, vinte, trinta ministérios...), não há como fazer uma reforma fiscal que garanta os recursos necessários para a sua manutenção. Ou não é assim? Então: a definição das premissas é exigência indispensável para a eliminação da dúvida, da contradição, da ambivalência.
Por isso, interrogado por pessoas com falas, quais as acima citadas, costumo sugerir: quem sabe você está vendo a vida assim porque julga ser dono da verdade, porque julga saber o que é ou não é bom, o que se pode ou não fazer; quem sabe não será porque você considera seu tempo melhor que o de hoje; ou será porque você tem dificuldade para mudar de ideia; ou será porque você não consegue ser bastante livre para se comportar de maneira diversa daquela na qual cresceu? Enfim, as premissas de nossos comportamentos (julgar-se dono da verdade, julgar uns tempos melhores que outros, não ser capaz de trocar de ideia, não se sentir livre para mudar costumes e comportamentos, julgar-se mais maduro que outros, mais informado, mais inteligente...), as premissas, digo, condicionam, modelam nosso comportamento e são responsáveis por muitas insatisfações, desconfortos que se apresentam na vida. Nosso comportamento tem sempre uma premissa, conhecida ou não, aceita ou não.
Ter clareza sobre o de que se necessita é garantir uma vida mais simples, e até mais feliz, porque resultado de ações livres.
Três momentos de nossa história
21 de Maio de 2024, por João Bosco Teixeira 0
- “Permanente como as grandes endemias que devastam a humanidade, universal como o vício, furtivo como o crime, solapador no seu contágio como as invasões purulentas, corruptor de todos os estímulos morais, como o álcool, ele zomba da decência, das leis e da polícia, abarca no domínio de suas emanações a sociedade inteira, nivela sob a sua deprimente igualdade todas as classes, mergulha na sua promiscuidade indiferente até os mais baixos volutabros do lixo social, alcança no requinte das suas seduções as alturas mais aristocráticas da inteligência, da riqueza, da autoridade e dos destroços das longas madrugadas do Cassino”. (Rui Barbosa)
- “O serviço público será sempre um serviço mau e caríssimo, além de redundar na criação de um viveiro de empregados sem os requisitos necessários para o bom desempenho de suas funções, pelo menos em véspera de eleições. Aí serão colocados todos os companheiros que, não podendo vencer na vida e se equilibrar em determinada profissão, recorrerão a esse meio”. Gaspar Saldanha, deputado estadual do Partido Federalista Gaúcho em 22 de novembro de 1919.
- O Brasil já não possui CONSTITUIÇÃO. O que há são Onze Constituições ambulantes no país, uma em Nova York, outra em Londres e por aí. (Aldo Rebelo)
- Aos brasileiros não convém saber por onde, com quem, para que autoridades servem-se dos aviões da Força Aérea Brasileira ao se locomoverem, pois O TCU autoriza sigilo de autoridades em voos de avião da FAB.
- Os desgastes entre os Três Poderes ganharam novo capítulo após o ministro Cristiano Zanim atender a um pedido do Governo Lula e suspender trechos da lei que prorrogou a desoneração da folha de empresas e prefeituras.
Como não viver hoje uma lembrança? Como não ver na lembrança uma denúncia? Como não entender essa denúncia face a uma realidade tão desconfortável? Assalta-me uma certeza: não nos podemos deixar mais levar pela razão. Não, já não há lugar para ela em nossos dias político-judiciários. A razão nos foi roubada. A razão está envolta em sangue. Já não lhe sobram espaços. Onde ela devia imperar, a garantir vida segura para todos, implantou-se supremo poder judiciário, incontestável, garantidor de que o crime compensa, de que nenhum sofrimento seja capaz de sensibilizá-lo, de que seus membros têm, na ironia, a máxima manifestação de seu comportamento ético.
Já nenhum motivo existe para que os humanos se sintam seres pensantes. Pensar tornou-se um risco de lesa majestade, embora majestade não haja, de direito, em nenhum daqueles que se conferiram poderes eliminadores da Constituição. Os brasileiros fomos reduzidos a espécies menores da natureza, aquelas sem qualquer vestígio de razão. O homem, entre nós, está nu. A razão nos foi desqualificada. Ao corpo amordaçado, resta-lhe apenas um coração partido pela vergonha. Restam-lhe as emoções, ainda assim, com enormes restrições, ainda assim, com olhos embebidos de ódio a nos contemplar, ameaçadores”. Discurso em 21 de abril de 2024, na celebração emblemática do mártir Tiradentes.