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ROTA LISBOA: o mundo que (não) queremos

07 de Junho de 2025, por José Venâncio de Resende

Monumento contra a guerra, no centro de Viena.

Pouco antes de assistir, em 1º de junho (domingo), no Teatro Ópera de Viena, à ópera Tannhäuser (O Concurso de Canto de Wartburg), de Richard Wagner - que trata da redenção pelo amor -, ainda no hotel vi pela televisão (CNN Portugal) a notícia do ataque ucraniano de grandes proporções, com drones, a bombardeiros militares russos, na operação denominada Teia de Aranha. Logo em seguida, presenciei um comentário por analistas militares de uma crueza perturbadora: a Europa, liderada por Reino Unido e Alemanha, está-se rearmando para enfrentar o “novo inimigo”, a Rússia, numa provável terceira guerra mundial. E o mais assustador, os planos de investimentos em defesa da Alemanha equivalem aos dos anos 1930 (entre as duas guerras), quando Hitler (antigo inimigo do mundo) aparecia em cena.

A Europa, fruto da invasão russa da Ucrânia e da pressão de Donald Trump, começa a se libertar do guarda-chuva dos Estados Unidos, que foram decisivos nas duas guerras mundiais. Acontecem duas mudanças fundamentais: os EUA querem que os países da OTAN/NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) invistam até 5% em defesa (armamento modernos, treinamento de pessoal, aumento do contingente militar etc.);  e a Europa já percebeu que a vitória da Rússia na Ucrânia é uma ameaça real ao seu território, principalmente os países dos balcãs e os chamados “Nove de Bucareste” (Bulgária, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Roménia e Eslováquia), mas não apenas eles.

Em Viena…

No fim de semana estendido que passei por Viena, observava o cotidiano da população e dos turistas numa cidade que viveu o auge do grande Império Austro-húngaro e que sofreu com duas guerras mundiais. E observando aquele movimento eu pensava: como é bom ter paz para trabalhar e descansar e para se manifestar e se divertir livremente numa cidade fascinante como aquela. Não por acaso, escolhi a dedo monumentos e lugares a visitar e a fotografar, dada a escassez de tempo.

A começar pela pujança da herança do antigo Império Austro-Húngaro cujo legado - a suntuosidade dos palácios, a impressionante infraestrutura, os simpáticos edifícios de habitacionais sociais, os extensos e belos parques, os inúmeros museus etc. - exigiria semanas, mesmo meses para uma imersão na sua totalidade.

O simbolismo de Viena é evidente: foi a grande capital do Império Austro-Húngaro, que terminou ao fim da Primeira Guerra Mundial (deflagrada em 1914 a partir do atentado contra o príncipe herdeiro Francisco Ferdinando), depois de ter enfrentado inúmeras guerras e conflitos ao longo da sua história, como a Guerra Austro-Prussiana, as Guerras Balcânicas e diversas guerras envolvendo diferentes povos dentro do vasto território governado pela dinastia dos Habsburgo.

Um desses símbolos é o palácio residencial do imperador Francisco I (dezembro de 1848 até sua morte em 1916) e centro do poder da família imperial Habsburgo durante cerca de sete séculos. Este grandioso palácio, o maior da capital austríaca, é usado hoje como sede de várias instituições culturais e da presidência federal da Áustria. Francisco, também rei da Hungria, Croácia e Boêmia, foi substituído pelo seu filho mais velho, Fernando.

Na praça em frente ao palácio, está a estátua de Maria Teresa Áustria, a única mulher que governou o império austro-húngaro (entre 1740 e 1780). Para além da resistência que enfrentou por ser mulher, a herdeira do imperador Carlos VI teve como uma de suas marcas o investimento na educação e no conhecimento em todas as classes sociais, mesmo que tenha governado de forma autocrática.

Destaque ainda para os belíssimos edifícios do Parlamento austríaco, que originalmente abrigou o antigo parlamento do Império Austro-Húngaro, e do antigo palácio (Rathaus), atual sede da prefeitura e do conselho municipal da cidade, além de abrigar o governo e a Assembleia do Estado de Viena. Outra atração imperdível é o Palácio de Hofburg onde está instalado o Museu Sisi (este era o apelido da imperatriz consorte Elisabeth, casada com o imperador Francisco José I). O palácio, atualmente, é um centro cultural que, para além do museu, inclui os apartamentos imperiais.

A Catedral de Santo Estêvão (século XII); a Igreja Votiva do final do século XIX (que tem o altar da Virgem de Guadalupe, em homenagem ao México); o famoso Café Central (inaugurado em 1860 e antigo ponto de encontro de intelectuais); o Museu Sigmund Freud (antigos residência e consultório do fundador da psicanálise) e o monumento contra a guerra são outras referências importantes. Afinal, a catedral foi reconstruída depois danificada durante a Segunda Guerra Mundial; a intolerância contra os imigrantes é crescente inclusive na Europa; turistas em massa invadiram o café que outrora recebia durante horas, em troca do consumo de uma xícara, escritores, poetas e outros intelectuais que ali sentavam para ler os jornais do dia; a perseguição nazista implacável contra os judeus não perdoou nem Freud que foi obrigado a se refugiar em Londres; e o fantasma da terceira guerra mundial está sempre presente na Europa.

Uma última referência é para o sistema de habitação social de Viena, idealizado depois da Primeira Guerra Mundial pelo Partido Social Democrata que ficou vários anos no poder. A prefeitura municipal, proprietária e gestora dessas habitações, investe até hoje nesse programa que proporciona apartamentos sociais a preços acessíveis e de qualidade a cerca de um milhão de pessoas, metade da população.  

Nova realidade

Vivemos nas últimas duas décadas uma grande mudança, que é o surgimento de uma “direita iliberal” que, parece, veio para ficar, segundo o professor e pesquisador universitário João Ferreira Dias, em artigo na CNN Portugal. “Sobre os escombros da crise de 2008 e da falência da globalização, ergueram-se os iliberalismos, não todos iguais, mas todos a partilhar uma visão que separa a democracia dos princípios liberais, seja a separação de poderes, a representatividade parlamentar, ou as garantias para minorias. Mas nenhuma ideia parece tão essencial como o pânico migratório.”

Mas nota-se uma linha tênue que separa o nascente iliberalismo (apelo ao populismo, às “baixas paixões” de operários ressentidos pela perda de empregos na indústria manufatureira, aposentados desiludidos por pensões insuficientes, jovens desesperançados etc. por “culpa” da globalização da economia e da imigração e à adesão a um partido ou movimento político radical) e o velho autoritarismo, com algumas características parecidas como concentração de poder, restrições à oposição e à participação popular, limitação das liberdades individuais e democráticas e manipulação das instituições.

De imediato, este fenômeno aponta para nomes conhecidos no cenário internacional, com destaque para o do atual presidente da Rússia, o sr. Vladimir Putin. O dirigente russo aposta na desinformação (e em outros métodos menos sutis), tanto para consumo doméstico quanto além-fronteiras, e assim conseguiu a proeza de transformar a Ucrânia de vítima em agressora, com a conivência de governos como o brasileiro.

Não por acaso, a Rússia é “o inimigo” a ser combatido pela Europa que agora enfrenta um desafio adicional. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaça esvaziar ou abandonar a OTAN/NATO se os seus países-membros não aumentarem brutalmente os investimentos em defesa (no primeiro mandato, Trump falava em 2% do produto interno bruto e, agora, aumentou esta meta para 5% do PIB). O problema é que, para países mais pobres (caso de Portugal), este velho dilema entre “butter and guns” (opção entre investimentos sociais e militares) é muito mais dramático de ser enfrentado. Assim, não restará aos governantes de países de democracias liberais prepararem suas populações para o sacrifício adicional que será exigido a fim de enfrentar tempos difíceis pela frente.

Mas não nos iludamos, meus caros conterrâneos, pois nem nós mesmos sairemos ilesos de eventuais conflitos armados em que a Europa venha a ser envolvida, ainda que um oceano nos separe. 

Veja aqui todas as fotos.

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