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Botando lenha na fogueira

09 de Julho de 2013, por Cláudio Ruas

Chegou de vez o inverno e a friagem. Mesmo com a impressão de que já não se faz mais frio como antigamente, ele está aí. Tem quem não goste de jeito nenhum, mas tem quem adore e sabe tirar bom proveito dele. Na gastronomia então, na minha opinião, ele é super bem-vindo, seja pela possibilidade de beber e comer algo mais aconchegante e calórico (não só no sentido “gordo” da palavra), mas também pela desculpa de se acender um fogão de lenha, uma lareira ou uma fogueira no quintal.

Se o contato com o frio pode ser bem desagradável, a sensação de se aquecer é deliciosa. Um banho quente; um casaco reforçado; um gole de cachaça ou vinho; uma cumbuca de caldo de feijão com pimenta, cebolinha e torresminho por cima e aproximar as mãos do fogo são coisas das mais prazerosas possíveis nos dias frios. Levanta a moral e aquece a alma.

Tudo isso graças aos nossos antepassados que vieram a descobrir a forma de se obter e controlar o fogo. Daí em diante, uma enorme (r)evolução ocorreu na vida do ser humano, que passou a se proteger e se alimentar melhor. Consequentemente, teve um maior desenvolvimento cerebral e de seus neurônios. Explico: alimentos cozidos permitem uma melhor digestão e aproveitamento energético. Dessa forma, além de “alimentar” melhor seu cérebro, o então homo erectus passou a ter mais tempo livre para desenvolver outras atividades e assim acabou evoluindo. Ou seja - puxando um pouco a sardinha para nossa brasa - pode-se dizer que foi a gastronomia a responsável pela evolução dos seres humanos! (apesar de que acho o termo “evolução” às vezes controverso nos dias atuais).

Mas o fato é que as coisas mudaram, sobretudo na cozinha, onde técnicas e equipamentos modernos não param de serem criados e utilizados para preparar alimentos (microondas, thermomix, “sous vide”, nitrogênio líquido). Porém, uma coisa é certa: o bom e velho fogo continua por lá, até no restaurante mais moderno do mundo.  E o mais interessante é que nota-se cada vez mais um movimento contrário a tanta “evolução”. Muitos restaurantes, chefs e cozinheiros em geral têm buscado utilizar o calor da forma mais primitiva e, assim como os consumidores, tendem a valorizar a carne feita na brasa, a pizza assada no forno à lenha e o cozido feito no bom e velho fogão de lenha. Esse último então, para nós mineiros, tem um lugar mais do que especial em nossas vidas e merece um artigo só para ele nessa coluna.

Não se trata de puro saudosismo. Do ponto de vista técnico, esse fogo primitivo pode permitir um resultado diferenciado, seja pelo delicioso sabor da fumaça na carne, ou pelo calor forte e intenso que assa perfeitamente a pizza ou pelo cozimento lento e uniforme do fogão de lenha, que extrai ao máximo os sabores e amaciam os alimentos. E claro, uma pitada de charme e encantamento, talvez explicada pela herança genética dos nossos ancestrais que dependiam e idolatravam tanto o fogo, até no aspecto religioso e místico. Experimente reparar nas pessoas (e em si próprio) ao lado de uma fogueira de noite. Veja como geralmente ficamos vidrados e meio hipnotizados com ela. Isso é muito curioso.

Cada dia que passa sou mais apaixonado pelo fogo. Acendê-lo e controlá-lo é muito mais simples do que muitos imaginam. E conseguir lenha, por incrível que pareça, tem sido até mais fácil atualmente em certos casos, inclusive nas grandes cidades: basta procurar uma construção ou caçamba de entulho que certamente encontrará lenha boa para queimar. Não se esqueça de aproveitar para assar bem no meio da brasa umas cebolas e baroas enroladas no papel alumínio. Depois de cozidas, uma regada de azeite, pitada de sal e pronto. Ficam perfeitas.

Como bem diz o slogan do interessantíssimo e recém-criado “Instituto Atá” (liderado pelo nosso número um da cozinha Alex Atala, com objetivo de aperfeiçoar a relação entre consumidor-produtor-ingrediente-natureza), “o fogo, com arte e ciência, é instrumento de civilização”.

 

(A receita do mês é um aconchegante “creme de angu com bacon e quiabo crocante”: http://casalgastromg.blogspot.com.br/)

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