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Chef x Cozinheiro

15 de Maio de 2014, por Cláudio Ruas

Mesmo com a gastronomia tão em pauta e cada vez mais presente em nossas vidas, a definição de chef e cozinheiro ainda continua gerando confusão com bastante frequência. Até mesmo por parte de muitos profissionais da área, talvez mal influenciados pelo duvidoso glamour dessa profissão linda, porém dura e distante desse charme todo que a tv e as revistas tentam estampar.

Antes de mais nada, vamos tentar definir e separar esses ofícios, fazendo uso mais uma vez das palavras da renomada chef (de verdade) Roberta Sudbrack, que soube bem explicar a questão: “Nós somos cozinheiros! Podemos “estar” chefs de cozinha se estivermos exercendo essa atividade dentro de uma cozinha profissional. Ainda assim, somos cozinheiros.” Portanto, o chef – ou chefe - seria o cozinheiro líder, o comandante e maestro de uma cozinha profissional. Já o cozinheiro seria aquele detentor de conhecimento e prática de cozinha, porém não necessariamente profissional.

Diante da onda gastronômica pela qual nosso país vem surfando, a oferta de cursos tem sido cada vez maior. Muitos deles com publicidade forte e bastante chamativa, com modelos estampando suas impecáveis dólmãs (a roupa tradicional) e com frases do tipo “você quer se tornar um chef?”. A impressão que dá é que basta se matricular no curso – geralmente de salgada mensalidade – e, ao final, se aprovado, você se transforma em um chef de cozinha, apto a adentrar esse mundo glamoroso. Só que não!

Logo de cara, ao procurar um emprego ou estágio, o novo “chef” vai se deparar com um dos grandes problemas da profissão, que é a baixíssima remuneração, às vezes vergonhosa de tão injusta. Logo no primeiro dia de trabalho, aquele glamour que habitava seu imaginário provavelmente descerá pelo ralo da pia suja que ele será obrigado a lavar após uma jornada de doze ou quinze horas de trabalho, em pé, e sob um calor escaldante de 50ºC, típico de uma cozinha profissional a todo vapor. Tudo isso com seu chef (de verdade) berrando suas ordens, já que a tensão do serviço é grande e nada tem a ver com a paz de espírito de se cozinhar em casa para os amigos, de avental limpinho e taça de vinho a tira colo.

Outro caminho seria o de abrir um negócio próprio, o que já esbarra inicialmente nas questões administrativa, financeira, burocrática e, sobretudo, de mão de obra, cada vez mais cara e desqualificada no Brasil. Isso sem contar o nourrau de cozinha necessário, muitas vezes adquirido ao longo de anos de trabalho e estágios, inclusive no exterior. Experiência e “horas de voo” são fundamentais na cozinha e é em função disso que se deve destacar a importância e o valor do(a) cozinheiro(a), seja profissional ou não.

A prática de anos, aliada aos conhecimentos populares e tradições, juntamente com uma pitada de paixão e talento, são ingredientes fundamentais para a formação de um grande cozinheiro, volto a dizer, profissional ou não. Toda tradicional família mineira costuma ter pelo menos um, ou melhor, uma. Na minha tenho bons exemplares, a começar pela minha saudosa vovó paterna Trindade do Góes e a materna Lia, essa última que começou a cozinhar na roça em Moeda oitenta anos atrás, aos dez de idade. É tanto saber – impulsionado pelas dificuldades financeiras enfrentadas – que não cabe em um baú de histórias. Um tipo de conhecimento que infelizmente não se vê utilizado e propagado nas melhores escolas e cozinhas de restaurantes. Daí a necessidade de valorizarmos e aproveitarmos mais essas grandes mestras que ainda temos em nossa volta. (Preste atenção nelas, pergunte, anote, registre em filme ou fotografe!).

 

Atualmente, apesar de ser notória a evolução da capacitação dos inúmeros – e talentosíssimos - chefs de cozinha brasileiros, me preocupo com uma questão crucial na gastronomia, que é o distanciamento do cozinheiro em relação ao ingrediente, à terra e às tradições. Saber lidar com nitrogênio líquido, mas desconhecer a diferença da folha da taioba para a do inhame brabo pode ser perigoso, em todos os sentidos.

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