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Comida festeira

13 de Junho de 2012, por Cláudio Ruas

"Nesta edição especial de aniversário de 100 anos da nossa Resende Costa, a gastronomia não poderia ficar de fora. Mas, para isso, decidi "passar a colher" para uma pessoa muito mais gabaritada pra tratar dessa história, a minha querida Tia Lucinha, a Lucinha do Góes. Além de grande cozinheira e referência para mim, ela é uma enciclopédia viva da cozinha e será sempre muito bem-vinda neste nosso espaço!"

Nossa amada cidade está apagando velinhas – cem! Estivemos conversando sobre os comes e bebes das festas oficiais quando nossa gente não andava pelo mundo vendo as modas como andam hoje. Até as palavras foram trocadas. Não se fala mais em banquete como antigamente. Os almoços de confraternização de hoje acontecem em locais apropriados, com cardápio variado, filmagens, decoração segundo a exigência da data, cerimonial e tudo mais. Como teriam sido os festejos em 1912, quando o Arraial da Lage se tornou cidade?

Com certeza, após os discursos, missa solene e foguetes, aconteceu um lauto banquete para as autoridades presentes. Onde terá sido? Nos meus tempos de criança todos os comes e bebes das festas e recepções aconteciam no Grupo Escolar Assis Resende. Fotos bem mais antigas do que eu, como as da visita a Resende Costa do Presidente do Estado, o doutor Antônio Carlos, podem comprovar o que eu digo. Havia na cidade senhoras conhecedoras das etiquetas em vigor, cozinheiras experts em banquetes e ainda outros especialistas, como o Tio Alfredo, que sempre era encarregado de preparar a estrela da festa, a leitoa! O cardápio não variava muito, mas deveria ter um sabor incrível. Crianças ficavam de fora, mas observavam tudo. E melhor ainda, estavam sempre atentas às conversas dos adultos sobre os sucessos e insucessos do evento.

Voltando ao cardápio, os pratos eram servidos todos bem exibidos, sobre mesas armadas em cavaletes no salão nobre da escola. O vasilhame vinha das casas mais abastadas: travessas, terrinas, compoteiras belíssimas, licoreiras etc. No centro da mesa um quarteto indispensável: macarronada, tutu de feijão, frango frito e a leitoa.  Arroz e farofa eram meros coadjuvantes. Não se falava muito em salada naquele tempo.

O visual da mesa coberta por toalhas brancas, louças elegantes e guardanapos dobrados em forma de pássaro ou flor eram belíssimo! A leitoa, rainha da festa, era bem pururucada e aparecia enfeitada com olhos de azeitona, pãozinho na boca, docemente reclinada num leito de farofa de miúdos cheirando a salsa. Sempre tenho pena delas assim, mas brilhavam tanto e cheiravam tão bem! A farofa era amarelinha, feita de farinha de milho e úmida da gordura do bichinho.

Os franguinhos, esses eram gloriosos! Fritos também, inteiros, dourados e recendendo a pimenta do reino! Todos bem caipiras mesmo, criados com milho, suculentos e saborosos. A macarronada, versão brasileira das massas italianas, nunca faltava nas mesas festivas, seja em recepções ou nas casas. O molho era bem vermelhinho com tomate, cebolas e principalmente a massa de tomate. A iguaria vinha sempre fartamente salpicada de queijo Minas curado, salsa e cebolinha.

O tutu de feijão merece um parágrafo inteirinho só para ele. Feito em banha de porco, farto, brilhante, enfeitado e guarnecido com pedaços generosos de linguiça, molho de tomate e cebola e rodelas de ovos cozidos, parecia palheta de pintor!

Satisfeitos com a comilança, certamente regada a “vinho de mesa”, como se dizia na época em que não havia fartura de refrigerantes nem geladeira para esfriar a cerveja. As travessas mexidas eram rapidamente removidas para dar lugar à sobremesa. Essa sim, era digna de um banquete! Ao lado de um delicioso queijo fresco, a policromia das compoteiras exibia os doces de frutas em calda, doce de coco de colher com gemas bem amarelinhas, doce de leite mole e o insubstituível arroz doce salpicado de canela. Mas, desta vez, a estrela era o pudim. Antes das latas de leite condensado era feito à base de ovos, aos quais se juntava queijo ou coco, e vinha boiando na calda de caramelo.  

E, para aquecer os discursos, antes vinham as licoreiras com seus néctares: licor de leite, de abacaxi, de maracujá, de anis. Essa era realmente a bebida de antigamente, oferecida às visitas, nos nascimentos, casamentos e em toda ocasião festiva, para desespero da criançada que não podia sequer provar.

Me perguntem como soube disso tudo. Em criança, acompanhava minha madrinha, a Sá Donana, requintada dona de casa e hábil organizadora de festas, esposa de um dos nossos ex-prefeitos, o senhor Antonio de Souza Maia Júnior, mais conhecido como Nico de Souza. Mais tarde, como professora, eu era convidada a servir. Aliás, fazia parte das nossas funções de professoras servir à mesa as autoridades civis, militares e religiosas em visita à cidade.

Para o grande público, na festa de 1912, deve ter acontecido mais ou menos o que era comum nas posses dos prefeitos. Dezenas de garrotes eram abatidos e a carne assada em churrasquinhos. Os mais espertos se fartavam, chegavam até a pescar as varetas pelos buracos da garagem da prefeitura antiga. Os menos espertos, depois dos discursos corriam para saciar a fome em casa mesmo. A bebedeira era certa, e para muitos, a festa terminava na cadeia. Mas havia sempre banda de música, foguetes e aquele ar gostoso de festa do interior, com as moças nos seus melhores vestidos e os rapazes as admirando. Eram tempos inocentes do footing na avenida e dos “flertes”. Quanta saudade!

Maria Lúcia Pinto

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