O Brasil tem muita coisa boa, parece um continente cheio de países e comidas diferentes. Mas Minas consegue ter a mais especial. São tantos os argumentos a favor dessa hipótese que eu me sinto até suspeito pra falar. Mas um motivo especial e muito bem ressaltado por Dona Lucinha – ícone da gastronomia mineira – é que “a um só tempo ela assimilou e preservou, de forma muito equilibrada, a influência culinária e cultural das três etnias formadoras do povo brasileiro”. Ou seja, nós somos especiais porque somos a mistura bem feita dos costumes dos índios, negros e portugueses.
Basta um pouco de história pra entender a gastronomia de qualquer lugar, pois ela é um reflexo da sociedade e do que se tem disponível para consumo.
Por aqui, primeiro os índios com mandioca, milho, brotos e frutas do mato, caças etc. Depois vieram os escravos, também acostumados com a sobrevivência na natureza e com grande habilidade em improvisar com o pouco para servir muitos. Ainda trouxeram o quiabo na bagagem e eram mestres com a cana e suas rapaduras e cachaças, símbolo nacional. Por último, os portugueses, aos se deslocarem para o interior em busca do ouro e da necessidade de fiscalizar a colônia. Com eles veio o requinte europeu, o frango, os ovos e quitandas, doces e até a técnica de produção do nosso queijo. Jogando tudo na panela, sai um “frango (do português) com quiabo (do africano) e angu (do índio)”, prato clássico mineiro. Nessa mistura, o alho, a cebola, o sal, o cheiro verde e a pimenta, a base da nossa cozinha.
Uma divisão interessante da comida mineira, ressaltada por Dona Lucinha no seu delicioso livro “História da Cozinha Mineira” (Editora Larousse), é entre a “comida de tropeiro” e a “comida de fazenda”. A primeira, uma comida mais seca, feita pelos tropeiros e bandeirantes que desbravavam o Brasil, improvisando para comer e ao mesmo tempo precisando de “sustança” para aguentar o tranco: farinha, feijão, paçoca de carne, carne seca ou de gordura etc., comidas pra se comer de “capitão” (com a mão), sem sujar talher. Daí o feijão tropeiro, outro clássico do nosso estado e que até entrou em cardápio de estádio de futebol, caso do famoso “Tropeirão do Mineirão”. Já a cozinha da fazenda é molhada, ensopada, decorrente da instalação dos portugueses e do declínio do ouro, com muita verdura da horta (couve, taioba, ora-pro-nobis), angu, porco, leite e derivados, doces, quitandas, licores etc.
Essa é a nossa comida, em alguns casos ainda influenciada pela proximidade de rios e lagos (peixes) e dos estados vizinhos, o que a torna mais rica, deliciosa e base para a cozinha moderna, com grande número de técnicas e ingredientes a serem utilizados de varias formas.
Além do pão-de-queijo, comida mineira é sinônimo de simplicidade e fartura, herança da colonização e do espírito tribal e comunitário vindo dos índios e dos escravos, para os quais a panela (de barro, pedra ou ferro) e o fogão de lenha, até hoje são protagonistas da mais alta importância na nossa cultura. Se o gaúcho constrói uma churrasqueira, o mineiro cada vez mais faz seu fogão de lenha, até na capital e em casa chique. Além disso, mineiro é o que mais se reúne na cozinha e que come a comida típica no dia-a-dia sem abrir mão do franguinho no domingo (e em alguns casos na segunda, no Baú...).
Pra terminar, até o verde-amarelo no prato do mineiro, cheio de couve com angu, é sinal de que a cozinha desse estado é a mais brasileira de todas. Como diz Frei Betto, “Minas é um estado de espírito que se conhece pelo paladar”, e que pode ser mais conhecido ainda quando se observam e se valorizam grandes cozinheiras à nossa volta, pra mim verdadeiras chefs, como a Dona Lucinha do livro e a Dona Lucinha do Góes, minha tia, que é uma enciclopédia viva da cozinha e que já nos presenteou neste jornal com um belo artigo sobre a história gastronômica de Resende Costa.
Como ensinam elas, o primeiro ingrediente mineiro que vai pra panela é o amor...
Então, é ou não é a mais especial do Brasil?
Comida mineira: a mais especial do Brasil
10 de Janeiro de 2012, por Cláudio Ruas