“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto.”
Essa brilhante citação é do aventureiro brasileiro Amyr Klink, que já rodou o mundo de barco e escreveu excelentes livros. O que ele diz é a mais pura verdade: nós precisamos viajar. Nem que seja para a fazenda ao lado. Mas se der pra ir mais longe, melhor ainda. E quando se aprecia a gastronomia, a viagem fica ainda mais interessante e instrutiva, pois a comida é o reflexo do povo e do lugar.
Foi por essas e outras que recentemente realizei um sonho de fazer uma viagem gastronômica para o velho mundo e me sinto na obrigação de compartilhar um pouco do que vi com vocês, em três etapas, uma para cada país visitado: Portugal, França e Itália.
Melhor lugar para começar como Portugal não haveria, já que parte do nosso “DNA” gastronômico é de lá. E para entender melhor da nossa comida é preciso conhecer mais a portuguesa, que não vive só de bacalhau.
É fato que o fantástico bacalhau é muito forte na gastronomia deles (dizem que existe uma receita para cada dia do ano), assim como outros pescados como a sardinha e frutos do mar, pois o país tem uma grande faixa litorânea, do mediterrâneo ao atlântico. Mas a comida do interior, de montanha, também é importante e é nela que enxergamos parte da nossa origem e costumes gastronômicos.
A começar pelo grande consumo da couve, a “dona” da nossa horta, usada não só no “caldo verde” de batata, mas até mesmo com bacalhau e em muitos outros pratos, como em um feijão fradinho com paio que experimentei, muito parecido com o nosso querido tropeiro. O feijão também é presente e nos mostra que a origem da feijoada brasileira não é bem como diz a lenda, que atribui a criação aos escravos. Existe um preparo similar, porém com feijão branco na maioria das vezes, linguiças e miúdos, que por sinal são muito valorizados por lá, assim como em muitos países da Europa, um exemplo a ser seguido. O porco então é a matéria prima utilizada para os magníficos embutidos, muito apreciados e bem feitos, inclusive defumados nos “fumeiros” (defumadores). Há uma grande variedade de enchidos (como a linguiça), caso da “farinheira”, na qual é utilizada farinha de trigo ou de pão no enchimento, e a “negrinha”, espécie de chouriço defumado. Os ensopados e cozidos (com legumes, verduras, carnes, aves e embutidos), são deliciosos e nos remetem à comida molhada da fazenda. Falando em fazenda, lembramos ainda dos doces, da grande utilização de ovos no seu preparo e da forte ligação do nosso queijo minas com um dos queijos mais tradicionais de Portugal, o “Serra da Estrela”. Já falamos dele por aqui, mas não custa lembrar que a nossa técnica de preparo foi inspirada na deles, porém, com a utilização do leite de vaca ao invés do de ovelha.
Com certeza ainda existem muitos outros pontos em comum entre nós, o que me instiga a me aprofundar mais nesse assunto. Por ora, prefiro mencionar as demais maravilhas da riquíssima gastronomia lusitana, como seus azeites e azeitonas espetaculares, pães muito bem feitos, batatas saborosíssimas, confeitaria impecável, vinhos especiais e únicos no mundo e muitas outras coisas. Percebi também que felizmente o país tem sido cada vez mais valorizado e procurado pelos turistas, que antes só tinham olhos – e bocas - para outros cantos europeus.
E o melhor: nada disso está tão distante, difícil e caro como imaginamos. Primeiro, porque sai da nossa capital um voo diário sem escalas com apenas 9 horas de duração até Lisboa, lugar onde muitas coisas custam menos do que no Brasil. Segundo, porque Portugal também está aqui, dentro da gente.
____________________
Aprenda uma deliciosa receita de “salada de feijão branco com couve e bacalhau” no nosso blog: http://casalgastromg.blogspot.com.br/ e não deixe de aproveitar o 15º Festival de Cultura e Gastronomia da nossa vizinha Tiradentes, entre 24/08 e 02/09!
De Portugal à Itália, via Resende Costa
13 de Agosto de 2012, por Cláudio Ruas