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O mineiro e o queijo

11 de Novembro de 2011, por Cláudio Ruas

Esse não é só o nome do recente filme dirigido pelo cineasta mineiro Helvécio Ratton. É uma história de amor, de tradição e até mesmo de sobrevivência. Um não vive sem o outro, o que mostra a importância desse alimento, não só como comida, mas em função de vários outros fatores.

Evidências históricas da sua fabricação datam de aproximadamente 5.000 anos atrás e acredita-se que sua fórmula teria sido descoberta de forma acidental: antigamente utilizavam o estômago de animais como recipiente para armazenar coisas, como o leite. Até que um dia, esse leite coalhou graças às enzimas presentes no estômago, surgindo então essa maravilha do mundo.

Em Minas, o queijo chegou com os portugueses, que trouxeram a técnica utilizada para fazer o tradicional queijo “Serra da Estrela” (também sovado no saco de algodão), que foi adaptada para se usar o leite de vaca, ao invés do de cabra. Nascia o queijo mineiro, que pra ser feito precisa basicamente de um processo simples, mas ao mesmo tempo complexo. Simples, porque basta o leite de vaca ao qual se adiciona o coalho (hoje em dia industrializado, mas que antes era extraído do estômago do tatu ou do porco) o qual faz a separação do soro líquido; um pano pra separar a massa do soro; uma forma e sal grosso por cima. Mas, por outro lado, é bem complexo, porque o que vai determinar a qualidade do queijo - além da habilidade do queijeiro - é o tipo da vaca, da terra e do pasto que ela come, da água que ela bebe, da utilização do pingo (soro do queijo anterior), da maturação adequada e até das bactérias existentes na região. É por essas e outras que aqui em Minas destacam-se os queijos Canastra (da região da Serra da Canastra, no centro-oeste) e do Serro (Vale do Jequitinhonha), assim como o da Serra do Salitre e Araxá (Alto Paranaíba). Nesses lugares a tradição e a qualidade dos queijos é tão forte que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) decidiu “tombá-los”, transformando-os em “patrimônio cultural imaterial”, o que é importantíssimo para valorizar o queijo e resguardar sua forma de elaboração.

Desse jeito, parece que está tudo perfeito por aqui, com um produto de qualidade internacional, símbolo do estado e único no país, adorado e consumido por todos. Mas não está. E o filme-documentário “O mineiro e o queijo” trata direitinho desse problema: de acordo com uma lei federal, o queijo artesanal, feito com leite cru (não pasteurizado), não pode ser comercializado fora do estado antes de atingir longos 60 dias de maturação, o que inviabiliza o negócio. É uma lei ultrapassada da década de 50, infelizmente influenciada pelo espírito capitalista norte-americano que tende a beneficiar o grande produtor em detrimento do pequeno. Ou seja, os queijos mineiros encontrados fora do estado – bem como grande parte dos encontrados por aqui - não são feitos de leite cru e de forma artesanal (prestar atenção no rótulo), mas industrial, perdendo qualidade, tradição e oportunidade de trabalho e renda para o povo do campo. Além disso, normas sanitárias exageradas inviabilizam de vez a produção formal do pequeno produtor, que acaba preferindo a ilegalidade ou então vender o leite para o laticínio, que por sua vez vai acabar fazendo um queijo ruim e caro. E isso infelizmente ocorre no estado inteiro, inclusive em Resende Costa, onde muita gente sabe fazer queijos excelentes, mas muitas vezes esses não saem da suacozinha. Nos supermercados do país se vende queijo do mundo inteiro e de leite cru(!), mas o queijo do “sô fulano de tal”, de verdade, quase não existe mais.

É um assunto muito bem tratado no filme, que traz a opinião de pesquisadores, técnicos e produtores e nos faz despertar para uma questão muito importante. Pena que não vai passar na Globo pra todo mundo ver, mas ainda assim vale uma pesquisa na internet. Patrimônio “nacional” que não pode sair de Minas?

Só me resta encerrar com a frase da queijeira Waldete do Zé Mário da Canastra, com o sotaque mais lindo do Brasil: “Acho que se tirar os queijo de mim eu até adoeço...”

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