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O Velho Chico

14 de Agosto de 2013, por Cláudio Ruas

Ele tem um apelido carinhoso, mas que também guarda um sinal de muito respeito. É velho, desgastado pelo tempo e ainda é muito maltratado. Mas, ao mesmo tempo, é querido, importante e belíssimo até hoje. É o Rio São Francisco, mineiro de nascença e brasileiro de coração. Brota da terra no coração da Serra da Canastra e vai rompendo rumo ao norte mineiro. Passa pela Bahia e sai beirando Pernambuco, mas sem se intimidar com a secura do semiárido, até morrer no oceano Atlântico, entre as divisas de Sergipe e Alagoas. Morrer não. Virar uma parte do mar.

É o maior rio exclusivamente brasileiro e tem uma importância do tamanho dos seus quase 3.000km de extensão. Importância pela vida que ele leva com suas águas em lugares onde essa quase não existe. Importância econômica, social, cultural e, claro, gastronômica. Não só pela variedade e qualidade dos peixes, mas do gado que vive em seu entorno (e suas carnes serenadas e manteigas de garrafa), dos frutos do cerrado e de toda cultura gastronômica que margeia aquelas águas mansas.

Apesar da certa distância, volta e meia parte uma turma de Resende Costa para uma pescaria no São Francisco. E no último mês tive o privilégio de fazer parte mais uma vez de uma comitiva dessas, o que só reforçou meu encanto pelo Velho Chico.  

Parece longe, mas nem tanto. Afinal, ainda estamos dentro do nosso estado e as estradas até lá estão bem razoáveis. Oitocentos quilômetros do Ribeirão Santo Antônio até o Rio São Francisco, no rancho entre a cidade do mesmo nome e Januária. Mas vale a pena demais. Começando pelo pôr do sol incrível que deixa o rio rosa e alaranjado. E depois pela lua cheia prateada, que mesmo espantando peixe ainda é sempre bem vinda. Por último, a sensação de que ali debaixo pode ter surubim, dourado, piau, pacu-caranha...

Pescar é uma atividade pré-histórica e ao mesmo tempo muito atraente até hoje. Pelo lado da gastronomia então, nem se fala. A proximidade que a cozinha deve ter com o ingrediente faz da pescaria um programa pra lá de interessante. E que justifica as distâncias percorridas, as tralhas carregadas e as horas de paciência dentro do barco. Justifica até a falta de peixe de vez em quando, afinal, como já disse o caipira,“pescar já é tão bom e ocê ainda qué que eu pegue peixe?”

A verdadeira aula de limpar e filetar um dourado com o Zé Vicente foi especial. Pescador gente da melhor qualidade, cheio de conhecimentos de beira de rio, mas sofrido pela falta de peixe (e políticas públicas). Os olhos marejando enquanto recebia de nós uma generosa parte da nossa dispensa que havia sobrado comprovam o injusto sofrimento e o esquecimento de pescadores como ele nos dias atuais. Qual o melhor peixe na opinião dele? “Surubim, pacamã e piranha ensopada”. No ensopado que eles costumam fazer, geralmente vai cebola, tomate e pimentão. Se tiver o bom e velho coentro, melhor ainda. O urucum daquelas bandas também costuma ser dos melhores, parecendo até sangue quando diluído no óleo. Mas o surubim na brasa e o ensopado na moqueca, o filé do dourado grelhado na frigideira e o pirão de cabeça de peixe só terão aquele gosto naquele lugar. Do lado do rio, tudo fresco. Saiu de lá já não é a mesma coisa. E é por isso que viagens como essa não têm preço. 

Na volta, parada obrigatória na vizinha Mirabela, terra das melhores carnes de sereno de minas e do Brasil, que tem um açougue ao lado do outro, tal como as lojas de artesanato aqui de Resende Costa. Um verdadeiro ”artesanato das carnes”, cujas mantas ficam penduradas dentro de vitrines com tela, uma mais linda do que a outra.

É muita riqueza para uma região que carece até de água. Antagonismos da vida...

(A receita do mês no blog - que foi preparada à beira do Velho Chico - é uma “moqueca de surubim com pirão de cabeça”: http://casalgastromg.blogspot.com.br/)

 

 

Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes vem aí!

Entre os dias 23 de agosto e 1º de setembro nossa vizinha Tiradentes sediará a 16ª edição do Festival de Cultura e Gastronomia, que é o principal evento do gênero do país. Ótima oportunidade para os resende-costenses desfrutarem dessa deliciosa festa, bem aqui no nosso “quintal”. Aproveitem ainda para fazer um caminho alternativo e muito bacana, passando por Prados e Bichinho. Vale a pena.

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