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Pinga ni mim!

13 de Marco de 2012, por Cláudio Ruas

Pra acompanhar a carne do porco do artigo da edição passada, vou pedir uma pinga. Ou branquinha, curtinha, capistrana, marvada ou cachaça mesmo, termo com o maior número de sinônimos da nossa língua (mais de 2.000!), prova da sua importância em nosso país.
 
E pra quem não sabe como ela é feita, é mais ou menos assim: no método artesanal, o caldo da cana vai ao tanque de fermentação com fermento (feito com fubá). A partir daí, esse “mosto” será transformado pelas leveduras (fungos, que estão no ar) fazendo com que o açúcar vire álcool para então poder ser destilado no alambique - aquela panela linda de cobre, com um pescoço comprido e um chapéu na cabeça – onde será aquecido. Virando vapor, ele sobe e entra em contato com o “chapéu” resfriado (com água por fora) condensando-se e voltando ao estado líquido, pingando através de um caninho (daí o nome “pinga”) transformando-se na tão esperada cachaça. Nessa fase, ela se divide em 3 partes: cabeça, coração e cauda. Para se obter uma melhor qualidade, deve-se aproveitar somente o coração, e não misturar com as duas outras partes, como muitos fazem, para render mais. Depois, ela pode ser envelhecida em tonéis de variados tipos de madeira (carvalho, amburana, jequitibá, bálsamo etc.), nos quais quase sempre adquire cor e gosto ou,  simplesmente, deixá-la descansar para ser servida pura.
 
A cachaça sempre foi considerada bebida de pobre, mas felizmente esse preconceito vem acabando, graças à valorização do produto artesanal e ao aprimoramento da produção, que resultam em bebidas de extrema fineza e qualidade, ao contrário das “51” que existem por aí, “uma má idéia”.
 
Seja de marca ou não, uma capistrana de qualidade depende de vários fatores: tipo do solo, qualidade da cana e do fermento, leveduras eficientes, moderação do fogo, talento do alambiqueiro e forma de ser tratada posteriormente (descanso e armazenamento). Na hora de beber, algumas características devem ser observadas: cor límpida e brilhosa; bolinhas persistentes de ar quando derramada no copo; viscosidade que deixa “lágrimas” lentas ao girar o copo; cheiro suave de bagaço de cana, que não queime o nariz. Além disso, não pode ser muito ácida nem arder na boca, devendo ser aveludada, sem gosto predominante da madeira do barril (se for envelhecida), tudo isso feito de forma cautelosa, ingerindo-se aos poucos, deixando o gole encostar na boca e na língua inteira. Ainda outro detalhe importante: o tira-gosto deve estar a postos pra entrar em cena depois da golada e fechar o ritual, já que harmonização não é só para os vinhos.
 
Um mito que precisa acabar de vez: a cachaça branca é cachaça ruim. Isso não só é mentira, mas, na opinião de muitos (na minha, inclusive), as melhores são as brancas (envelhecidas ou não), pois preservam o sabor original da bebida, sem interferência da madeira e até mesmo de corantes, muitas vezes utilizados pra mascarar a baixa qualidade da cachaça.
 
Para o nosso orgulho, as melhores cachaças do Brasil são as de Minas, que concentra o maior número de alambiques artesanais, pois o jeito cauteloso do mineiro é a garantia de um bom produto. Destaque para a região de Salinas, no norte do estado, onde se produz a famosa “Havana” (Anísio Santiago), que chega a custar R$500 a garrafa. Na minha opinião, a maior jogada de marketing da história. Ela é boa, mas não vale isso não.
 
Nossa Resende Costa também tem cachaças boas, produzidas pelo Zinho do Tenta (Caroméia do Riguinho), João do Bertino, Tião Gouveia, Tetéo do Ribeirão, Murton, entre outros. E na região destaco a “Século XVIII” (do alambique mais antigo do Brasil em funcionamento) e a excelente “Jacuba”, ambas de Coronel Xavier Chaves.
 
Cozinhar com a cachaça também é muito interessante, seja pra tirar a “mardade” e amaciar a carne de porco, ou pra marinar, flambar, substituir o vinho branco no preparo do risoto e, claro, pra beber enquanto se cozinha, mas sem excesso, senão o angu queima.   
 
Bom, agora deixa eu ir beber minha pinga, porque o torrêmo tá esfriano...

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