ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (Blindness, Japão/Canadá/Brasil)
Gênero: Drama
Direção: Fernando Meirelles
Tempo de duração: 120 min.
Ano: 2008
Minha primeira participação neste jornal foi uma resenha indicando o livro Ensaio Sobre a Cegueira, do ganhador do Nobel de Literatura José Saramago. Parecia-me impossível ou, pelo menos, inviável filmá-lo, já que, só para se ter uma ideia, os personagens sequer têm nomes. Torna-se, então, motivo de orgulho para nós, brasileiros, que Fernando Meirelles o tenha feito com louvor, tendo em vista que o próprio Saramago, conhecidamente avesso à adaptação de suas obras para o cinema, tenha aprovado essa versão. O enredo é único e fantástico: num dia como outro qualquer, instaura-se uma inexplicável epidemia de cegueira branca numa grande cidade (quiçá no mundo inteiro). É questão de tempo até todos serem atingidos – todos menos uma mulher, misteriosamente preservada, que opta por não revelar-se. Com o confinamento dos cegos num sanatório vazio, inicia-se o jogo de poder entre os mesmos, baseado na violência e na abominável opressão dos mais fracos e desarmados. Quando até as autoridades são atingidas pela epidemia, grupos de cegos passam a vagar pela cidade, em busca do escasso alimento. Foi bacana perceber que a forma como enxerguei a degradação da cidade descrita por Saramago fora perfeitamente traduzida por Meirelles: ruas imundas, lotadas de carros abandonados e pessoas perdidas. Muito impactante. O roteiro metaforiza a condição humana, sob vários prismas: a que ponto exporíamos nossos instintos primários quando necessário sobreviver? Quem realmente somos, quando julgamos que nossas ações não podem ser testemunhadas? Diante de uma hediondez cometida contra o outro, o defenderíamos ou garantiríamos nossa própria segurança? E, principalmente, o que é verdadeiramente importante e valoroso quando se perde quase tudo? É um belo tratado sobre a fragilidade do ser humano, bem como de sua capacidade de fraternizar-se quando as aparências são transpostas. Julianne Moore interpreta brilhantemente a mulher poupada da cegueira, e ainda há excelentes atuações de Danny Glover, Gael García Bernal, Mark Ruffalo e da brasileira Alice Braga. Meirelles demonstra maestria na direção, como em sua opção em filmar com claridade intensa, deixando a imagem esbranquiçada como a cegueira instaurada. Mas faço uma pequena ressalva: a cena mais emocionante do livro, em minha opinião, foi representada de forma frívola e banal. Tendo me levado às lágrimas ao ler a obra, tal sequência passou despercebida no longa. Por isso, continuo indicando o livro, além do filme. Classificação: 16 anos.
MAR ADENTRO (Mar Adentro, Espanha/França/Itália)
Gênero: Drama
Direção: Alejandro Amenábar
Tempo de duração: 125 min.
Ano: 2004
Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2005, este filme soube ser, simultaneamente, delicado e arrasador. Baseado numa história real ocorrida na Espanha entre as décadas de 70 e 90, conta a história de Ramón Sampedro. Interpretado pelo prodigioso Javier Bardem, ele foi um jovem forte e viril que, num terrível infortúnio, ficou tetraplégico ao realizar um mergulho mal calculado. É pungente assistir à luta dilacerante entre uma mente brilhante e super ativa e um corpo débil, incapaz de qualquer movimento. Ficou conhecida em toda a Espanha a batalha judicial que Ramón travou pelo direito à eutanásia – já que sua imobilidade não permitia sequer que ele se matasse sozinho. Após 28 anos de sofrimento, ele bola um estratagema envolvendo dez amigos, de forma que cada um seria responsável por uma etapa de seu suicídio sem que, juridicamente, nenhum deles pudesse ser acusado de homicídio. O senso comum e nossa religiosidade repugnam o suicídio e a eutanásia. Mas quando nos colocamos no lugar de Ramón, todo aquele discurso parece hipócrita, e julgá-lo por sua decisão soa, no mínimo, insensível. É chocante a cena em que ele se declara obrigado a viver. Diante de uma tragédia como essa, qualquer escolha é difícil e dolorosa, tanto para a vítima quanto para aqueles que o amam. Amenábar carrega na poesia na sequência em que Ramón se imagina levantar da cama e sair voando acima do mar que avista da janela de seu quarto, sem limites, sem barreiras. Polêmico, triste e belo. Classificação: 12 anos.
Ensaio sobre a cegueira / Mar adentro
14 de Novembro de 2009, por Carina Bortolini