Recorrendo às palavras iniciais da versão em português do compositor e produtor musical Cláudio Rabello para Happy Xmas (War is over), canção composta, gravada e lançada em 1971 por John Lennon (1940-1980) e Yoko Ono, estou me dando conta agora, nesse começo de dezembro, de que “Então é Natal”. Verso que por si somente faz lembrar a voz grave de Simone, intérprete brasileira desse verdadeiro hino natalino, a cada temporada de fim de ano ecoando por toda parte.
Nessa toada, aqui duplamente entendida e, em se tratando da letra de Rabello, ainda no comecinho dela, a pergunta é: “e o que você fez?”, na verdade, um chamado à reflexão sobre mais um ano de vida que se finda. Sabe-se que essa época é especialmente propícia a muitos questionamentos ligados a situações de autocobrança, de melancolia típica dos ciclos que se encerram e de apreensão pelo que virá. Para muitas pessoas, as celebrações de Natal e Ano-Novo, principalmente, podem ser custosas, doídas, pois costumam acentuar sentimentos distantes da alegria, e que essas datas tendem a sugerir, como a solidão, sentida pelos que se veem excluídos dessas comemorações. Ou que não têm com quem compartilhar esses momentos.
A tal estado de espírito dá-se o nome de síndrome do fim de ano ou “dezembrite”, termos populares e muito usados nos últimos tempos para designar sentimentos que podem variar entre angústia, tristeza profunda e sensação de fracasso e frustração, entre outros. Nesse contexto, sentir-se uma pessoa fracassada ou frustrada por metas não alcançadas ou expectativas não atendidas é parte desse quadro. O emprego ansiosamente aguardado e que não veio, o sonho desfeito de ter uma casa própria, uma relação amorosa mal-sucedida... e aquela impressão incômoda de não ter feito nada de bom nos outros meses do ano ilustram algumas situações sentidas como mais negativas ainda em cada retrospectiva anual.
Ser acometido(a) por essa síndrome implica também vivenciar sentimentos de pesar e extremo saudosismo pela falta daqueles que não estão mais entre nós, em especial, nossos entes queridos e lembrados pelos inúmeros Natais celebrados com a família então reunida e nos quais eles eram convivência amorosa com os que ficaram. Por outro lado, sofre-se por relações familiares complicadas, quase ausentes ou rompidas.
Volto ao texto do versionista Cláudio Rabello para destacar dele o seguinte trecho: “Que seja feliz quem souber o que é o bem”, em outras palavras, fala-se da solidariedade, um ideal pregado como um aspecto diretamente relacionado à felicidade. Tudo a ver com o autêntico espírito natalino.
Como toda versão envolve a interpretação pessoal de quem a faz, a de Rabello para Happy Christmas, logicamente, não é a única. Certo mesmo é que a letra foi feita originalmente como uma canção de protesto em referência à Guerra do Vietnã (1959-1975) e remete a uma campanha internacional, ainda em 1969, pelo fim dos conflitos e marcada por outdoors espalhados por 12 cidades pelo mundo com os dizeres: “War is over! (A guerra acabou!). Se você quiser – Feliz Natal, de John e Yoko”. São palavras que foram e ainda são um apelo à ação, sugerindo que a paz é uma escolha coletiva e que depende do desejo e do esforço de todos para se tornar realidade.
Mesmo considerando uma possível interpretação sob a ótica da existência individual em tempos de Natal, a música gravada por Simone em 1995 faz alusão à Hiroshima e Nagasaki, de tão tristes memórias e trágicas consequências pelos bombardeios atômicos na Segunda Guerra Mundial. E a Moruroa (atol na Polinésia Francesa), um dos locais onde já foram realizados testes nucleares.
Fala-se de guerras ainda hoje e sempre. Pior, vive-se em guerras. Ucrânia x Rússia. Israel x Hamas... E outras tantas inominadas. Falemos, contudo, de Natal. Melhor, vivamos o Natal, que é nascimento, que é renascimento, que é vida. Que possamos ter um Natal em sua essência – de atitudes mais compassivas com o nosso próximo e de trégua aos nossos desassossegos de todo dia.