“minha mãezinha pensa que durmo o dia inteiro, mas não! Fico mesminzando, isto é, falando comigo mesmo, atento a todos os passos, ações dela. Adoro quando fala ao telefone e diz o meu nome, ou um dos vários – Kiko, Kiquinho, Ssiicoo, Chiquinho.
Com os olhos semicerrados, observo-a andar pra lá e pra cá. Mas ela desconfia e mexe comigo, conversa com este filhinho tão amado.
Até hoje não sei como vim parar aqui neste ambiente. Não é a nossa casa, não tem varanda pra eu sair; sei que posso ficar nas janelas, mas confesso – sou medroso demais, acomodado, preguiçoso não, isso não!
Gosto muito de ficar aqui porque, noutro lugar, eu não tinha chances de ficar com ela. A Nina era só dela, me empurrava, me batia pra mamãe ser apenas dela. Sofria muito. Agora, só sei que estou grudadinho na mamãe, noite e dia, dia e noite. Ajeitamos a casa, lemos, rezamos e nos acariciamos muito. Ah! Assim, eu ronrono feliz! Cochilo, sonho! Sentindo seus dedos me carinhando suave...
Mas o bom mesmo é quando vão tomar cervejas, ouvir músicas, porque lá vêm meus “cartuchinhos” de whiskas sabor salmão (preferido meu, porque mamãe também gosta de salmão). Eu me encho de uma gulazinha gostosa, trincando aquela delícia! Também gosto muito de me deliciar com um pouquinho de requeijão à hora do café. Fico esperando quietinho a mamãe colocar no dedo indicador aquela gostosura branquinha e leve... Ah! Mamãe é muito boa, me entende e me enche de mimos. Eu penso que retribuo, pisco os olhos para lhe dizer “eu te amo” (ela me ensinou); até fico bravo, mio grosso quando ela fica dançando, porque tenho medo de ela cair. Já caiu uma vez, e eu quase morri de aflição, tentei levantá-la com as unhas e os dentes, mas não consegui!
E quando ela fala — Chico, você poderia ser um menininho! Quase choro, pois não posso ser menino. Mas sei que ela me ama, como bichaninho felino. Eu sinto este amor tão visível e sincero. Ah! Eu a amo, também, e a minha irmã tão lindinha!
Meu cunhado brinca de me assustar, mas é por ciúme... sei que é. Mas, às vezes, corro e volto corajoso pra perto dele. Afinal, família é sempre assim; e eu amo ter a minha.
Vou ronronar um pouco, depois escrevo mais... tchau, leitor amigo! Beijinhos de focinho!”
Autoria: Maria Antônia Chaves
Chico, o personagem-narrador do monólogo acima, mora atualmente em São Paulo (capital), existe de verdade e é uma das grandes alegrias na vida da minha querida amiga Toninha. Nós duas, bem como a Moreira e a minha xará Regina (da Filomena), também queridas amigas e as quatro colegas de sala, formávamos na faculdade, no tempo da “pré-história das nossas Letras”, “o quarteto de Resende Costa”, conforme se referiam a nós alguns professores.
Pois bem! Interessa agora, no entanto, esse destaque dado ao Chico, cuja tutora tem nele um amoroso e inteligente companheiro de quatro patas.
Essa relação de afeto entre ambos me fez lembrar um outro bichano, no caso, “alguém” resgatado da ficção. Refiro-me ao gato malhado do romance O gato malhado e a andorinha Sinhá, escrito por Jorge Amado (1912-2001) em 1948 como um presente de aniversário para o filho, João Jorge, que fazia um ano naquela ocasião. Obra essa publicada somente em 1976. Trata-se de uma fábula sobre um amor impossível entre dois seres muito diferentes entre si. Um gato, sujeito mal-humorado, de pelagem manchada, o que o torna diferenciado e rejeitado. E ela, uma bela e adorável andorinha.
Desenvolvido em linguagem poética e cheia de metáforas, o texto do nosso para sempre lido e AMADO Jorge é encantador, da mesma maneira que também o é o Monólogo Mi au au, uma divertida criação da Toninha, sob a inspiração em sua feliz convivência diária com o Chico. Ou Kiko, Kiquinho, Ssiicoo, Chiquinho.