De olho na cidade

15 anos do Conselho Municipal de Patrimônio e Cultura

21 de Janeiro de 2020, por Edésio Lara 0

Em 25 de abril de 2002, a Câmara Municipal aprovou e o prefeito Gilberto Pinto (1948-2015) sancionou a Lei 2.662, que “estabelece as normas de proteção do patrimônio cultural do Município de Resende Costa e seus procedimentos”. É uma lei importantíssima que deve ser amplamente divulgada e cumprida na sua íntegra. Dela, que dá cumprimento ao mandamento constitucional de proteção do patrimônio cultural, bem como das normas federais e estaduais pertinentes, destaco os artigos 2º e 3°. O 2º diz: “Ficam, na forma desta Lei, sob a proteção especial do Poder Público Municipal, os bens de propriedade pública ou particular existentes no Município que, dotados de valor cultural, aí compreendidos os valores histórico, estético, científico e outros, justifiquem o interesse público em sua preservação”. O 3º, por sua vez, esclarece que “os bens declarados de valor cultural serão assim constituídos pela inscrição em Livro do Tombo que será aprovada pelo Conselho Municipal de Patrimônio Cultural e homologada pelo Chefe do Executivo Municipal”.

A instalação do Conselho Municipal de Patrimônio e Cultura (CMPC) se deu três anos após a promulgação da referida Lei. Em 28 de fevereiro de 2005, através do Decreto nº 95, o prefeito municipal Gilberto Pinto nomeou o grupo de conselheiros para cumprir mandato de dois anos. Em fevereiro de 2020, o Conselho Municipal de Patrimônio e Cultura (CMPC) completará 15 anos de atividades. Para sua composição, são escolhidos dois vereadores, dois representantes do Poder Executivo Municipal e representantes de associações, tais como: AmiRCo, Asseturc, Iris, Acradatec e Orquestra Mater Dei.

Naquele momento, a primeira reunião do grupo de conselheiros aconteceu no dia seguinte, isto é, em primeiro de março de 2005. No segundo encontro do CMPC, começaram a ser elencados bens que deveriam ser tombados pelo município: a imagem de Nossa Senhora do Carmo, pertencente ao Museu de Arte Sacra da paróquia, e o Teatro Municipal. Logo em seguida, foi a vez da Fazenda das Éguas, erigida no século XVIII e que se localiza no Povoado do Ribeirão de Santo Antônio. Os bens de patrimônio que podem ser tombados são vários, não somente imóveis, como se vê.

O tombamento poder ser municipal, estadual ou federal. O primeiro imóvel da cidade a ser tombado foi a Casa do Inconfidente José de Resende Costa, o pai. Localizada na Praça Cônego Cardoso, centro da cidade, seu tombamento foi decretado pelo Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1950.

Atualmente, o CMPC trabalha no sentido de dar continuidade aos processos de tombamento de três edificações de importância histórica no município: a sede da Câmara Municipal, a Escola Estadual Assis Resende e o prédio do Fórum.

Ao longo desses quinze anos de atividades, foram inventariados bens materiais e imateriais que devem ser protegidos por lei e cujos procedimentos devem ser encaminhados pelo CMPC. Por exemplo, os Saberes Tecelagem Artesanal, o Livro de Cartas da Câmara Municipal, os Livros de Tombo da paróquia, as Ruínas das Fazendas Campos Gerais e da Laje. Mas há muito mais. Por isso mesmo é que gostaríamos de convidar todos para participarem dos trabalhos do Conselho Municipal de Patrimônio e Cultura de Resende Costa. As reuniões, bem como todas as atas, relatórios e demais documentos produzidos pelo Conselho, são públicos. E para todas as ações positivas, o governo do Estado de Minas Gerais responde com o envio de recursos advindos do ICMS para o município.

Sobre esse assunto, vamos nos debruçar na próxima edição do Jornal das Lajes. Antes, porém, para os interessados nas ações do CMPC, basta acessar o site da Prefeitura Municipal de Resende Costa: www.resendecosta.mg.gov.br (clique em “Municipal” e, por fim, em “Patrimônio”). Feito isso, quaisquer cidadãos têm acesso ao que o CMPC tem realizado, podendo contribuir com críticas e sugestões às ações voltadas para a salvaguarda do patrimônio cultural da cidade.

Dona Eunice: recordações de aluna e professora da Escola Estadual Assis Resende

18 de Dezembro de 2019, por Edésio Lara 0

Professora Eunice (centro) e suas alunas (Foto arquivo pessoal)

Ao longo deste ano, demos atenção especial às comemorações pelo centenário da Escola Estadual Assis Resende. Ouvimos alunos, muitos deles matriculados nos anos iniciais de funcionamento do educandário. Através dos seus depoimentos, foi-nos possível ter ideia de como funcionava a escola na primeira metade do século passado. Nesta edição, a última do ano, voltamos nossa atenção para a pessoa de Eunice de Sousa Gomes, que teve sua vida de estudante e de profissional ligada à escola.

Ela nasceu em 23 de junho de 1938 e, sete anos depois, iniciou seus estudos. Concluídos os primeiros quatro anos de escola, fez o “admissão”, curso oferecido em Resende Costa, na época, pelo professor Geraldo Sebastião Chaves e que durava um ano. Imediatamente após o curso, ela se transferiu para São João del-Rei para ficar, em regime de internato, no Colégio Nossa Senhora das Dores, onde cursou o ginásio e o magistério, durante sete anos. Em 1961, já com vinte e três nos de idade, ainda fez um curso de especialização em matemática com a professora Beatriz Alvarenga em São João del-Rei. Terminado esse curso, Eunice sentiu-se preparada iniciar a carreira de professora, o que aconteceu após de ter sido aprovada em concurso público e ser nomeada como efetiva na Escola Estadual Assis Resende, em 1963.

Dona Eunice, como é chamada por muitos, além de professora também foi diretora da escola. Noutro momento, atuou como supervisora da merenda escolar e, também, como inspetora pedagógica, o que a fez viajar por todos os povoados do município. Muitos a viam como diretora dessas escolas, o que era um erro. Suas idas às escolas rurais do município eram periódicas, portanto completamente diferente de quem exerce a função de diretor (a) e que exige presença diária da pessoa no local de trabalho. No Assis Resende ela permaneceu até se aposentar.

Da sua vida na escola como aluna, ela se lembra, com gosto, das trocas de merenda que fazia com os colegas de classe. José Peluzzi, seu pai adotivo, como bom cozinheiro que era, fazia questão de deixar sua lancheira cheia de doces, queijos, salgados e sucos que ela não dava conta de consumir. Por isso mesmo, não titubeava em doar ou fazer trocas de lanches com os colegas. Uma dessas trocas era bastante curiosa: o lanche era permutado por cipós. Isso mesmo, cipós que eram utilizados para a brincadeira que conhecemos de “pular corda”, um dos divertimentos mais apreciados pelas crianças na hora do recreio. Enquanto educadora, seu maior orgulho reside no fato de ter conseguido alfabetizar um aluno que havia chegado à escola com deficiência auditiva. “Eu o coloquei sentado na primeira fileira da sala e ele conseguiu estudar, aprender a ler e escrever. Era um menino muito pobre, cuja família não tinha condições de comprar pilhas para o aparelho de escuta que conseguira. Foi quando o Gilberto, casado com a Anália, minha irmã, começou a trazer as pilhas de Belo Horizonte. Ele doava as pilhas e o menino usava o aparelho somente em sala de aula, para economizá-las”, conta dona Eunice.

Por fim, outra boa lembrança que tem dos muitos anos de trabalho na Escola Estadual Assis Resende foi ter feito muitos amigos. As professoras, naquela época, atuavam com uma mesma classe durante o segundo, terceiro e quarto anos do grupo. Terminados esses três anos de trabalho com a mesma turma, o que se via era a amizade travada entre a professora e seus alunos. Eu, que sou filho de uma professora, sou testemunha disso. São muitos, mas muitos mesmo, os que me abordam para dizer: fui aluna(o) da sua mãe. Tenho muita saudade dela. Assim acontece com dona Eunice e tantas outras professoras que tivemos e das quais temos saudade, guardando respeito e admiração pelo resto de nossas vidas. A dedicatória anotada atrás da fotografia que escolhemos para ilustrar este texto é prova disso. Na pequena fotografia em preto e branco do Foto Scylla, vem escrito: “A D. Eunice uma recordação de suas alunas Aparecida e Maria Geralda. Saudades. 5/11/65.”

Darci Terezinha de Resende na cidade e na Escola Estadual Assis Resende: memórias de infância

12 de Novembro de 2019, por Edésio Lara 0

Dona Cici, ex-aluna do Grupo Escolar Assis Resende (Foto Edésio Lara)

Quando dona Darci nasceu, a Escola Estadual Assis Resende estava em seu oitavo ano de fundação. É conhecida na cidade por Cici, ou Cici do Geraldo Procópio, de quem ficou viúva há vinte e quatro anos. Estatura mediana, franzina, pode-se dizer, Darci Terezinha de Jesus (27/05/1927), de 92 anos de idade, com voz clara, firme e fluente, é de uma vivacidade de dar inveja. Certa vez, perguntou para sua mãe o motivo de não ter em seu nome os sobrenomes Barros (da mãe) e Vieira (do pai), como os dos seus irmãos. A resposta foi: “Achei seu nome bonito assim e pus.” O Resende, com a supressão do Jesus, foi acrescentado após o casamento.  

Darci iniciou os estudos aos sete anos. Depois, houve uma interrupção quando foi morar em Belo Horizonte. A rematrícula se deu ao retornar a Resende Costa para concluir os quatro primeiros anos do grupo, aos treze anos de idade, em 1930.

As lembranças da época de aluna são de dedicação à escola e ao trabalho. Antes de terminar o curso, buscava duas latas d’água na Fonte João de Deus para entregá-las na casa do senhor Geraldo (Porteiro), que fica ao lado da Matriz e da Câmara Municipal. Outra incumbência era a de “acordar às 4h para catar lenha destinada ao fogão de sua casa.” Na Escola Estadual Assis Resende, todos os dias e na hora do recreio, outra tarefa: ir até a casa da sua professora Dona Célia, buscar café para ela. Na escola, Cici ficava assentada na fileira da frente, em carteiras destinadas aos mais adiantados. “Era boa aluna. Fui aluna de dona Nair, dona Mariinha, dona Célia e dona Dulce Mendes, com quem tirei o diploma”, disse. “Dona Dulce colocava os melhores alunos pertinho dela, para aprender. Quando chegou o dia do exame (exame final, prova oral), ela colocou um tanto de papelzinho em cima da mesa. Eu tirei o número cinco. Eu então estudei tudo do número cinco, decorei tudo e não estudei mais nada. Então eu rezei muito, muito mesmo, para Nossa Senhora da Penha. No dia da prova, no sorteio do ponto, tirei o número cinco. Eu nunca mais esqueci isso.”

A fé inabalável em Nossa Senhora da Penha e que começou ainda na infância, segundo ela, a salvou de grave acidente em agosto de 2011. “Foi um dia em que faltou luz na cidade, estava tudo escuro e a minha cozinha estava cheia de gente. Eu acendi duas velas e comecei a subir a escada de quatorze degraus para ir até o quarto onde estava meu neto Gustavo jogando no computador, o filho dela que morreu, bateu o carro (nesse momento ela apontou para a filha Lúcia, que, ao nosso lado, já estava com os olhos cheios de lágrimas). Quando ia descendo a escada, faltando três degraus, eu confundi, achando que faltava um. Foi quando meu neto correu, me abraçou e disse: ‘Vó, uma coisa cutucou na minha cabeça (para ele, o neto, era Nossa Senhora) para ir aonde a senhora estava.’ Quando eu levei o pé, ia embarcar, estaria quebrada até hoje, né? Ia ser uma coisa terrível. Ele me salvou”, afirma dona Cici.

Quando completou quinze anos de idade, a filha de dona Adalgisa Barros, professora do estado, optou por seguir os passos da mãe e lecionar principalmente em fazendas do município. Sua primeira experiência como professora foi na Capelinha dos Machado. “Lá, além das aulas, a gente socava arroz e ainda catava lenha para a casa do João de Lima. Eu dava aula no Curralinho dos Machado, Curralinho dos Paulas, Barro Vermelho e Barracão. Depois eu fui chamada a dar escola (sic) na Fazenda do Retiro”. Nesta fazenda dona Cici conheceu Geraldo Procópio de Resende, filho do fazendeiro, que seria o seu futuro marido.

A vida da jovem, que teve outros namorados antes de se casar, não foi fácil. “Eu tinha dezenove anos e minha mãe não queria que eu me casasse.” Geraldo Procópio, na época, com trinta e oito anos de idade, ficara viúvo e com a responsabilidade de cuidar dos dez filhos que tivera com a primeira esposa, que faleceu durante o parto do décimo segundo filho. Dona Cici, depois desse fato, voltou para Resende Costa. No entanto, os dez filhos do Geraldo tomaram amor por ela, durante sua estada na fazenda. Não teve jeito. Mediante o choro e o chamado das crianças, ela retornou à fazenda para se casar e assumir a responsabilidade de cuidar do marido e das dez crianças. Casada com o Geraldo, ela teve outros catorze, sendo nove homens e cinco mulheres, fazendo dele pai de vinte e quatro filhos vivos, não incluídos aqui outros dois que faleceram.

Na plenitude dos seus noventa e dois anos de idade, dona Cici esbanja vivacidade e simpatia. Participa do grupo de terceira idade, assiste à missa todos os dias, e de joelhos, do início ao fim da celebração. Ela sabe de cor – na ponta da língua, como se diz – vários poemas e a tabuada, que recita numa rapidez incrível.  

Eu a encontrei no Hospital Nossa Senhora do Rosário para a entrevista. Lá, durante quatro dias, ela se recuperou de uma queda que sofrera em casa. Estava pronta para receber alta e querendo, a todo custo, retirar um colete que o médico, doutor Paulo, mandara colocar no pescoço da paciente para proteger a coluna cervical.

Antes de nos despedirmos, dona Cici recitou de cor quatro poemas dos vários que começou a decorar desde os treze anos de idade. Um deles deixo transcrito aqui e com uma reflexão bem particular: a dedicação à família numerosa e ao trabalho nunca a abateu, tampouco a fez esmorecer. Muito pelo contrário, tornou-a uma senhora especial, cujo gosto pela vida nota-se facilmente refletido em seus gestos e em seu rosto. 

Senhor, o dia terminou, a noite se aproxima
Venho ajoelhar-me aos teus pés, Senhor
Para meditar e refletir.
Tão pouco fiz para te oferecer
Trabalhei, diverti, sofri, aqui chorei
Sem muita paciência e, talvez, sem merecimento.
Mesmo assim, dou-te pequenina parcela da minha vida.
Prometo me esforçar para ser fiel
À minha vocação de filha tua.
Amanhã farei tudo para entregar-te um dia melhor
Abençoa a todos que me deste por amigos
Até amanhã, obrigado, Senhor.

Cidade limpa

13 de Agosto de 2019, por Edésio Lara 0

Cachorros reviram lixo acumulado na rua Gonçalves Pinto

Desde cedo, em Resende Costa, nos acostumamos com certas tarefas que começam em casa e se estendem até a rua. Cuidar do quintal e da frente da casa com serviços de limpeza é uma das atividades que os resende-costenses fazem com gosto. Não é incomum andar pelas ruas e notar pessoas fazendo a capina, a varrição da frente da casa e a coleta do lixo. Por isso a cidade sempre é tida como limpa. A topografia da cidade ajuda. Quando chove, ela fica ainda mais bonita, já que a enxurrada não tem que levar consigo tanto lixo, como acontece em outros lugares.

Faz tempo que temos na cidade coleta diária de lixo feita por equipe da prefeitura municipal. Todos sabemos a hora em que o caminhão passa recolhendo o lixo orgânico ou reciclável. Um privilégio, visto que o serviço é bem feito. Outra ação da prefeitura foi a de colocar alguns cestos enormes para ajudar a receber esse lixo.  Mas, infelizmente, parece que isso está mudando. De nada adianta se não fazemos a nossa parte, aquilo que nos cabe, ou seja, o acondicionamento do lixo e colocação na rua e na hora certa para a coleta.

Recentemente, temos visto o número crescente de cães abandonados pelas ruas da cidade. Há aqueles cujos donos moram na cidade e optam por deixá-los soltos para serem tratados por outras pessoas. E são muitos. Dizem alguns que há turistas que aqui vêm e, sabendo da existência de uma associação protetora de animais no município, abandonam seus animais, na esperança de que ela os recolha e trate deles. Triste engano, pois os que fazem parte dessa associação não têm como dar conta de acolher tantos animais abandonados. Muito menos a prefeitura consegue lhes dar abrigo e alimento.

Pois bem, a ação desses pobres animais somada ao descuido de alguns de deixar lixo orgânico fora da hora nas ruas têm deixado o que é belo se transformar numa feiura e imundície de dar dó. Agora, todos os dias, em certos pontos da cidade, os cães reviram o lixo e o espalham, deixando a sujeira exposta, impactando negativamente a imagem da cidade.

É preciso que algo seja feito. É fundamental que cada um faça sua parte para que Resende Costa não perca definitivamente a imagem de cidade limpa, asseada e se transforme num lugar emporcalhado e feio.

Todos que passam à noite e no nascer do dia pela rua Gonçalves Pinto, no centro da cidade, pelo largo em frente à igreja do Rosário ou nas proximidades da rua São João del-Rei com a avenida Ministro Gabriel Passos, por exemplo, sabem o que estou relatando. Vão se deparar com lixo espalhado e um tanto de vira-latas que sujam as ruas com suas fezes, quando não avançam em direção a automóveis, motocicletas e pedestres. E quando há uma cadela no cio entre eles, a coisa fica insuportável. A disputa por ela causa tanta barulheira que a tranquilidade e o sono de muitos são prejudicados.

Trata-se de um problema que envolve educação, saúde pública e que demanda solução urgente.

EX-ALUNO e suas vivências na cidade e na Escola Estadual Assis Resende

16 de Julho de 2019, por Edésio Lara 0

Luizinho

Colega de turma da dona Geralda, que abordei nessa coluna mês passado, foi o LUIZ DE REZENDE CHAVES, nascido em 21 de outubro de 1929, chamado por muitos de Luizinho, ou Luizinho Chaves. Filho de Alfredo Chaves de Mendonça (natural de Coronel Xavier Chaves) e Maria da Conceição Camargo (esta nascida em Resende Costa), ele está chegando aos 90 anos de idade.

Quando nos encontramos para conversar sobre sua infância, foi logo dizendo da sua família. Naquela época, década de 1930, as dificuldades enfrentadas pelos pais de Luizinho para criar a família numerosa não eram tão diferentes de outras. Os parcos recursos repercutiam nas maneiras, nos costumes impostos pelos chefes de família, impossibilitados que eram de oferecer aos filhos mais conforto e educação escolar adequada, por exemplo. Uma lembrança que ele tem dessa época de menino, ainda na escola, era a de ir a pé buscar leite na Fazenda do Pinhão, a 5 km do centro da cidade. O leite não era para ser bebido em casa, mas deixado na casa do dentista Zé Lara como forma de pagamento pelo tratamento dentário da sua irmã Zezé. “Eu fazia isso porque meu pai não tinha condições de pagar o tratamento dentário da minha irmã Zezé”, disse Luizinho. Essa era uma forma antiga de pagamento por todo tipo de serviço, visto que a circulação de dinheiro era limitada. Sem dinheiro, as pessoas faziam seus pagamentos com trocas de produtos ou mesmo com outros trabalhos.   

Luizinho disse não saber como seus pais criaram a família, pois eram muito pobres. Um dos serviços que seu pai prestava na cidade era o de açougueiro. “A vaca que era morta no antigo matadouro, localizado na parte baixa do horto florestal, era desossada na dispensa da cozinha de nossa casa para ser distribuída na cidade”. Com o açougue que ele chamou de “açougue clandestino” – em época em que os controles sanitários não eram tão rigorosos como agora –, seus pais conseguiam parte dos recursos financeiros para o sustento da família. E cabia ao pequeno Luizinho fazer as entregas de carne de porta em porta na cidade. Para fazer esses mandados, seu pai encaminhava um pedido expresso à diretora do educandário para que ela liberasse o filho das aulas. Dispensado das aulas para cumprir a tarefa, Luizinho disse que a fazia cheio de orgulho, pois “sentia-se importante, batendo de porta em porta para entregar as carnes embrulhadas em papel para os clientes”. Por ser visto vendendo carne na rua, apesar da pobreza, era considerado rico, o que não lhe dava o direito de receber merenda da escola, tinha que levar a sua de casa. E a merenda era geralmente um pedaço de broa ou cuscuz.

Outra incumbência era a de vender almôndegas na escola. Sua mãe as preparava e ele as vendia, principalmente para as professoras. E a sua maior cliente era a professora Dulce Mendes. Certo dia, ele ficou desesperado. Ao levar um esbarrão de um colega, as almôndegas foram ao chão. Vender não podia e muito menos retornar com elas para casa. A bronca seria imensa. Ele as recolheu do chão, sem perceber que era observado pela sua melhor cliente, para no dia seguinte e escondido da mãe, misturá-las às que estavam sendo preparadas para venda. Chegando à escola, a sua melhor cliente, dona Dulce, perguntou: “Luizinho, essas são aquelas que caíram no chão?” “Não, professora.” – ele respondeu. Então ela fez a costumeira compra das almôndegas.

Luizinho guarda na memória outros dois acontecimentos ocorridos no Assis Resende. Certavez, preparando-se para evento cívico, participou de ensaio do canto do Hino Nacional. Desde pequeno, o futuro barítono já possuía voz forte, brilhante e nella maschera (na máscara), como dizem os italianos e que todos conhecemos. “Quando comecei a cantar, Ouviram do Ipiranga... eu mais gritava do que cantava. Foi quando a dona Nair (Nair Caiano), professora de canto e de catecismo, gritou: “Para! Para! Para! Você está atrapalhando tudo! ”Fiquei num aborrecimento, fiquei abatido, chateado e até contei isso pro Agenorzinho. E eu, com a minha voz grossa e forte, que tinha vontade de ser cantor, encerrei minha carreira ali.” (risos).

Por fim, Luizinho relatou a maneira como os alunos eram avaliados no último ano do grupo. Para serem aprovados, todos passavam por uma prova oral diante de uma banca formada por professores da escola. “A chefe da banca era a dona Nininha, casada com o Aurélio, filho do Tonico Chalé, que era a diretora do grupo. Então ela, a dona Vivi, minha professora, e outras nomeadas para o trabalho aplicavam a prova”. Como o grupo de alunos para a prova era grande, as perguntas eram sorteadas na hora. Quem não era aprovado nesta prova oral, tinha que repetir a 4ª série. “Naquele dia, eu dei sorte”, disse Luizinho. “A Dinorá, filha do Chico Luís, um oficial de justiça do Fórum, que em sorteio tirou o número sete, respondeu uma série de questões que correspondiam ao número sete. Eu assisti a tudo, a prova era pública. Quando chegou a minha vez, dei a maior sorte: também tirei o número sete, entre os trinta que tinha. Então eu respondi a tudo com mais facilidade e passei de ano.”

Assim terminaram seus quatro anos de estudo no Assis Resende, para, tempos depois, dar continuidade à sua formação até passar em concurso e tornar-se funcionário público federal.