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De Resende Costa a Ritápolis, a caminho das Arábias (via Toscana)

17 de Setembro de 2014, por Cláudio Ruas

Concordo com o escritor Augusto Cury ao dizer que “a maior aventura de um ser humano é viajar”. Mas o bom é que às vezes não precisamos de andar longe e gastar muito para isso. É possível viajar sem sair de casa, lendo um livro, ou até de olhos fechados. Outra forma especial de viajar é através da gastronomia, dos seus ingredientes, sabores e costumes de cada lugar. E aí, volta e meia me pego lá do outro lado do mundo, comendo uma comida árabe, muitas vezes um quibe no boteco da esquina.

Falando em quibe, ele é o maior exemplo de como parte da cultura árabe (ou melhor, síria-libanesa), adentrou em nosso país. Ao lado das coxinhas e pastéis, o quibe é tão presente nas estufas que parece até ser coisa brasileira. Até aquele que quase não leva carne me agrada muito, principalmente com uma boa regada de limão e uma pimentinha. A versão assada no tabuleiro também é ótima, assim como o quibe cru, feito de carne bem fresquinha e moída na hora. Uma dica boa na hora de misturar e amassar (com as mãos) a carne com o trigo e os temperos, é colocar umas três pedras de gelo junto. Elas vão ajudar a dar liga e esfriar a mistura, mantendo o frescor.

Conheci e aprendi a comer comida árabe com a tia Lucinha do Góes, uma das minhas mestras da cozinha. Por ter casado com um descendente, ela acabou se tornando especialista no assunto, daquelas que fazem um banquete do início ao fim – com direito a história e tudo - como se fosse uma cidadã de Beirute.

Logo se percebe que a comida árabe é saudável, farturenta, barata e, muitas vezes, nem suja vasilha. O pão e os charutos fazem o papel do prato e os dedos, dos talheres, o que se justifica pela não abundância de água, como temos por aqui. Imagine os viajantes no deserto com um panelão de vaca-atolada pra lavar?!

Adentrando pela despensa deles, vemos que de carne usam muito a de carneiro, mais que a de boi, cabra, aves e peixes. O porco, coitado, é proibido por questões religiosas (aqui é obrigatório!). Com as carnes, além dos quibes, esfirras, cozidos e assados, fazem muito a deliciosa kafta, espécie de massa de carne moída com temperos típicos, grelhada ou assada. Em Resende Costa o Vinícius do Tinô (Bequim da Carne) vende delas, inclusive numa deliciosa e curiosa versão de linguiça.

Verdura então é bem bacana: berinjela, abobrinha, cebola, tomate, pepino, salsinha e hortelã até dizer chega. Grãos: lentilha, grão de bico, trigo e gergelim. Especiarias: cardamomo, açafrão, canela, noz moscada, pimentas sírias e zaatar. Frutas secas: damasco, romã, figo, tâmara, ameixa e o pistache, aquele dentro da casquinha que vicia igual cigarro. Com tudo isso eles fazem um monte de guarnições maravilhosas: coalhada seca, tahine (gergelim), homus (grão de bico), babaganuche (berinjela), tabule (trigo), charutos de uva-repolho-abobrinha e, claro, os pães árabes, redondinhos e famosos. Cafés e doces dos melhores também.

Voltando lá no título, outro dia viajei novamente em busca das Arábias, mas só precisei ir até ali em Ritápolis, pertinho da nossa Resende Costa. Saindo da roça, passando pela Restinga, um caminho de terra lindo e fácil, cortando essa “Toscana” maravilhosa que é a nossa região do Campo das Vertentes, até chegar no Saliya.

Restaurante da melhor qualidade (não perde pra nenhum da capital), naquela pracinha pacata e bonita da matriz, ambiente bem agradável, atendimento simpático do dono e comida do outro mundo. É possível ficar só comendo e repetindo a entrada tradicional, com algumas guarnições dessas que falei, mini pães árabes e mais os quibões deliciosos e interessantes: eles vêm com um pequeno buraco no meio, pra você partir com a mão e rechear ao seu gosto, bem à moda raiz. No cardápio de preço justo, ainda tem opções não árabes e preparos com dias específicos, como o quibe cru e a esfirra aberta. Fechando com chave de ouro, um delicioso café com cardamomo de cortesia.

É muito bom ver coisa diferente, de longe – e dando certo - na nossa região, nas nossas pracinhas de interior. Isso é a prova de que o povo gosta de viajar, seja pras Arábias, pra Toscana, ou pra Ritápolis mesmo.

 

 

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