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Doce Mel

13 de Novembro de 2014, por Cláudio Ruas

Abelha fazendo mel, vale o tempo que não voou, já dizia Beto Guedes na sua bela música “Amor de Índio”, reverenciando o trabalho mais que sagrado das abelhinhas, nessa que talvez seja a transformação mais rica e doce que a natureza é capaz de fazer.

Só de imaginar que uma única abelha chega a “beijar” mais de trinta mil flores por dia, dá para dimensionar a complexidade da produção do mel, que se resume da seguinte forma: a abelha sai campeando atrás do néctar e do pólen das flores. Enquanto vai dando as beiçadas, ela guarda o néctar numa espécie de embornal, onde vai reagindo com enzimas. Chegando em casa ele é depositado nos favos, vindo a perder água, até virar mel.

A colméia parece uma fábrica organizada – e meio machista! Tem a rainha, a chefe do pedaço, as operárias trabalhadeiras (fêmeas) e os zangões (machos), que só querem saber de paquerar. As estruturas físicas contam com sofisticada proteção de cera e resina, que controla a entrada de inimigos, temperatura e umidade.

Vários são os tipos de mel, desde os mais claros e delicados, até os mais escuros e intensos, esses últimos mais nutritivos. Suas características dependem principalmente da florada. Seria como o tempero do mel, já que cada planta tem seu gosto.

Outro fator é o tipo de abelha. A maioria do mel brasileiro é proveniente das abelhas européias e das nervosas africanas ou africanizadas (cruzamento das duas), que foram trazidas para cá em função da alta produtividade.

Já as nativas do Brasil - e das Américas - costumam ser mais tranquilas, não dão ferroadas e são mais fáceis de lidar com elas. Como as da família das melíponas, silvestres, caso da jandaíra, das bandas da floresta amazônica ou do nordeste. Outra que vem ganhando fama, principalmente na gastronomia, é a jataí. Também produz mel de altíssima qualidade, tem propriedades medicinais diferenciadas, porém, produz menos quantidade do que as que têm ferrão. Entretanto, o preço do litro pode custar muitas vezes mais.

Mel cristalizado não é mau sinal. É bom. Indica que ele é puro e ainda tem garantida sua longevidade. Basta levá-lo em banho-maria depois. Armazená-lo em vasilha de boca larga facilita seu uso, pois permite que seja retirado com colher, mesmo solidificado.

No Brasil o mel ainda é muito usado devido aos seus incontáveis fins medicinais, porém, nos esquecemos de que ele também é um ótimo remédio na cozinha, um ingrediente e tanto.

A começar pelo fato de que é o grande substituto do açúcar, cada dia mais vilão da nossa saúde. O mel adoça deliciosamente os sucos, vitaminas e o abacate amassado. Entra bem na preparação de bolos, biscoitos e pães, além de dar um toque especial em molhos agridoces. Mesmo quem não gosta de colocar nada adocicado nas comidas salgadas, vai se encantar ao experimentar dar uma discreta pincelada de mel numa peça de costelinha de porco, antes de assá-la. Aproveite também para assar uma cabeça de alho inteira e com casca, até ficar macia. Depois corte uma tampa, tempere com pimenta do reino e uma gotinha de mel em cima de cada dente. Fica sensacional!

Do mel ainda se faz uma bebida alcoólica dos tempos medievais, o Hidromel, fermentada a partir da sua simples mistura com água. É muito bacana, dita como afrodisíaca (batizou a “lua-de-mel”) e volta a ser mais difundida atualmente.

O manejo humano na produção do mel – e seus irmãos própolis e cera - é uma atividade que vem crescendo, inclusive na nossa região. Além do lado financeiro, ainda se têm vantagens ambientais: diminuição da derrubada de árvores para extração das colméias naturais e estímulo da polinização das plantas da região.

Parte do que assuntei nessa nossa prosa aprendi com o Vadinho do Nenêgo dos Pintos, que sabia lidar muito bem com as abelhas e chegou a me fornecer mel de excelente qualidade. Infelizmente veio a falecer recentemente, mais uma vítima do nosso trânsito, que também faz seus estragos nas pacatas estradas de terra.

 

Mas como a vida é igual a uma colméia com seus ciclos, enquanto uns se vão, outros chegam. E no meu caso, um alguém muito especial, desde já muito amada e ora homenageada, minha filha Mel. Nosso doce mel.

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