Quando pensa que não, chegou o tal do Natal. E a história se repete, com a tradicional correria do final de ano, gastação desenfreada de dinheiro, trânsito intenso nas cidades e estradas, estresse, musiquinhas chatas, votos falsos e promessas adiadas para ano que vem. Tem também o lado bom, dos encontros e da programação das ceias e suas comidas, que, aliás, não precisam ser sempre do mesmo jeito.
Já assuntamos por aqui sobre o duelo “porco x peru”, na minha opinião vencido facilmente pelo fuçante. Mesmo assim ainda há espaço para o ciscante na mesa, principalmente se for preparado na televisão de cachorro. Ou então com alguns cuidados para não ressecar e, de preferência, sem aquele tempero pronto que vem de fábrica. Uma cama de legumes (cebola, cenoura, alho, salsão), ervas e vinho branco para deitar o bicho, uma laranja inteira furada e posta dentro bucho, além de um papel alumínio bem fechado por cima ajudam bastante no assamento, que deve ser em fogo bem baixo até tirar o papel para dar uma sapecada na pele. A mesma técnica vale perfeitamente para o querido pôico.
Comida de fim de ano tem que ser boa, afetiva e farta, mas também prática, para não dar muito trabalho e nem tomar o tempo da confraternização. Ela tem que se permitir ser preparada com antecedência e até mesmo ser servida fria, o que, aliás, combina com nosso clima de verão. Nosso Natal é tropical, sem neve e, portanto, não pode ser totalmente espelhado no dos outros. Nem mesmo os enfeites!
Uma opção interessante de comida fria a se servir é o tal do rosbife. Ao contrário do que imaginava quando era mais novo, não se trata de “arroz com bife”, mas de uma carne servida fria e fatiada finamente. Bom de ser feito com um filé mignon inteiro marinado com sal, ervas e vinho tinto seco, e selado numa chapa bem quente. Em seguida basta deixar esfriar, enrolar bem apertado no filme plástico e levar para geladeira ou freezer. Na hora de serviço, tirar o plástico, fatiar e servir com um molho de azeite com cebola roxa, limão e ervas, ou então um de mostarda escura com iogurte natural e cheiro verde. Ah, quem preferir a carne mais ao ponto deve levá-la ao forno por uns 15 minutos depois de selada. Embora o filé seja bem indicado pela sua maciez, o rosbife ainda pode ser feito com outros cortes, inclusive os de porco, como seu próprio filé. Com a única diferença de que não deve ser servido tão mal passado como o de boi.
Já que nas cozinhas de fim de ano o forno não fica sem serviço, é bom também aproveitá-lo para assar simultaneamente umas batatas variadas (inglesa, doce, baroa) como acompanhantes. Falando neles, uma farofa de couve com alho e banana e uma vinagrete com abacaxi e hortelã também têm tudo a ver com a ocasião. Como as passas são sempre usadas, não custa lembrar que elas ficam bem melhores se forem hidratadas previamente, de preferência com água morna e cachaça. E se não abrir mão de um arroz, que tal deixar para fazer um “arroz de ceia” no almoço do dia seguinte, usando as sobras da noite anterior, evitando ainda trabalho e desperdício?
Apesar de pensar que boa parte da ceia já poderia ser servida aos poucos, como tira-gosto, uma bela tábua com queijos mineiros curados, lombo defumado, amendoim e frutas frescas e secas é sempre uma ótima e prática opção. Pensando ainda em praticidade, gelar e servir as bebidas no gelo também ajuda bastante. Além de mais eficiente e charmoso, libera a pobre coitada da geladeira, bastante sobrecarregada nessa época.
Como sempre costumo dizer, a tradição tem sua importância, mas também tem muitas amarras indesejáveis. Já que se fala tanto em renovação nessa época do ano, nada melhor do que renovar parte dos nossos hábitos, não só em relação aos ingredientes e modos de servir, mas, sobretudo, em relação às práticas de consumo. Precisamos sair dessa armadilha de ter que comprar tantos presentes para tantas pessoas. Presentear pode ser algo muito mais simples e, ao mesmo tempo, profundo se comparado a um produto chinês vendido num shopping. Seja fazendo você mesmo um presente - que pode ser inclusive uma comida – ou então, como o próprio nome diz, estando “presente” de verdade na vida do presenteado. De preferência, o ano todo.
(Feliz Natal a todos, em especial ao meu querido tio Gilberto Pinto, que, como diz o mestre Rolando Boldrim, foi embora antes do combinado).