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Eu assisto TV de cachorro

11 de Fevereiro de 2015, por Cláudio Ruas

Tirando o programa Globo Rural - que nem parece que é da Globo de tão especial – e alguma outra coisinha, tenho visto pouco TV. Já o bom e velho rádio é o contrário, “assisto” cada vez mais. Até pela internet aproveito para ouvir aqui da capital a Rádio Inconfidentes de Resende Costa, sobretudo meu amigo Lourenço, que toca ao vivo sábado cedo a verdadeira música caipira, juntamente com o Leonel. Mesmo na cidade grande me sinto na cozinha da nossa roça ouvindo o programa deles. Mas a TV que me dá mais prazer em assistir mesmo é a “TV de cachorro”, com seus frangos dourados e suculentos, bailando no espeto e perfumando o quarteirão inteiro.

Esse forno que costuma ficar virado para rua (para que os cachorros possam assisti-a ele...) foi muito bem bolado: funciona a gás, tem capacidade de assar um galinheiro de frango de uma só vez e ainda consegue transformar por completo um frango de granja sem gosto em iguaria suculenta e saborosa. Além disso, preenche e socorre a mesa dos domingos com praticidade e baixo custo. Geralmente vem acompanhado de uma farofinha e/ou batatinha, essa última aproveita a parte baixa da TV - onde pingam os sucos e gorduras - para ser a coadjuvante do domingo.

A TV de cachorro tem o mérito de conseguir assar com calor intenso, porém sem castigar o assado. Daí a oportunidade de aproveitá-la para outros tipos de carne, sobretudo a de porco, o que felizmente temos visto muito por aí. O joelho defumado e a costelinha ficam perfeitos. E o peru de natal também começa a aparecer mais na TV.

Essa ampliação do uso forçou os fabricantes a produzirem modelos diferentes de forno, inclusive com grelhas no lugar dos espetos, como o do Bar do Antônio Geraldo em Resende Costa. Aliás, já comi costelinha por lá e duvido que se encontre igual em outro lugar, por um motivo especial: além da qualidade do porco, da carne ser bem temperada e assada, a costelinha era “da lata”, ou seja, preparada previamente e armazenada na gordura do porco. É o “confit de porc” dos restaurantes chiques franceses, cuja técnica deixa a carne com um sabor único e ainda facilita a vida do cozinheiro e do próprio bar, já que ela fica semi-pronta e não demanda geladeira para armazenar. Não entendo como até hoje bares e restaurantes não se aproveitam mais disso.

Interessante também é o fato de que as padarias foram perdendo a exclusividade no uso da TV de cachorro. Os próprios bares e até alguns restaurantes já o fazem, pois o assado também pode ser consumido ali mesmo, ao invés de ir somente para casa. Quer um tira-gosto melhor em uma mesa de marmanjos do que um frango inteiro destrinchado ali na hora? Lembro-me de que fazíamos isso muito no saudoso bar do amigo e grande cozinheiro Bieka, aos sábados de manhã. Certa feita, acabamos com dois frangos em cinco minutos, igual a um bando de hienas.

Mas quando sobra alguma coisa do frango a sua carne desfiada pode virar um colosso de coisa boa, desde recheio de pastel, omelete e sanduíche, até um risoto italiano com quiabo (adicionado ao final, já frito). Nesse caso, aproveita-se até mesmo a carcaça, que cai como uma luva na confecção do caldo de cozimento, que é a alma do risoto.

Como já assuntamos, os acompanhamentos tradicionais vendidos com os assados da TV de cachorro são a farofa e a batatinha. Perfeitos, porém, poderiam ser ampliados, como já vi em alguns lugares. Afinal de contas, boa parte dos consumidores que optam por comprar a carne pronta não está muito interessada em cozinhar naquele dia. E adoraria levar também um arroz com alho, um feijão tropeiro, um macarrão com molho vermelho, uma saladinha de tomate com couve fininha e até mesmo um chucrute.

 

Uma versão mais rústica e barata desses fornos, mas não menos interessante, é a churrasqueira a bafo, normalmente feita com um tambor adaptado. As fornadas rendem menos e são um pouco mais trabalhosas, porém o resultado é muito bom, graças ao gostinho da brasa e do seu abafamento. Mas como os assados ficam escondidos lá dentro, para os cachorros não funciona como TV. Está mais para rádio mesmo.

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