Já assuntamos por aqui que a descoberta do fogo foi um evento histórico e tanto para a humanidade. Graças a ele passamos a cozinhar os alimentos, o que permitiu um aproveitamento melhor da comida, inclusive liberando mais tempo para exercer outras atividades. Afinal de contas, o pernil do porco do mato assado no almoço equivalia a dois dias inteiros caçando, mascando e digerindo frutinhas, plantinhas e bichinhos crus. Sobrou então tempo e energia para pensar, inclusive, noutra brilhante e revolucionária ideia: a agropecuária.
A partir do momento em que o homem (e a mulher também, viu Dilma?) começou a domesticar os animais e, posteriormente, as plantas que consumia, criando-os ao seu redor, aí a coisa engrenou - até demais! Mas o fato é que a agricultura e a pecuária não só mudaram nossas vidas, mas até hoje as mantém. Graças ao trabalho incansável do homem do campo, que cada dia mais exerce sua atividade longe dos olhos do resto da sociedade, que por sua vez nem imagina como surgiu aquela comida empacotada que brota na gôndola do supermercado.
Em função desse tenebroso distanciamento é que vem a necessidade de se aproximar mais o campo da cidade, e uma das várias formas é através de uma exposição agropecuária. Embora o significado literal desse tipo de evento seja o de mostrar aquilo que se cria e se colhe no campo, com o passar dos tempos ele se tornou sinônimo de festa, de grandes shows, de “baladas universitárias”.
Longe de empunhar uma bandeira purista e radicalmente contra os novos costumes e demandas da sociedade – até porque há espaço para tudo e todos – mas é preocupante ver que as verdadeiras estrelas de uma festa agropecuária (o homem do campo, os animais e as plantas), têm ficado cada vez mais de fora da festa. Seja pela redução e menosprezo dos espaços reservados à verdadeira exposição de produtos, ou pela falta de atividades e serviços destinados ao aprimoramento das práticas do campo.
O produtor rural ainda se vê excluído dos shows, a começar pelos horários dos mesmos, tarde da noite ou até na alta madrugada, hora em que já estaria gritando vaca em seu curral. O homem do campo é um homem do dia. Não das baladas da noite. Daí a necessidade de se explorar mais o período diurno, o que também seria mais interessante para parcela do público da cidade, como crianças, idosos e família. Ainda mais em pleno inverno, com suas noites geladas e dias lindos e agradáveis.
Outro fator que afasta ainda mais quem é da roça é o alto valor dos ingressos, necessários para ajudar a custear os cachês milionários cobrados pelos novos donos do pedaço, os cantores “sertanejos”. Sem entrar no mérito do gosto musical, até porque fica difícil definir o que os “universitários que nunca foram ao sertão” têm cantado (uma mistureba de axé, forró e funk), mas é fato que cobram fortunas absurdas. E totalmente fora da realidade do nosso país e dos municípios, que investem milhares de reais por um show de uma hora de duração e outros tantos de milhares em uma festa que poderia e deveria dar muito mais retorno para a cidade. Não só financeiro, mas também cultural e social. O mesmo caminho pode tomar as festas dos povoados do município, caso não abram os olhos.
Como fujo da política tal como o Eduardo Cunha da cruz, faço questão de enfatizar que não se trata de um problema da administração vermelha, azul ou amarela. Nesse caso o buraco é bem mais embaixo, em âmbito nacional, político, econômico e cultural. Mas nada que impeça uma dose mínima de reflexão e ação por parte de quem enxerga – e se importa – com a problemática. A “solucionática” do Dadá Maravilha existe e pode ser encontrada, começando por pequenas mudanças e, principalmente, espelhando-se em outros eventos - não necessariamente agropecuários - que tem dado muitos frutos. O projeto Aproxima, que vem fazendo sucesso em Belzonte, é um bom exemplo.
Existe luz no fim do túnel, sobretudo diante da mais original tradição e paixão caipira que ainda resiste bravamente em muitos de nós. E que segue sua toada, devagar, tocando em frente... e no sentido oposto ao do camaro amarelo.