Se essa nossa prosa fosse sobre a desgostosa política brasileira - que já tomou conta dos noticiários policiais - certamente o título estaria se referindo à Polícia Federal. Só que não. O assunto aqui é mais gostoso, sobretudo quando vem com um ovo estalado em cima, com gema mole. É de “Prato Feito” que vamos hoje, fugindo da política, da ditadura do self-service e da “gourmetização” exagerada dos tempos atuais.
Desde criança presenciava por parte do meu pai e dos meus tios – em especial o João do Góes – uma adoração máxima ao PF, geralmente do boteco copo-sujo do centro da cidade, ou do restaurante caseiro da dona fulana numa beira de estrada. A descoberta de um PF bacana sempre foi assunto importante na pauta. O tempo passou, vieram os self’s services de inspiração americana, as comidas prontas, mudamos nossos hábitos alimentares e passamos a comer mais na rua, tendo inclusive maior acesso à chamada “alta gastronomia”. Cresci em meio a essa mudança, me apaixonei pela gastronomia e aos poucos vou aprendendo alguma coisa sobre ela. Uma delas é que o bom e velho PF é algo realmente especial. E que não pode se extinguir.
Entendo perfeitamente a importância do sistema self-service nos tempos atuais, pela sua praticidade, liberdade de escolha, redução de desperdício, entre outras. É uma forma interessante em muitos casos, inclusive para a cozinha do estabelecimento, que não fica refém dos pedidos. Porém, são inegáveis algumas desvantagens, como o fato de que a comida vai perdendo seu frescor, ou esfriando, ou cozinhando além da conta no bufê com o passar do tempo. O mexe e remexe, a exposição à contaminação e a variedade muitas vezes exagerada, que induz a uma mistureba de coisas que não combinam no prato, também não são legais.
Por outro lado, o PF, além de não sofrer desses males, já tem como ponto positivo o fato de que a cozinha está empenhada em elaborar poucas coisas, geralmente com o foco em um preparo no dia. O bife é feito (ou finalizado) na hora, assim como o ovo, um opcional de luxo que levanta muito prato. A comida é barata e bem servida, pois seu público principal é o trabalhador com fome. Por essas e outras é uma comida caseira, mais gostosa e que traz uma apetitosa carga emocional, porém, não dá trabalho algum. Nem de fazer o prato: ele é feito!
A composição do PF varia conforme o lugar e o dia da semana, mas pode-se dizer que o prato clássico brasileiro seria feito com arroz, feijão, salada de alface e tomate, bife e batata frita. Perfeito, inclusive do ponto de vista do equilíbrio nutricional. Em muitos lugares em Beagá esse seria o prato da segunda-feira, apesar de que obviamente os cardápios variam, não obstante se repetirem em muitos estabelecimentos. Na terça, pode ser uma rabada com batata e agrião. Quarta, frango com quiabo, seguido pelo tropeiro com costelinha na quinta e, fechando a semana com chave de ouro, a tradicional feijoada de sexta-feira.
Em Minas não costuma faltar a verdura de horta no PF, como ocorre em um dos meus favoritos, servido no Restaurante do Jorge Americano, no Mercado Central da capital: arroz, feijão, saladinha, couve, farofa e, como carne à escolha, um bifaço de fígado de boi acebolado. Vem com muita cebola suja de chapa e eu ainda peço para caprichar. A cebola do bife é um item essencial e glorioso de um PF de respeito.
Não poderíamos deixar de incluir nesse contexto a “refeição”, que nada mais é do que um PF desmembrado, que não coube em um prato só. Infelizmente ela tem sido cada vez mais difícil de se encontrar, até mais que o PF, que aliás vem sendo rebatizado de “Prato Executivo” em alguns restaurantes.
Não vejo problema em se tentar trazer para outros ambientes aquele alimento “simples” de que todos gostam. Isso é ótimo. Mas sou radicalmente contra pagar mais caro só porque tem um nome diferente, o que lamentavelmente tem ocorrido não só com o PF, mas com várias outras coisas (até chup-chup!). Eu não sou executivo e nem quero ser. Eu só quero comer bem. E com bife de fígado e bastante cebola, por favor.