Carrancas: preocupação com a sustentabilidade na exploração do turismo


Cidades

José Venâncio de Resende0

Igreja Matriz de Carrancas, localizada na praça central da cidade

A partir da década de 1990, o turismo surgiu como nova força da economia de Carrancas. Atualmente, existem no município cerca de 25 pousadas e hotéis-fazendas (em torno de 600 leitos), além de oito restaurantes, que recebem gente de diferentes partes do Brasil.

Até então, prevalecia na economia municipal a pecuária leiteira e, mais recentemente, surgiram grandes produtores de milho e soja. Essa mudança de perfil aumentou a preocupação com a melhoria das condições de acesso ao turista e o estímulo à educação ambiental para promover o turismo sustentável, como observa o prefeito José Raimundo dos Santos.

Carrancas (elevada à categoria de vila em 1938) pertencia a Francisco Sales (atual São Vicente de Minas) quando o Coronel Rozendo de Souza Andrade foi nomeado primeiro prefeito do recém-criado município, desmembrado de Oliveira (A freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Carrancas e sua história, Marta Amato, 1996). Também o médico Manoel Moreira da Silva Junior foi indicado prefeito de Francisco Sales, logo depois da Segunda Guerra Mundial (em 1946). Os dois políticos teriam batalhado, no exercício do cargo, pela emancipação de Carrancas.

A lei número 336 criou o município de Carrancas em 27 de dezembro de 1948, assegurando a sua autonomia administrativa e o direito de eleger seus próprios prefeitos e vereadores. Moreira foi nomeado intendente do município e o primeiro prefeito, Francisco Corrêa, foi eleito em 06 de março do mesmo ano pela União Democrática Nacional (UDN).

 

UDN e PSD - Naquela época, prevaleciam duas correntes políticas – a UDN, liderada pelo Coronel Rozendo e o Partido Social Democrático (PSD), chefiado por Mário Guimarães, conta Geraldo Albertino de Rezende, que foi vereador da primeira Câmara Municipal, instalada em 9 de abril de 1949. “A UDN era mais forte aqui, o pessoal daqui acompanhava os Andrada de Barbacena, que tinham muita influência em Minas”.

Os Ferreira (o Coronel Rozendo casou na família Ferreira) eram poderosos (família e fazenda grandes), mas eram “muito moles”, continua Geraldo. “O Manoel Moreira era mais decidido, ia a Belo Horizonte, conversava. O político tem que ter amizade, trazer coisas boas de fora”.

O Coronel Rozendo era padrinho de batismo de Manoel Moreira, que se tornou também uma espécie de afilhado político dele nas fileiras da UDN. Já Mário Guimarães era ao mesmo tempo amigo e adversário político de Moreira.

Os prefeitos eleitos depois da emancipação enfrentariam “problemas sérios”, pois o município era “quase que estritamente leiteiro” e a renda pequena “para se fazer o que não foi feito em 200 anos como freguesia, vila e distrito”, diz Marta Amato. Eram “verdadeiros heróis” que lutavam pelo progresso que estava ao longe, “depois das serras, nas cidades grandes: escolas, hospital, estradas, luz, água tratada...”.

 

Prefeitos - O primeiro prefeito, Francisco Correa, teve a “árdua tarefa de organizar a primeira prefeitura de Carrancas”, mas não terminou o mandato por ter sido cassado, assinala Marta. Eleito pela UDN, no meio do mandato ele “virou a casaca”, na expressão de Marcelo Moreira, e foi parar no PSD. O vice Tarley Ferreira de Souza, neto do Coronel Rozendo, cumpriu o restante do mandato (entre dezembro de 1951 e abril de 53). 

Em 1953, Manoel Moreira assumiu a prefeitura pela primeira vez. Fazendeiro (pecuarista de leite) das 4 às 10 horas da manhã, Moreira era médico no período da tarde e fazia política o tempo todo, lembra seu filho Marcelo. “Meu pai era o único médico da região, atendia a cavalo nas fazendas, ia onde o doente estava”.

Moreira foi colega de escola de Tancredo Neves no Colégio Santo Antonio, em São João del-Rei. E era aliado de Magalhães Pinto, adversário político de Tancredo – os dois conheceram-se quando Magalhães era diretor do antigo Banco Nacional em Belo Horizonte e o médico, mutuário do banco. “Aí nasceram a amizade e a fidelidade partidária”, conta Marcelo.

Prova disso foi a inauguração da Usina de Itutinga no Rio Grande, presenciada por Marcelo, então criança. Manoel Moreira foi apresentado ao então governador Juscelino Kubitschek (PSD) por Tancredo Neves, que anunciou o médico como um “político forte do Sul de Minas”. Então, o governador pediu a Tancredo para convencer o político a mudar de partido. Tancredo abraçou Moreira e respondeu: “Esta UDN é uma rapariga muito honesta”.

Em 1955, Mateus Ferreira de Andrade (UDN), neto do Coronel Rozendo, substituiu Manoel Moreira na administração da prefeitura. Os udenistas mantiveram-se no poder, com a volta de Moreira em 1959. Em 1963, houve nova troca de posições com Moreira devolvendo o cargo de prefeito ao também udenista Mateus.

Um novo nome e um novo partido surgiram em 1967: Domingos Custódio de Rezende, desvinculado das famílias tradicionais de políticos, elegeu-se prefeito pela ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido criado pelo regime militar para substituir a UDN.

O mandato-tampão de 1971-73 foi ocupado por outro novo político, Hely Andrade Alves, também da ARENA. Ele foi substituído por um político desconhecido, Honostorio Teixeira (ARENA), que governou entre fevereiro de 1973 e janeiro de 77. Hely voltou ao cargo em 1977 para mais um mandato.

Um dia, Marcelo Moreira encontrou na rua Rozendo Netto de Souza Andrade, ambos ainda jovens. As duas famílias estavam rompidas por divergências políticas. “Então, propus a Rozendo sairmos candidatos numa chapa única, para acabar com as pendências políticas.” O diretório do PDS (Partido Democrático Social), nova denominação da ARENA, aprovou a aliança e os outros partidos não lançaram candidatos. Rozendo e Marcelo (vice) administraram Carrancas no período de 1983-88.

Com a dissolução de ARENA e MDB, os dois partidos cederam políticos para uma ampla gama de legendas que surgia com o fim do regime militar.

  

Turismo - O ex-prefeito Hely Andrade voltou ao cargo em 1989, desta vez pelo PFL (Partido da Frente Liberal), sendo substituído em 93 pelo também ex-prefeito Rozendo Netto (PFL). Neste mesmo ano, faleceu o médico e político Manoel Moreira, poucos dias antes de completar 84 anos.

Então, surgiu um novo nome, desvinculado das correntes políticas tradicionais, José Raimundo dos Santos, eleito pelo PTB para o período de 1997 a 2000. A gestão de José Raimundo coincidiu com o advento do turismo em Carrancas. Em 1998, uniram-se Ivan Leite, Mário Guimarães e Marcelo Moreira para investir em turismo. Eles viram oportunidades de negócios nas riquezas naturais do município, como cachoeiras, serras, mirantes, plantas e grutas.

Assim, Ivan construiu uma pousada no centro da cidade. Mário transformou a própria fazenda em hotel-fazenda. Marcelo criou, a partir de seu sítio, um complexo turístico (pousada, restaurante, pesqueiro, passeio a cavalo, camping e cachoeiras). “No início, a gente colocava matérias em jornal, televisão e revista. Aí a coisa fluiu naturalmente e ganhou o apoio da internet”, lembra Marcelo.

A partir daí, empresários que visitavam Carrancas começaram a observar o potencial turístico e muitos decidiram investir no município. Assim, o município, cuja população caiu de cerca de sete mil para quatro mil habitantes, conseguiu estancar o encolhimento populacional devido ao turismo, observa Marcelo. “Uma fazenda de leite, por exemplo, pode ser tocada por dois funcionários. Um hotel-fazenda gera mais de 10 empregos.”

Depois de José Raimundo, o ex-prefeito Hely Andrade retornaria ao cargo (2001-2004) pelo PFL. Foi substituído por Magno Orlando Ferreira de Carvalho (PSDB), que ficou duas gestões à frente da administração municipal.

 

Plano diretor - A última eleição trouxe de volta o ex-prefeito José Raimundo dos Santos, desta vez pelo PMDB. O foco da nova gestão é a melhoria da infraestrutura de apoio ao turismo, em parceria com o setor privado, uma vez que o patrimônio natural (cachoeiras, por exemplo) está em propriedades particulares.

José Raimundo pretende buscar o diálogo com as lideranças da atividade turística e colocar à disposição do setor máquinas e equipamentos para melhorar as condições de acesso ao turista. Nesse sentido, o plano diretor para os próximos 10 anos é uma prioridade máxima da atual administração, segundo Anete Fernandes de Oliveira, secretária de Turismo e Cultura. “O potencial turístico de Carrancas requer um plano diretor”.

Por orientação do Ministério Público, foi criado, em 5 de novembro do ano passado, um comitê gestor para o acompanhamento do plano diretor do município. A primeira etapa de implantação do plano será a de conscientizar e mobilizar a população sobre a sua importância. A partir daí, a prefeitura começará a atuar, explica Anete.

O município de Carrancas foi muito ligado a São João del-Rei, no comércio, nos serviços de atendimento médico, hospitalar, advocatício etc., lembra Geraldo Rezende. “A Estrada Real, que levava a São João del-Rei, passava por aqui. A CEMIG é que nos separou; fechou os caminhos com a construção da usina hidrelétrica de Itutinga e da barragem de Camargos, na serra”.

Hoje, Carrancas está mais próxima de Lavras, embora ainda pertença à microrregião das Vertentes com sede em São João del-Rei.

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