Santa Cruz de Minas é considerado o menor município do Brasil, com área de 3,3 km2. Emancipada em 1995, a cidade tem cerca de132 oficinas artesanais, mas busca consolidar-se como centro turístico, para atrair os visitantes que fazem do município um corredor de passagem entre São João del-Rei e Tiradentes.
O antigo Porto Real da Passagem pertenceu à Vila São João del-Rei, antes de passar, em 1719, para os domínios de Tiradentes (então, Vila São José del-Rei), de acordo com o atual presidente da Câmara Municipal Alexandre Silva do Nascimento. Era passagem de bandeirantes paulistas em busca de pedras preciosas.
Alguns desses bandeirantes pararam no local para explorar ouro e mesmo para prestar serviços aos mineiros, conta Alexandre. Um deles foi Tomé Portes del-Rei. “Neste Rio das Mortes, nos fins do século 17 e princípios do século 18, assistia Tomé Portes d´El-Rei, paulista de Taubaté, (que) estabelecido com sua comitiva a fim de comercializarem comida, animais e serviços com os transeuntes vindos de outras localidades...”.
Tomé Portes tornou-se guarda-mor distrital (nomeado em 1701) e também exerceu a função de concessionário da travessia do Rio das Mortes, informa Alexandre. Esta passagem era feita por canoa e se cobrava um pedágio, o que deu origem ao nome de Porto Real da Passagem.
Em 1718, a Vila São José del-Rei obteve concessão de sesmaria de Dom Pedro de Almeida, governador da Capitania de Minas Gerais, de meia légua de terras que estivessem devolutas pelo Rio das Mortes para a parte de cima, como para a parte de baixo. Porto Real então passou a pertencer à Vila São José (Um Olhar sobre a construção identitária de Santa Cruz de Minas, História das Vertentes, Caderno 4, 2008, UFSJ – Organizadores: Betânia Maria Monteiro Guimarães, João Antonio Corrêa Filho e Murilo Cruz Leal).
Em 1735, seria construída a primeira ponte sobre o Rio das Mortes - a “Ponte do Porto” – cujo construtor ganhou o direito de cobrar pedágio pela sua utilização. “Foi o início do povoamento do Arraial do Córrego. Com o passar do tempo, toda a área partindo do Arraial do Córrego até o Porto Real da Passagem ficou conhecida como Porto Real e, mais tarde, apenas Porto”, segundo a publicação “Um Olhar sobre a construção identitária de Santa Cruz de Minas”.
A partir de 1910, Juvenal Augusto Chaves tornou-se representante do Porto junto à administração municipal de Tiradentes, como relata seu neto Ricardo Ezequiel Chaves, o Ricardinho Em 1915, Juvenal foi eleito vereador de Tiradentes, representando o arraial. “Ele foi autorizado a doar lotes para a construção de casas no distrito.”
Em 1917, Juvenal percebeu a necessidade de uma escola para o arraial. Inaugurada em 1922, a primeira escola, com o nome de “Escola Pública Rural Mista de Porto Real”, funcionou na casa de dona Maria José de Almeida, alugada pela prefeitura, no número 57 da atual rua Antonia Augusta da Silva.
Em 1929, Arnóbio Caldeira Franco, por intermédio de Juvenal, adquiriu terreno no arraial onde construiu um complexo empresarial constituído de serraria, marcenaria, cerâmica, olaria e fábrica de tintas cujo produto era exportado para outras cidades.
Novo nome
O nome Santa Cruz de Minas surgiu da necessidade de mudar a denominação do Porto, um dos três portos que havia no Rio das Mortes – os outros dois eram Tiradentes e Pombal -, porque era frequente a troca de correspondências deixadas nestes portos, explica Ricardinho. “Meu avô, Juvenal Augusto Chaves, Arnóbio Caldeira Franco e o coletor estadual em Tiradentes, Francisco Araújo, tiveram a iniciativa de mudar o nome de Porto para Vila Santa Cruz. Uma cruz de 15 metros de altura foi levantada onde é hoje a Praça do Cruzeiro (existe uma cruz menor no local).”
Outra versão para o nome é divulgada pela Prefeitura Municipal local, cujo texto relata que, em 29 de junho de 1937, foi celebrada uma missa campal em terreno doado pela Prefeitura de Tiradentes, quando houve a benção da pedra fundamental para a construção da capela de São Sebastião. Neste local, teria sido erguido um cruzeiro, onde hoje é a atual Igreja Matriz, que deu origem ao nome do município.
Em 1960, a Câmara Municipal de Tiradentes definia os limites interdistritais de Santa Cruz nos seguintes termos: “Partindo do Rio das Mortes na barra do córrego, sobe por este até atingir o ponto de cumeada da serra de São José, deste ponto obliquando à esquerda em linha reta até atingir a rodovia de São João del-Rei – Resende Costa, no ponto de entroncamento com a estrada que vai para as Águas Santas, por aquela rodovia até a cachoeira de Ponte Nova, no rio Carandaí pelo qual desce até atingir o rio das Mortes, subindo por este ao ponto aonde teve início a demarcação na barra do córrego com o rio das Mortes.”
Santa Cruz foi elevado à categoria de distrito em 30 de dezembro de 1962 (Lei Estadual nº 2.764). Segundo relatório da Câmara Municipal de Tiradentes, neste ano, havia no distrito 1.674 habitantes, 520 casas de único piso com telhas, duas casas com dois pisos, uma escola, um prédio cinematográfico, um clube de futebol legalmente organizado, 15 comerciantes, uma fábrica de banha, cerâmica e olarias, um campo de aviação, uma igreja, água, luz e telefone.
Emancipação
Em setembro de 1991, foi realizada uma reunião para discutir a emancipação de Santa Cruz de Minas, com a presença do então prefeito de Tiradentes, Nivaldo Andrade; dos vereadores do município, Luiz Sávio Moreira, José Antonio dos Santos (o “Padre”) e Wilson José Calçavara; e de integrantes da comunidade local. Neste encontro, foi formada uma comissão pró-emancipação presidida por José Antonio.
Em 15 de novembro de 1991, aconteceu um plebiscito pela emancipação do município, de acordo com a publicação “Um Olhar sobre a construção identitária de Santa Cruz de Minas”. A maioria dos moradores do distrito votou a favor da separação, mas a ideia não prosperou. A tentativa da comissão organizadora, de anexar ao futuro município as localidades de César de Pina e Águas Santas, encontrou resistência entre os moradores vizinhos que preferiram continuar vinculados a Tiradentes.
Em abril de 1995, teve início novo movimento pela emancipação de Santa Cruz de Minas, desta vez restrito apenas aos limites do distrito. O pároco padre Claudir Pôssa Tridande e 21 pessoas reuniram-se no salão da Paróquia de São Sebastião, entre comerciantes, políticos e outros representantes da comunidade. Neste encontro, foi formada a comissão organizadora constituída pelo então vice-prefeito de Tiradentes, Ricardinho (presidente); José Maria do Nascimento (vice-presidente); José Antonio dos Santos (secretário) e Geraldo Magela Muffato (tesoureiro).
A partir desta reunião, a comissão começou a trabalhar na busca de informações que atendessem às exigências para a emancipação. De acordo com documentos em posse de Ricardinho, foi constatada a existência de 6.226 habitantes (censo de 1991 do IBGE); 3.229 eleitores (até 03/02/1995, conforme a Justiça Eleitoral); 2067 casas de moradia; 1.638 residências com energia elétrica da Cemig; 107 terminais telefônicos da antiga Telemig; 88 prédios comerciais e duas indústrias (Mineração Omega e Cal Writh); Escola Estadual de 1º e 2º graus Amélia Passos; centro de saúde, cemitério; delegacia; prédio para a administração municipal; correio; quatro caixas d´água para abastecimento e rede de esgoto municipal; dois clubes de futebol; igreja matriz (o distrito era paróquia desde 1985); cartório de registros; Rádio Emboaba AM; e Associação dos Moradores Pró-Melhoramento de Santa Cruz de Minas.
De posse desta documentação, um grupo de 377 eleitores (da 256ª Zona Eleitoral), residentes e domiciliados no distrito de Santa Cruz de Minas, enviou à Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais um requerimento de abertura do processo de emancipação, com vistas à criação do novo município. Em 26 de maio, foi publicado no Diário Oficial do Estado o “requerimento de emancipação nº 138/95”, do deputado Ajalmar Silva, que encaminhava ao presidente da Assembleia Legislativa a documentação necessária.
Indicado relator do projeto de lei da emancipação, o deputado Dilzon Melo solicitou uma reunião para discutir aumento da área territorial do novo município, de 3,3 km2 para 15 km2. Este encontro aconteceu no dia 2 de junho, com a presença do deputado Ajalmar; prefeito de Tiradentes, Nilzio Barboza; vice-prefeito Ricardinho; presidente da Câmara Municipal, José Maria de Jesus; secretário da Câmara, Geraldo Fonseca; vereadores Jorge Bosco Dias, Airton Fernando Silva, João Vicente dos Santos, Afonso Maria Ligorio da Cruz e Reinaldo Aparecido Noronha; pároco padre Claudir; José Antonio e Geraldo Magela (respectivamente secretário e tesoureiro da comissão organizadora). Foi assinado um “protocolo de intenções e compromisso” pela ampliação da área territorial, que acabou não sendo necessário ao se concluir a regularização dos documentos.
Novo plebiscito
Em paralelo ao processo burocrático, uma ampla campanha foi realizada entre moradores e eleitores a favor do “Sim”, no plebiscito de 22 de outubro que decidiria o destino de Santa Cruz de Minas. Padre Claudir participou ativamente da campanha, segundo o jornal são-joanense Correio do Município (1ª Quinzena de outubro de 1995). “Padre Claudir hoje é a figura mais popular e mais dinâmica na luta para alcançar a emancipação do nosso querido e amigo Porto Real, hoje Santa Cruz de Minas.”
Em entrevista ao jornal, padre Claudir falou sobre a importância da independência de Tiradentes: “Acontecendo a emancipação, nós teremos mais condições de desenvolver, de criar a nossa história, de fazer a nossa história construindo um município bom de se viver, um lugar onde possamos ter todo saneamento básico, água, esgoto, toda a estrutura para que a comunidade possa ter uma qualidade de vida como educação, saúde, segurança e tudo mais que poderá vir com esta emancipação”.
Também o empresário Geraldo Magela Muffato, membro da comissão organizadora e um dos líderes do movimento, falou ao jornal sobre a luta pela emancipação: “O momento para a emancipação é agora ou nunca. (...) Sei que quando passarmos a cidade, não vai ser fácil. O trabalho vai ser árduo e por isso vamos precisar do apoio de todos. Temos que ter muita dedicação do povo e daqueles que irão administrar a nova cidade”.
Em 11 de novembro, foi publicado no Diário Oficial do Estado a emancipação de Santa Cruz de Minas. O município, com área territorial de 3,3 km2, passou a fazer divisa com Tiradentes e São João del-Rei. A lei de criação de Santa Cruz (nº 12.030) foi sancionada pelo então governador Eduardo Azeredo em 21 de dezembro de 1995, que se consagrou como aniversário da cidade.
Diferente dos outros municípios, Santa Cruz de Minas não ganhou de imediato um intendente nomeado pelo governador do Estado, conta Ricardinho. O município permaneceu vinculado à administração de Tiradentes até o final de 1996 quando houve nova eleição.
Prefeitos
O ex-vice-prefeito de Tiradentes e membro atuante no movimento da emancipação, Ricardinho, pertence a uma família de políticos. Seu avô, Juvenal, foi vereador de Tiradentes, representando o distrito, no início do século 20. Seu pai Ricardo Augusto Chaves, foi vereador e vice-prefeito de Tiradentes. Ricardinho, antes de tornar-se vice-prefeito, foi vereador em Tiradentes por quatro gestões, como representante do distrito de Santa Cruz na Câmara Municipal.
Da comissão organizadora da emancipação, saiu o primeiro prefeito de Santa Cruz de Minas. José Antonio dos Santos, com Jorge Bosco Dias de vice, foi eleito pelo Partido da Frente Liberal (PFL) para o período de 1997-2000, tendo conseguido a reeleição para mais uma legislatura.
Em 2005, assumiu o novo prefeito Paulo César de Almeida, o Didico da Ambulância, eleito pelo Partido Social Cristão (PSC), que tinha como vice José Alberto do Espírito Santos. José Antonio voltou à administração municipal em 2009, desta vez pelo Partido Progressista (PP), em coligação com o Partido Democrático Trabalhista (PDT) que indicou o vice Weriton José de Andrade.
A eleição de 2012 foi vencida por Sinara Rafaela Campos, do Partido dos Trabalhadores (PT), em coligação com o Partido Verde (PV) que indicou o Aldo Batista da Silva.
Aspectos econômicos
O artesanato é uma das principais fontes de riqueza da economia de Santa Cruz de Minas. Levantamento realizado em 2007 aponta a existência de132 oficinas artesanais, envolvendo aproximadamente 500 pessoas, de acordo com Marcos Justino da Silva, conselheiro fiscal da Associação Comercial, Industrial e Artesanal de Santa Cruz de Minas (ACIASC). São 90 pequenas marcenarias (móveis de madeira de demolição) e cerca de 30 oficinas de artesanato em metal, ferro e chapas (lustres, lampeões, móveis, castiçais, paneleiros etc.). Também existem cerca de 12 oficinas de produtos como cerâmica, móveis de eucalipto com fibra de taboa e namoradeira.
Outros empregadores de mão-de-obra no município são a Mineração Omega, a Cal Tiradentes, a Prefeitura e estabelecimentos comerciais como supermercado, confecções, lojas e bares.
Os produtos artesanais são vendidos basicamente para lojistas do eixo Rio-São Paulo, mas o Sul do Brasil desponta como novo mercado, conta Marcos Justino. As vendas para turistas ainda são limitadas, embora existam atrativos como visitas guiadas à área de proteção ambiental (APA) Serra de São José e o próprio “fazer artesanal” (o turista presenciar a confecção das peças) que poderiam incrementar os negócios no município.
O desafio está em conquistar a união dos empresários locais, para promover o desenvolvimento do município (mais renda e empregos), afirma Paulo Roberto França, presidente da ACIASC. O problema é que Santa Cruz transformou-se num corredor entre São João del-Rei e Tiradentes - “o turista passa direto e, para segurar o turista por mais tempo, é preciso um trabalho dos empresários em parceria com o setor público municipal”, complementa.
O presidente da associação integra o Conselho de Turismo, instituído em janeiro deste ano pela administração municipal. Um dos objetivos do Conselho é conquistar o ICMS Turístico e desenvolver diretrizes para o planejamento do setor, informa a chefe de Cultura e Turismo Betânia Resende. Esta iniciativa deve contemplar a criação de uma feira de artesanato, para inclusive melhorar a divulgação dos trabalhos, um dos maiores gargalos na visão de Paulo França.
Outra medida foi a ativação do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural, existente desde 2008 (Lei nº 552, de 25 de novembro), com o objetivo de sugerir políticas públicas para resgatar a história de Santa Cruz de Minas. A ideia é fazer com que as ações dos dois conselhos sejam complementares, conclui Betânia