Tradição, história e arte na semana santa de Senhor dos Montes


Cultura

José Venâncio0

A representação acontece em um palco em frente a Matriz

Há dez anos, toda sexta-feira da semana santa no fim da tarde, moradores da Paróquia Bom Jesus do Monte reúnem-se num palco improvisado em frente à matriz, próximo ao Cristo Redentor (cerca de 350 metros acima do centro de São João del-Rei), para assistir à representação da paixão, morte e descendimento da cruz de Cristo, encenada pelo Grupo Teatral Senhor dos Montes (GRUTSEM) – Luiz Bonifácio Produções Artísticas. Ao lado do Cristo morto nos braços da mãe ao pé da cruz, a comunidade local ouve o sermão das sete palavras proferido pelo pároco – atualmente, o padre Ilton de Paula Resende - e logo depois participa da procissão do enterro que percorre várias ruas do bairro.

A apresentação no bairro Senhor dos Montes, com os atores devidamente caracterizados, começou em 1998, justamente quando foi criada a Paróquia, diz Luiz Bonifácio da Silva Lucas. ‘Com a criação da paróquia, a capela se tornou matriz com o nome de Bom Jesus do Monte para fazer jus ao Senhor Bom Jesus do Monte lá de Portugal. Existe uma história de que esses bairros de nome Bom Jesus, que existem em São João del-Rei, surgiram da devoção dos portugueses. Então, nós nos colocamos no ´triângulo da santíssima trindade´ – Bom Jesus do Monte; na outra ponta, Bom Jesus do Bonfim e na outra extremidade Bom Jesus de Matozinhos’.

Desde o início da paróquia, o ator Fernando de Souza faz o papel de Cristo na encenação. ‘O Bonifácio me chamou e eu fiz outros personagens, como Pilatos, até que passei a fazer o papel de Cristo. Foi importante para mim porque, ao mexer com teatro, eu voltei a ler e a escrever. O teatro faz com que a gente fique mais desinibido e ajuda muito no dia a dia, principalmente fazendo o papel do Cristo. Para mim, o importante na hora de fazer o papel do Cristo é tentar passar a mensagem para as pessoas’.


35 anos de teatro

Há mais de 35 anos o GRUTSEM faz apresentações de teatro (dramas bíblicos, principalmente na época da quaresma e da semana santa; dramas não-bíblicos e até mesmo comédias) e inclusive produz vídeos e filmes (‘histórias gravadas em cenários naturais em volta de São João del-Rei’) e atua na televisão local, diz Luiz Bonifácio. ‘Produzimos nossas histórias com artistas anônimos – pessoas que gostam da arte – e ninguém ganha nada’. Em geral, as apresentações são feitas no Teatro Municipal, como o drama bíblico ‘Jesus: Eis o Homem’ que foi destaque nos dias 4 e 5 de abril passado.

Antes de Fernando, outros atores fizeram o papel de Cristo, conta Bonifácio, ‘como o Ezequiel Dias, que nós chamamos de Zinho, o Mário Alves, o João Bosco de Assis e diversos outros. Uma ocasião, uns 20 anos atrás, nós apresentamos um Jesus negro no Teatro Municipal. Foi uma coisa assim que causou um grande impacto e até mesmo emoção, porque parece que o pessoal já se acostumou com o Jesus de pele clara’.

Também no Teatro Municipal foram apresentadas outras histórias, lembra Bonifácio. ‘Nós levamos peças religiosas e profanas. Já fizemos, por exemplo, uma história sobre as lendas de São João del-Rei. Nós traduzimos a parte lendária para o teatro e apresentamos no Teatro Municipal. E já apresentamos lá a história da Chica da Silva, de Diamantina.’


Menor matriz?

Ao mostrar o interior da antiga capela, o sacristão da Paróquia Senhor Bom Jesus do Monte comentou que ali se encontrava uma das duas menores matrizes do Brasil. Dúvida à parte, o morro onde a antiga capela foi construída tem outra característica. ‘É nesse morro que brotou a cidade de São João del-Rei’, diz Bonifácio. ‘No século XVIII, os colonizadores portugueses vieram costeando pelo rio do Porto (nome pelo qual é conhecido o Rio das Mortes), encostando depois pelo Senhor dos Montes no ribeirão São Francisco Xavier, onde acharam ouro à flor da terra. Então, no princípio do século, construíram essa igreja com pedras da região - os escravos traziam as pedras no lombo para construir a igreja, que se tornou a matriz.’

Além do teatro, Luiz Bonifácio desenvolve outras aptidões e atividades. ‘Eu sou apaixonado pela arte, aprecio todas as artes. Dou minhas pinceladas, gosto de fazer alguma coisa principalmente no que toca ao barroco’. Tanto que suas pinturas sobre o barroco mineiro estão espalhadas por toda a casa. Bacharel em Letras na Universidade Federal de São João del-Rei, já foi professor e radialista (em rádios de Barbacena e São João del-Rei) e atualmente exerce o papel de jornalista comunitário. ‘Também escrevo meus livros. Hoje, tento transformar esses livros em histórias para o teatro’. Além disso, escreve ‘O repórter são-joanense’, jornal de modelo pequeno que trata de cultura.