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Peculiaridade

17 de Agosto de 2022, por João Bosco Teixeira

Era lá em Assunção. As reuniões do Mercosul Educacional haviam terminado. Tínhamos chegado a um acordo sobre o credenciamento de universidades dos quatro países que dessem diplomas de graduação válidos para todo o Mercosul. O clima era de comemoração. Aconselhados pelos paraguaios, dirigimo-nos a um bar/restaurante. No ambiente campestre, o arvoredo quase impedia acompanhar o movimento da lua. No entanto, a noite estava bonita como uma fruta. Além da nossa comemoração, o local acolhia gente, abundando pelos espaços para comemorar alguma outra coisa.

A presença de um conjunto musical, que cantava alegremente, caracterizou melhor aquela noite. Um participante da banda, sabedor de que havia brasileiros presentes, dirigiu-nos palavras amistosas, em português razoável, mas sotaqueando. E anunciou um samba em nossa homenagem. Apesar da boa vontade, o samba saiu bem quadrado. Isso não impediu que aplaudíssemos, agradecidos, dada a dificuldade que tinham com nosso ritmo peculiar.

Ao depois, porém, voltaram a cantar suas melodias paraguaias, cheias de simplicidade, num espanhol, muitas vezes guaranizado, o que os enche de orgulho. Afinal, o guarani também é língua oficial no Paraguai, ao lado do espanhol. Como não podia deixar de ser, as guarânias se sucediam. Cantavam com absoluta naturalidade, transpirando alegria nos rostos arredondados. E, então, foi-nos fácil concluir: o samba que cantaram para nós era bem melhor que as guarânias que cantamos por aqui. Cantam com absoluta leveza, suavidade, e quase não se percebe a marcação do tempo. Nosso cantar da guarânia costuma ser marcado, duro, priorizando o ritmo. Tão marcado e tão duro quanto duro e marcado o samba que eles nos ofereceram.

Pessoas ligadas à música sabem que nós, latino-americanos, pensamos executar bem as valsas de Strauss. E pode até ser. Mas interpretá-las como os vienenses, inútil esforço. Para nós, as valsas são compassos ternários e ponto. Para eles, são livres expressões de melodias leves, em ternários, sim, não porém comandadas pelos três tempos. Os tempos são soltos, superados. Imperceptíveis.

A título ainda de caracterizar o típico de cada gente na sua fala, lembro-me da vice-presidente do Paraguai, àquela época a que me referi. Ela havia feito o mestrado em Educação na Universidade de Brasília. Apesar da convivência com os brasileiros, não conseguia diferenciar o “O” nas palavras: avô e avó. Fazia todo esforço e tudo era “AVÔ”, bem fechado. Desanimada, só encontrou consolo quando observou que nós, brasileiros, não conseguíamos pronunciar o “Y” que aparece, por exemplo, na palavra Ypacarai. O “y” tem um som gutural que para a maioria esmagadora dos brasileiros é impossível emitir.

Guimarães Rosa, o viajor juramentado que, para bem narrar uma viagem, quase que tinha necessidade de inventar a devoção de uma mentira, põe na boca de um de seus personagens: “Debaixo do alheio um homem não se rege”.

O que é típico de um povo ou é seu, ou é de um povo que não é.

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