Faz tempo que eu não lembrava dezembro. Este mês de compras, trânsito ensandecido e corrido de Belo Horizonte. Não que eu não estivesse atravessando por esse mês nos últimos anos. Fiquei sim meio sedado nos fins de 2022 e 2023. Questões de perdas familiares, luta insana e concentrada em tão pouco tempo. Seis meses de luta e de morte. Três partidas para sempre. Esse número trino, da ordem da Trindade, e outro múltiplo dele. Três partidas deixando atrás de si vazio e saudade. Mãe, irmã e irmão dando adeus à vida, a esta vida que vemos e sentimos diretamente neste plano.
Após os silêncios decretados – e eu aqui depois do silêncio –, passei por dois dezembros. Terminando o ano de 2022, um mês após o terceiro falecimento lá em casa, e todos nós entorpecidos. Terminei o que tinha por fazer aqui na capital e fui direto para ficar ao lado do meu pai, que então passou a viver sozinho na nossa casa no interior. Tenho mais cinco irmãos, porém todos casados e com suas vidas familiares outras constituídas. Fui para ficar com ele, como sempre tenho feito em fins de semana, incluindo-se algumas sextas e segundas que com esses fins de semana se emendam.
Em dezembro de 2023, idem. Envolvido com questões administrativas da universidade, busquei findar os trabalhos, e lá fui ficar com o meu pai. Retornei depois de alguns dias do Natal para passar o Ano Novo na casa de uma amiga. Tudo muito intimista, principalmente a estada com o meu velho.
Desde quando eclodiu a pandemia da Covid-19 no início de 2020 no Brasil, já fui me colocando mais recluso. Isso para uma mania já de reclusão anterior a tudo. Por isso os dezembros caseiros, ainda mais num momento em que quase todos nós buscávamos nos proteger e proteger aos demais. 2020 e 2021 – nem fui para a casa dos meus pais no interior. Já idosos eles, tive receio de por lá aparecer.
Há duas semanas venho passeando pelo trânsito de Belo Horizonte. Estou ainda preso ao meu trabalho (tão cedo não tirarei férias) e existente nesta vida. Não sei se se pode chamar de passeio o que venho vivenciando. Tenho saído de casa por necessidade. E, também por um imperativo, já fui duas vezes a shoppings. Não sou dado a compras, muitos menos em tempos natalinos. Mas desta vez urgiu que eu saísse para comprar algumas coisas: um presente para minha sobrinha-neta, um conjunto de roupa para uma criança residente num abrigo de menores, lembranças para colegas da escola onde trabalho e outras coisas afins. Isso sem falar das idas e vindas entre minha casa e meu trabalho.
Com a grande maioria das escolas já sem aula (exceto a minha, que é do âmbito federal e fez greve), as ruas deveriam estar mais leves, mais descontraídas, menos sufocantes. No entanto, tudo muito louco, insuportável. Carros que não param onde deveriam, setas que não são dadas, pessoas que dirigem como se a rua fosse somente delas, jovens inconsequentes em alta velocidade, engarrafamentos que não se explicam senão pelo excesso de automóveis. E, quando se anda mais um pouquinho, percebe-se que nada está ali adiante para ser um obstáculo. Apenas excesso e excesso sem fim: de carros, de pessoas, de movimentos que, mesmo desbaratados, não deixam de ser apertados. E ainda por cima chuvas – porque as chuvas em Belo Horizonte fecham os horizontes do movimento. Bastam bátegas sem vergonha, fraquinhas de nada, e tudo se convulsiona. Não há Cristo que aguente a situação. Calvários variados continuam a nos atravessar.
Eis este dezembro de 2024. Luzes em casas tantas, luzes nos olhos de quem muito deseja, principalmente ser feliz. Luzes nos faróis de carro entre água e tempo com certa neblina. Mais a poeira que nos atordoa – não falta gás carbônico para respirarmos. Numa fotossíntese às avessas, somos plantas em combustão. E como queimamos feito lamparina em pavio! Somos tomados de esperança. Vestidos da espera do que não se vê, mas daquilo em que se crê. Pois cremos piamente que a vida vale a pena, apesar de tudo.
E assim também eu, planta entre outras plantas no meio deste concreto entre casas e prédios, também sonho e esperanço. No meu prédio e nas portas dos apartamentos dos meus vizinhos, bolinhas de Natal me dizem vida e mais vida, alegre e triste sempre.
Mônica Baêta Neves Pereira Diniz - 05/01/2025
Querido amigo e poeta Evaldo, obrigada por mais um presente, que traz até a mim, sob a forma de palavras poéticas, em que pese ser uma prosa (crônica), pois seu texto é sempre (eternamente) poético. Você também é luz, que alumia e transparece na vida de muitas pessoas, como para o infante carente de carinho a quem você presenteou neste último Natal. Esteja sempre (como um) presente na vida de sua família e, também, de seus amigos queridos do coração! Gratidão!