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Para (não) incomodar

23 de Outubro de 2024, por Evaldo Balbino

Nas portas dos quartos de hotel, duas frases numa placa. De um lado: Favor arrumar o quarto. Do outro: Favor não perturbar. Na verdade, são quatro frases, pois um país carece não ser ilha, e mais de uma língua se impõe aos transeuntes das diferentes geografias. Americanizadas, nossas portas de quartos de hotel no Brasil também levam timbre em inglês. Assim, nossos olhos do mesmo modo veem e leem as frases, grafada cada qual num dos lados de outra placa: Please, clean de roon. Please, do not disturb. Português e inglês, diferentes, mas iguais e complementares.

Comumente as encontro, a essas quatro frases. Nunca me acostumo com o tom de fala impositiva delas. Impositiva sim, a despeito das expressões educadas que nelas habitam: favor e please.

Escondido nestas palavras, um desejo de dar ordens num espaço que, não sendo nossa casa, faz-se nosso momentaneamente. Como pedir isto constantemente (arrume, não perturbe, clean, not disturb), se a limpeza constante não se faz necessária?!

Não me atrevo a pedir todo santo dia que camareiros arrumem o aposento em que pouso, sem que haja necessidade. Por acaso limpamos assim nossas próprias casas? Falo aqui dos que não temos empregadas ou empregados domésticos.

Aliás, por falar nessas profissões, vemos em muitas pessoas a mania de dizer “secretária do lar” em vez de “empregada doméstica”. Nessa exagerada preocupação com o “politicamente correto”, acabam por demonstrar, mesmo que sem intenção, um preconceito absurdo. E é justamente no seio desse preconceito é que vemos muitos hóspedes abusando dos serviços dos funcionários que limpam quartos de hotéis, hospedarias, pousadas.

Tenho duas toalhas limpas no quarto, e até agora usei apenas uma, somente uma ou duas vezes: pedir que troquem a toalha usada para quê? Tomei banho apenas uma ou duas vezes no banheiro: limpar o recinto para quê? Se a lixeira do banheiro ou do quarto praticamente não tem quase nada ainda de papel ou qualquer outro lixo, por que é necessário que seja esvaziada se está quase vazia?

Há exagero e abuso quando as nossas mãos apenas dão ordens e nada fazem. Vejo nisso, repito de outra forma, a balda de suserania e vassalagem que atravessa um país já tradicionalmente tomado por sujeições, às quais uns poucos expõem a maioria que, consideram, é subalterna.

Nesse meu afã, entretanto, de não querer explorar ninguém, passei por uma “tragédia” outro dia.

Hospedado num hotel de Aracaju, trabalhando muito e ao mesmo tempo degustando o delicioso e quente litoral sergipano, decidi num dos dias ficar no quarto mesmo. Tomei o café da manhã olhando para a orla, pessoas andando leves sobre a areia. Em seguida voltei para o quarto pensando em trabalhar sob os cuidados de um ar-condicionado amoroso. Deixei dependurada na porta a placa em português (porque sou brasileiro, sim senhor!) com a frase dada à leitura: Favor não perturbar.

Antes da labuta no notebook, tive a necessidade de ir ao banheiro para me entronizar no vaso sanitário e depois tomar um banho. Confiante na placa tão comunicativa e clara, não fechei a porta do banheiro. Eis que, num repente, a porta do quarto se abriu. Vi a sombra de uma pessoa que entrava no aposento.

Pelado como vim ao mundo, levantei-me do vaso, e mais que rapidamente fechei a porta do banheiro com mãos ágeis. Ainda bem que a distância era curta! Do contrário, eu seria flagrado explicitamente na minha nudez, num momento um tanto constrangedor.

“Desculpe, senhor!” – esta era a voz envergonhada da camareira, já dentro do quarto e do lado de fora do banheiro. Envergonhada ela, envergonhado eu.

Não sei exatamente o que os seus olhos viram. Tinha percebido que eu era um homem apenas pelas minhas mãos? Vira mais alguma coisa?

Saiu do quarto repetindo o pedido de desculpa, e isso diante do meu silêncio entronado.

Voltei atônito para o meu trono, e nele fiquei quieto, sobressaltado, com o sentimento de que os perigos dos olhos nos espreitam em momentos tão delicados.

Para não incomodar nenhum funcionário, acabei sendo incomodado, ou melhor, flagrado em cima do vaso. O que deu naquela mulher para não ter lido a placa?

Depois do banho, fui conferir. Lá estava a frase certa rente à porta: Favor não perturbar. Antes eu tivesse colocado em inglês! Assim, talvez, ninguém abriria a porta.

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