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Perdoai-nos!

30 de Agosto de 2024, por Evaldo Balbino

Tudo pode ter início com o fechar de olhos. Porém até mesmo os olhos abertos não deixam de meditar no sagrado, porque todos os corpos são atravessados por uma luz invisível. Uma luz que se pode escutar, que se pode sentir como se sente o frio que nos arrepia. Essa luz tem corpo, e o frio que nos causa é quente, fazendo ela acenderem-se os pelos, tornando o nosso corpo mais leve. Quase que levitamos. Acontece uma luta entre essa luz e a lei da gravidade. Se não fôssemos deste plano terrestre, se não existíssemos nesta matéria, levitaríamos por certo.

Há os que consideram tudo isso fenômeno psicológico, criação da fantasia de pessoas fanáticas. Pois digo que não é assim. Se há fanatismos, e eu acredito neles, há aquela comunhão tão profunda, que nossos corpos, nossas mentes e nosso espírito – tudo é uma coisa só, existindo para louvar e para desejar o que se louva.

Na igreja, quer cantando hinos, quer ouvindo testemunhos dos feitos sagrados nesta existência miúda e por isso mesmo imensa, quer ainda orando em silêncio ou em voz alta, o fiel em comunhão é um todo sem divisões. O corpo treme, a voz tem prazer, os sentidos são tocados por algo maior e tão carne deste mundo. A alma tem corpo e o corpo tem alma. O prazer e a dor são confundíveis. O torpor se casa com o fascínio e com a exuberância da existência total.

Nos rituais, a mente ao mesmo tempo solícita com as coisas deste mundo e de outro. O coração simultaneamente preocupado e bonançoso. Nos ritos, o risco de Deus nos corpos e o riso da vida arranhando a morte. Essa inscrição rasura o que não aceita a vida, o que quer vê-la na ausência de si mesma.

Assim os cultos. Aqueles momentos em que o gado de Deus se reúne e roça os chifres entre si. Todos os corpos sendo a mesma coisa: ausência almejando presença. E todos, todos na experiência, mesmo que fugaz, da plenitude divina e humana.

Sei que existem sim os ciscos nos olhos de todos, mas isso também nos torna mortais merecedores de toda essa glória.

Um vendo no outro a roupa decotada, como se tal vestimenta fosse pecado. A própria ideia de pecado ela mesma, muitas vezes, um equívoco profundo e de longa data na história humana. Aquele outro, alguém pensa, não é crente de verdade. Fulana não fica com um homem só. Coitado daquele senhor, pois bebe muito e não consegue controlar o vício. Aquela, nem se fala: fica o dia todo falando mal dos outros e agora está aqui dando uma de santa. O seu Plínio, só Deus na vida dele, pois não pode ver rabo de saia que endoidece! Viram o filho da beltrana? Pois ele não vem mais na igreja. A Gertrudes pensa que nos engana com esse ar de beata. Aquele menino chora demais da conta e não deixa ninguém ouvir a pregação. Será que o futebol de amanhã vai dar pé? Ah se eu acertar na loteria! Se eu ganhar, vou dar dinheiro aos pobres como Jó ficou pobre feito eu...

Durante todos os cultos, essa miscelânia de pensamentos e sentimentos. Ora mais, ora menos. Às vezes nada. Ou até mesmo tudo. Nas bocas, os louvores; nas mentes, os lavores interminavelmente humanos e falhos e belos. Existir é mesmo tudo isso, graças a Deus!

Existimos e pensamos, julgamos e somos julgados, desejamos e odiamos, adoramos e perjuramos, somos discretos e opiniosos... É justamente por tudo isso que somos perdoados. Não tem como existir o perdão, se não há o que ser perdoado.

É tão bom ser assim! E saber que sempre podemos encontrar em nós um limite, uma falha, uma aresta que é importante existir. O que faríamos se fôssemos autossuficientes? Pobres de nós! Perderíamos a nós mesmos dentro de nós. Louvado seja Deus por isso!

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