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Descartável

28 de Junho de 2023, por José Antônio

Tenho dificuldades em aceitar o descartável. Considerar alguma coisa como descartável é assumir o seu fim. Se algo é descartável é porque pode ser jogado fora. Quer dizer, acabou!

Para mim, as coisas continuam numa outra esfera. Caneta velha, por exemplo: recolhi uma porção minhas e de meu pai, canetas bonitas e elegantes, mas que não escrevem mais. Descartáveis? De modo algum. Dei uma polida nelas e mandei fazer uma moldura com um fundo de veludo vermelho. Ficou uma pintura. Decoração de primeira.

Quer um outro exemplo? Copo de água mineral, desses de plástico. Pois é, dizem que é descartável. Pois eu ajuntei mais de cinquenta, todos eles de marcas diferentes, nenhum repetido, e os coloquei numa estante. Virou coleção.

Você até pode achar que estou cultivando manias, mas tem gente que vai além. Uma amiga minha juntou todos os dentes de leite do seu filho durante o período em que eles iam caindo na troca da dentição. Deu um brilho nos mastigadores cadentes e mandou fazer um colar. Ela mesma usa o colar, exibindo aquela dentadura inocente em seu pescoço. Fica parecendo canibal inofensivo, mas tudo bem. É uma forma de mostrar que o descartável é uma questão de ponto de vista.

Não estou apregoando aqui o politicamente correto, até mesmo porque eu discordo do politicamente correto. Prefiro o bom senso. Não é uma questão de preocupação ecológica, é mais do que isso. É questão de criatividade. Se a gente consegue ser criativo, então a gente nunca deixa morrer.

Em casa, sempre me pego lavando colheres e copos de plástico depois das refeições, armazenando sacolinhas de supermercado, estocando caixinhas de papelão... E tudo isso eu reaproveito!

Até mesmo esse lixo musical da nossa mídia mediana, que todos dizem que é descartável. Ainda bem que essas tentativas medíocres de canções não são descartáveis. Um dia elas serão reaproveitadas... para se mostrar como não se faz música.

Nem o nosso corpo é descartável. Rins, retinas, coração, medula, sangue... olha quanta biologia reaproveitada em outros corpos. Às vezes, nem é preciso que uma pessoa morra para que alguém aproveite algumas peças do seu corpo. Não são peças recondicionadas, mas funcionam bem.

Ontem eu tomava um café com rosquinhas em companhia de Tia Zenóbia, minha vetusta e filósofa ancestral. Reparei que Zizica, sua empregada há décadas, colocou fora da casa uma sacolinha de lixo.

Quando fui embora, não vi mais a sacolinha. Mas pude ver, quase virando a esquina, um cachorro de porte grande levando a sacolinha na boca. Com certeza, ele achou ali dentro alguma coisa que valia a pena e iria conferir num canto sossegado.

Se houvesse uma campanha nacional em defesa do reaproveitamento do descartável, o mascote seria o vira-lata. Esse tipo de cachorro sempre soube que o descartável é uma questão de ponto de vista.  

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