Nunca duvidei de três coisas quanto ao Mário Márcio: ele é meu amigo, ele toca maravilhosamente o violão, ele é teimoso. Pois o meu teimoso violeiro amigo conseguiu desovar uma situação indigesta que quase arrebentou as cordas do seu intestino. Tudo por causa da teimosia.
Estávamos em casa depois das aulas Marcos eu e o Mário. Era tarde e o Mário cismou de fritar um ovo.
– Mário, já vai dar meia-noite...
– E daí? Ovo é ovo de dia e de noite. Além disso, não tem geladeira aqui e esse ovo está dando sopa há semanas. Se não for agora, é nunca mais. Não vou desperdiçar esse ovo.
Tentei uma última ponderação:
– Antes, vamos colocar o ovo numa panela com água. Se o ovo boiar, então ele está podre.
O Marcos encheu uma caçarola e mergulhou o ovo. Ele voltou à tona rapidamente. A operação foi repetida e, mais uma vez, o ovo boiou. Marcos ainda achou ânimo para dar uma explicação da física quanto ao fenômeno do ovo boiativo... mas o Mário insistia em comer aquele ovo que tinha despencado da cloaca da galinha numa semana já perdida no tempo.
– Mário, o ovo está até meio verde.
– Tem ovo que é assim mesmo.
Nem mesmo uma curetagem no zigoto convenceria o meu amigo. Em poucos minutos, o ovo estava frito. Cheirava bem e mal ao mesmo tempo. Mário comeu e ainda jogou catchup por cima. Depois foi tocar violão.
No dia seguinte, o destino deu um show de ironia e sadismo. Mário ganhou, no Assis Resende, um bolo que uma aluna fez especialmente para ele. O confeito foi levado para nossa casa depois das aulas. Porém, o Mário não conseguiu comer. Contorcia-se de dor, estava pálido, pontadas no abdômen... era o ovo podre! Nem queria olhar para o bolo. Marcos sugeriu que ele passasse catchup no bolo, quem sabe?
O negócio foi parar no hospital. Com isso, Mário pegou um afastamento... um período mais ou menos igual ao que a galinha leva para chocar um ovo.
Quando retornou, teve que conviver com aquela coisa de provar que focinho de porco não é tomada nem Tratado de Tordesilhas é tarado atrás das ilhas: a escola toda jurava que a menina do bolo era terrorista e a menina do bolo jurava que jamais pensou em matar o Mário.
Meu amigo veio me procurar para saber como ele se sairia daquela.
– Deixe pra lá, Mário. Se mexer com isso, não vai demorar e você terá uma granja só de ovo podre.
O tempo passou. Um a um, fomos saindo de Resende Costa e seguindo outros rumos. Quanto a mim, jamais fiquei sabendo quem é a menina do bolo. Caso você esteja lendo essas linhas, menina do bolo, saiba que jamais teve culpa de coisa alguma. Foi tudo culpa do ovo podre.
... mas o Mário ainda insiste que a culpa foi do catchup.
Ovo podre
14 de Fevereiro de 2011, por José Antônio