De um ponto de vista

Francisco, Papa

25 de Janeiro de 2024, por João Bosco Teixeira 0

Recebi de um grande amigo a mensagem abaixo.

“Tenho minhas diferenças com Papa Francisco e suas fantasias pt-peronistas; mesmo assim, rezo por ele todos os dias. Mas, douto presbítero João, estaria ele impedido, pela nossa Santa Madre Igreja, de abençoar em particular um casal homoafetivo sincero?

Respondi ao prezado amigo:

Sim, enquanto o Papa fala de uma simples bênção, não faz nada diferente do que Jesus faria. Mas, em se tratando de conceder uma bênção matrimonial, Francisco já não pode fazer isso. Francisco é o “presidente” de uma instituição. Ora, instituições têm suas leis, sobretudo aquelas que se dizem de origem divina. E Francisco, como maior mandatário, tem que levar isso em consideração. Além do mais, nosso querido Papa falando de uma simples bênção já apanha tanto, imagina se...

É assim. Francisco tem se apresentado como uma pessoa radicalmente tocada pelo seguimento de Jesus. A linguagem que utiliza em todos os seus escritos nada tem de apologética, de combate a heresias e outras conversas. É uma linguagem “pastoral”, isto é, de “pastor” preocupado com o atendimento das necessidades das “ovelhas”.

Um dia Francisco escreveu sobre a “felicidade”. Um texto extraordinário, de alguém que conhece profundamente o ser humano, rico e pobre, certo e errado, constante e inconstante, alegre e triste, vibrante e deprimido, desesperado e esperançoso, religioso e indiferente. Um texto muito rico. Numa linguagem sem dogmatismos, sem verdades preconcebidas, sem definições que nada definem. Quando tomei conhecimento desse texto, perguntava-me: que papa PIO, ou BENTO, ou LEÃO, ou qualquer outro escreveria daquela maneira? Talvez um JOÃO XXIII ou JOÃO PAULO I. Não sei se outro. Um jeito de falar que não exclui ninguém, aproxima as pessoas, deixa-as livres porque consoladas, esperançosas porque sem paradigmas aprisionadores.

Vejo Francisco como pastor; ele sabe que seu título maior é aquele de Bispo de Roma; e porque Bispo de Roma, aí sim, Papa, primaz entre todos. Como pastor, Francisco é capaz de enxergar bem e menos bem, é capaz de distinguir com maior e menor precisão, de se deixar levar por bons e maus ventos, até mesmo de se deixar influenciar por conselheiros diversos e, então, ter opiniões nem sempre favoráveis a quanto muitos pensam. No pastoreio nada é definitivo, porque as situações são as mais variadas. O pastor está sujeito a tudo quanto pode acontecer com um pastor que conhece suas ovelhas. Não é infalível, porque se trata sempre de gente. E ele é pastor de toda gente “de boa vontade”.

Então, mesmo com “suas fantasias pt-peronistas”, como dizia meu amigo, entendo que nosso Papa anda muito nas pegadas de Jesus. E se, em nossa Igreja, tantos há que não o aplaudem, não só, mas que o criticam abertamente, a cada um desses cabe sempre a pergunta: quais pegadas você segue, em que luz as segue, movido por quais intenções e interesses?

Francisco, Papa, nunca se esqueceu de que ele é aquele JORGE BERGOGLIO, arcebispo de Buenos Aires.

HERZOG ressuscitou em CLERISTON CUNHA

20 de Dezembro de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Chegamos ao fundo do poço. Ou será ainda mais embaixo?

O fundo do poço acontece quando já não há a quem recorrer. Todos os recursos desaparecem e lá se instala a incerteza absoluta, o abandono, a salvação impossível.

Estamos assim. Rasgou-se a Constituição. Ainda outra vez, com a nomeação de um político para STF (Supremo Tribunal Federal). Mas isso não muda nada, porque no Supremo existe um justiceiro nacional, intocável, ninguém acima dele. Mesmo sozinho é absoluto.

Tenho convicção: ele não só não pode estar só como, tudo indica, está a serviço de alguém maior que lhe dá sustentação. Além da conivência de comparsas do STF.

Um grande advogado, segundo dizem, sem o devido respeito à Constituição, foi alçado ao Supremo, antes de lá chegar o político. Não consigo entender como advogado de tal calibre seja capaz de compartilhar habitação com o cidadão que se fez mandatário maior do país, ditador absoluto no poder judiciário, plenipotenciário e possuidor de todos os demais adjetivos que signifiquem um poder acima de qualquer poder, uma divindade soberana sobre qualquer dos seres humanos. Advogado ilustre a conviver com grandes desmandos ofensivos às leis penais do país.

Nasci em tradicionalíssima família mineira, em que o poder paterno era soberano, até certa idade dos filhos. Vivi, criança, aquela muitas vezes simpática ditadura getulista. Já adulto, vivi a ditadura militar, com alguns entreveros junto ao poder constituído. Apesar de toda a experiência adquirida e vivida com ditaduras, não consigo suportar as atitudes do STF, que parece acovardado diante da figura de um de seus componentes, que se comporta como polícia, militar e civil, como advogado e como juiz, a um tempo só.

Sou tomado de profunda, amarga, sofrida vergonha. Um dia, por causa da Covid-19, tomei contato direto e definitivo com minha finitude. Sei da proximidade de meus dias históricos. Nunca imaginei vivê-los em tão intensa vergonha. Que dias são esses em que acontece um povo governado pelo desgoverno do absolutismo judiciário, a mais nefasta das ditaduras?

Cleriston morreu. Não. Deixaram-no morrer, impiedosamente, conscientemente, complacentemente.

No momento em que escrevo estas linhas, talvez, muito talvez, o poder judiciário já tenha revisto sua postura. Não acredito, porque o plenipotenciário parece tomado por um poder da pior qualidade, poder que o cega, o destitui mesmo de qualquer sentimento humano. Chego a imaginar que ele não sente, não tem culpa, porque tomado por arrasadora doença mental.

Nesta hora, Castro Alves vem-me à mente irresistivelmente:

 

Mas que vejo eu aí... Que quadro damarguras! É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ... Que cena infame e vil...

 Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

Dizei-me vós, Senhor Deus,

Se eu deliro... Ou se é verdade.

Herzog ressuscitou em Cleriston.  Para glória de uns poucos. Para a vergonha de toda uma nação que se diz republicana e democrática.

Rezar o Advento

04 de Dezembro de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Estamos em pleno ADVENTO. Para aqueles que o celebram, ouso oferecer uma rica página. Trata-se de um texto do Cardeal Tolentino Mendonça, português inspirado, que tem ajudado tanta gente com sua linguagem singela e profundamente pastoral. 

“Advento, tempo de espera. Não apenas de um dia, mas daquilo que os dias, todos os dias, de forma silenciosa, transportam: a Vida, o mistério apaixonante da Vida que em Jesus de Nazareth principiou.

Advento, tempo de redescobrir a novidade escondida em palavras tão frágeis como nascimento, criança, rebento.

Advento, tempo de escutar a esperança dos profetas de todos os tempos. Isaías e Bento XVI. Miqueias e Teresa de Calcutá.

Advento, tempo de preparar, mais do que consumir. Tempo de repartir a vida, mais do que distribuir embrulhos.

Advento, tempo de procura, de inconformismo, até de imaginação para que o amor, o bem, a beleza possam ser realidades e não apenas desejos para escrever num cartão.

Advento, tempo de dar tempo a coisas, talvez, esquecidas: acender uma vela; sorrir a um anjo; dizer o quanto precisamos dos outros, sem vergonha de parecermos piegas.

Advento, tempo de se perguntar: há quantos anos, há quantos longos meses desisti de renascer?

Advento, tempo de rezarmos à maneira de um regato que, em vez de correr, escorre limpidamente.

Advento, tempo de abrir janelas na noite do sofrimento, da solidão, das dificuldades e sentir-se prometido às estrelas, não ao escuro.

Advento, tempo para contemplar o infinito na história, o inesperado no rotineiro, o divino no humano, porque o rosto de um Homem nos devolveu o rosto de Deus”.

O Cardeal Tolentino escreveu esta preciosa página, de beleza até literária, ainda antes de ser feito cardeal pelo Papa Francisco.

De tudo bastar-me-ia isto: Um homem nos devolveu o rosto de Deus.

Que assim seja para todos, com os melhores votos de Feliz Natal e Ano Novo cheio de Graças.

 

Vergonha nacional

22 de Novembro de 2023, por João Bosco Teixeira 1

Quero falar de uma notícia alarmante. É verdade que falar de notícias alarmantes, no Brasil de hoje, é chover no molhado. Cada dia, sob os mais variados pontos de vista, relativos à mais variada temática, somos enxovalhados com novidades desconcertantes, muitas vezes até ofensivas à Constituição.

No dia 4 de novembro p.p., fui tomado de verdadeiro estupor com o conteúdo do Editorial de O TEMPO. Referia-se tal Editorial ao resultado de pesquisa realizado por Leonardo Sales, da UnB (Universidade de Brasília), relativo ao Exame Nacional do Ensino Médio – Enem. Eis o que ali se dizia: “Para cada quatro jovens da classe média, um consegue ser bem sucedido no Exame, enquanto somente um, em cada seiscentos estudantes pobres, consegue atingir o mesmo sucesso”.

Quem dera os dados não fossem reais! Esta, no entanto, parece ser uma hipótese nula. Os dados são mesmo os enunciados. Tanto isso é verdade que o jornal, noutra matéria, ao falar sobre a ansiedade que costuma assaltar os estudantes às vésperas do exame, recomendava: “manter alimentação leve, evitando comidas diferentes do habitual; fazer atividades físicas leves para evitar contusões; assistir a um filme, ler um livro, fazer uma caminhada; conversar com a família e amigos; evite (sic) entrar em grupos de discussão sobre o Enem para evitar estresse; não fazer estudos intensos; se sentir necessidade, revisar anotações e mapas mentais; ter uma boa noite de sono no dia anterior; durma (sic) cedo e acorde (sic) cedo”. Convenhamos: típicas recomendações cabíveis para estudantes da classe média.

Que vergonha! O Enem a consagrar a exclusão dos pobres.O Enem a ratificá-la. A proclamá-la, com todas as letras. O Enem a garantir que aos nossos governantes, não apenas aos atuais, interessa, sim, a pobreza; interessam, sim, os pobres, mantidos com bolsas e bolsas. Nunca tivemos, na esfera nacional, um Governo que tenha feito opção radical pela educação e a consequente extinção da pobreza. Governos, porém, que se dizem socialistas devem estar muito envergonhados. Ou não, pois com tais governos pobres não morrem de fome. E, também, não deixam a faixa da pobreza.

Busquei saber quanto o Governo gasta com esse exame nacional. Não sei se cheguei à conclusão certa de que a taxa de inscrição não paga os custos totais. Ficam faltando muitos milhões.

Ora, o citado pesquisador da UnB “revelou que fatores socioeconômicos, como renda, estrutura da escola e rede de ensino frequentada têm um peso de 85% no resultado de quem faz o Enem”. Se assim é, por que, então, antes de gastar milhões com o Enem não se gastam milhões para adequar e aparelhar as estruturas para a melhoria de tais fatores socioeconômicos? O Enem aconteceria em igualdade de condições para todos. Por que excluir, já na chegada, parcela notável da população?

Não imagino senão uma resposta para tal indagação: aos governos socialistas não interessa eliminar a pobreza. Como ficariam tais governos sem os pobres, que lhes garantem os votos necessários para sua manutenção no poder?

Estou acometido de enorme vergonha. É que, repetindo, devido aos fatores socioeconômicos, “Para cada quatro jovens da classe média, um consegue ser bem sucedido no Exame, enquanto somente um, em cada seiscentos estudantes pobres, consegue atingir o mesmo sucesso”.

Vergonha nacional.

Dois de Novembro

25 de Outubro de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Celebrar a morte é celebrar a vida.

Não sei se faz sentido refletir sobre esse absurdo filosófico, “quando a morte de cada um já está em edital”. Quando se sabe que “O homem não nasceu para morrer. Mas para viver sua vida como um poema, sempre nascendo e renascendo”.

É verdade que a morte está o tempo todo acontecendo, sob mil pontos de vista. Mas a vida também acontece, sob mil pontos de vista.  É que elas são inseparáveis.

Faz-me muito sentido celebrar a morte, dado que ela se constitui na única verdade histórica incontestável, ainda que entendida como “o grande silêncio”, o que nos leva todos a dizer sobre ela: “sei que não sei, de nunca”. Faz-me sentido celebrá-la, pois “a morte pertence à vida, assim como o nascimento”. Vale celebrá-la porque isso significa celebrar o mistério, em que toda nossa vida está envolvida. Vale celebrá-la para que o mistério permaneça: ninguém sabe nada sobre o depois da morte, nenhum falecido jamais voltou para dizer-nos algo sobre o depois. E a manutenção desse mistério é a mola motriz de nossa existência. Soubéssemos algo sobre o que nos acontecerá depois da morte, a vida se tornaria insuportável.

É preciso celebrar a morte, isto é, celebrar a vida.

Não há que confundir, porém, refletir sobre a morte, um momento da vida, com o falar sobre os mortos. Nesses não convém falar, pois “ficar calado é que é falar deles”. E se viemos ao mundo para ter saudades, fiquemos com a saudade, feita de lembranças que só na morte se reencontram.

Há pessoas cujas vidas se alentam na contemplação da morte. Elas sabem que “a morte só retira os limites: o pequeno eu se dilui e retorna ao Uno”; elas sabem que a morte é o limiar da eternidade, momento definitivo diante do qual nada pode se desvanecer, nem a esperança, nem a felicidade, nem a visão de uma face desfeita em lágrimas. Tais pessoas sabem do mistério da morte, como expressão do mistério da vida. E não lhes convém da morte retirar o mistério porque acreditam que a morte seja a superação definitiva do mistério. São pessoas que se indagam por que não falar sobre a morte, se passamos a vida gritando “sim” ao eterno. Além do mais, são pessoas apaixonadas pela liberdade, pelo processo de libertação. E confiam, e esperam, e acreditam que com a morte a liberdade será plena, e a transcendência se dará na participação do ato criador do Deus que lhes move a vida. Para tais pessoas, com a morte passa-se do Deus sobre nós, para o Deus em nós. Para elas, a grande verdade é aquela lindamente proclamada por Guimarães Rosa: “a morte é o sobrevir de Deus, entornadamente”.

Não se morre uma vez apenas, nem de vez.

É preciso, por isso, ir morrendo, isto é, ir superando, já em vida, o que a morte vai consagrar: a total ausência de luta pelo poder, a suma desqualificação da vaidade, a absoluta ineficácia de alguém se julgar maior e melhor que outrem e qualquer outra manifestação de que “eu me basto”.

No entanto, mesmo pessoas com tais propósitos de vida, indagam como, em plena vida, introduzir o definitivo da morte.

O grande Tostói dizia que “A morte é um despertar” e “o amor atrapalha a morte”. Isto é, o amor não deixa a morte ter a última palavra, porque tudo o que há no universo, na vida, é fruto do amor criador. O morrer significa que a pequena parcela de amor que se possa ter retorna para a fonte universal e eterna do amor. É preciso, pois, não deixar morrer o amor, pois morre-se ao perdê-lo.

A vida de muitos de nós começa a ir do dia para a tarde. Talvez valha alimentarmo-nos com o pensamento do inesquecível Agostinho de Hipona: “Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em Ti”.

Viver a morte para celebrar a vida.