Vinte anos do Jornal das Lajes
26 de Abril de 2023, por João Bosco Teixeira 0
Vinte anos de um jornal, não são vinte anos de uma praça, de uma estrada ou de qualquer outra obra física. São vinte anos de crença, de confiança, de perseverança e trabalho.
As atividades culturais, sujeitas a contratempos e imprevistos, geradores de possível desânimo e descrença, exigem verdadeiro e heroico desafio por parte de quem vive o projeto e a execução de um jornal com atividade ininterrupta. É preciso, então, comemorar os vinte anos do Jornal das Lajes com alegria e entusiasmo e congratular-se com seus idealizadores e consequentes mantenedores.
Sem deixar de cumprimentar os numerosos colaboradores que mantiveram o Jornal nas suas 240 edições, apraz-me cumprimentar aqueles que, hoje, quando as dificuldades não são menores que antanho, mantêm esse jornal, orgulho de uma cidade interiorana.
Vanuza Resende, multifacetada nas suas matérias, mantém o público a par do esporte; preocupa-se com tudo, desde o estádio – que me recuso a chamar de arena – até às melhores notícias esportivas, regionais e nacionais.
João Magalhães volta-se, com frequência, para a política nacional.
Bruna Moura Barbosa e Adriano Valério Resende não deixam despercebido o cuidado para com o meio ambiente.
Vitória Cristina ocupa-se, com expressiva propriedade, da educação e de outros que fazeres da vida quotidiana.
Evaldo Balbino, José Antônio Oliveira de Resende, Regina Coelho, com sua pena magistral, garantem uma artística leitura da vida plena. Plenitude literária na riqueza de sua expressão cultural, histórica, biográfica, educacional, humorística. Esses artistas da palavra produzem, a cada edição do Jornal da Lajes, páginas memoráveis.
José Venâncio de Resende, que dizer, ou, que não dizer? É escritor que ilustra qualquer periódico nacional e mais, seja pela variedade de suas matérias, seja pela invulgar qualidade produzida. A cada mês o Jornal das Lajes se enriquece com sua diversificada presença. Um verdadeiro expoente.
Outros numerosos colaboradores, valorosos e competentes, levam o Jornal das Lajes por todo lado, com suas duas mil tiragens. E nada da vida resende-costense passa ignorada.
Os Editoriais do Jornal proclamam a seriedade com que a empreitada é levada adiante.
A colaboração publicitária dos vários setores da comunidade, e de um que outro lugar, garante a distribuição gratuita da edição. Algo admirável e testemunha da preocupação com a cultura vivenciada pela população.
Hoje, sem nenhuma desconsideração para com qualquer outra pessoa, vale lembrar ROSALVO PINTO por sua identificação com o Jornal das Lajes e com sua terra natal. Ainda na edição de fevereiro passado, Rosalvo foi homenageado por Floriza Beatriz de Sena Paula. Para quem o conheceu, nada a dizer. Para quem não o conheceu, as palavras seriam pobres para descrevê-lo. Felizes nós que com ele convivemos, aprendemos e enfrentamos a vida.
Resende Costa tem, nos vinte anos do Jornal da Lajes, soberbo testemunho da cultura de seus onze mil e poucos habitantes. Ela é, pois, merecedora de muitos aplausos.
Salve, Jornal das Lajes! Viva Resende Costa!
Cotidiano
29 de Marco de 2023, por João Bosco Teixeira 0
Era uma criança nos meus felizes oito, nove anos. Comentava com um padrinho que o dia da semana que mais apreciava era o sábado. Ele me entendia e me disse: “Você nasceu em dia de sexta-feira com os pés no sábado”. Nasci mesmo numa sexta-feira, de Dores, na antevéspera do Domingo de Ramos. Gostei do que meu padrinho falou: “É isso mesmo”, reagi, “o sábado deixa a gente livre e até o que tenho para fazer no sábado é mais alegre e mais feliz.” E era quase que só divertimento: ausência de aula, futebol, empinar estrela, passear com papai pelas beiradas da cidade e convivência aumentada com os irmãos. Sábado era bom demais. Os sábados eram dias que não cabiam dentro do tempo.
Já crescido, adolescente, novamente uma conversa semelhante com um dos superiores do seminário em que me encontrava. Falávamos de nossas vidas diárias, desenvolvidas também nos feriados e nas numerosas festas que invadiam de entusiasmo e alegria o internato. Aqueles dias em que a gente “mal enxergava as pessoas, só supunha”. Lá pelas tantas, o superior, gente fina lá de Santo Antônio do Amparo, me disse: “Gosto mais é do dia a dia; do corriqueiro dos dias comuns em que a vida é sem percalços ou com os percalços comuns da vida”.
Aquilo me chamou a atenção. Cresci e pouco a pouco fui me convencendo de que somos seres do cotidiano. É no dia a dia que se estabelece a comunidade de vida. Comunidade de comunhão e não de dominação, comunidade de libertação e não de escravidão. Lembra-me tanto Guimarães Rosa: “Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegres mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo... alegre nas profundezas”. E isso pertence ao cotidiano. É nele que lemos o mundo nos olhos do outro. Tudo aí se torna signo, sentido, poema. O dia diferenciado, a festa, pode empanar o essencial da vida. Essa é feita de simplicidade, sem complicações ou com as naturais complicações da vida, vez que o homem não nasceu para morrer, mas para começar. Nasceu para viver sua vida como um poema, sempre nascendo e renascendo. No todo dia. No cotidiano.
O cotidiano não me cansa. A festa, às vezes, sim. O cotidiano me faz inúmeros desafios. A festa apenas os celebra. O cotidiano me tranquiliza. A festa me excita. O cotidiano me ensina que não é desonra ser vencido. A festa, às vezes, me leva a recusar-me a combater, iludido pelos festejos fugazes. Enfim, o cotidiano me lembra até que o amor não é um momento na vida, mas a revelação de seu sentido, pois cria exigências, provoca crises, mas traz o gosto de viver. Na festa, o prazer. No cotidiano, a vida.
O melhor da festa é esperar por ela. Isto é, o melhor é o cotidiano que gera a festa.
CNBB
01 de Marco de 2023, por João Bosco Teixeira 0
Dia oito de janeiro passado ficou marcado como um dia de vergonha nacional. Gente que há dois meses se postava pacificamente nas portas dos quartéis do Exército, por todo o país, repentinamente resolveu invadir as três grandes sedes dos “antigos” três poderes nacionais. Antigos, porque agora temos um único poder, ao qual se submetem os outros dois.
Além de ter sido um ato que envergonhou o país, muitos não entenderam por que se chegou àquilo. Os fatos posteriores esclareceram muitas questões. Outras serão esclarecidas. E não devidamente punidas, é lógico. Ou parcialmente punidas. Ou, melhor ainda, discriminadamente punidas.
Entre as organizações que se mostraram abismadas com os fatos e se manifestaram pedindo “responsabilização no rigor da lei”, encontra-se a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
A CNBB é uma organização de direito privado. Organização da hierarquia da Igreja Católica. Fala pelos bispos brasileiros sem tirar de nenhum deles a autoridade própria que cada um possui. É uma instituição que busca harmonizar as atividades pastorais em nível nacional. Tem obtido, ao longo dos anos, muito êxito. Conta com o apoio de parte notável dos bispos, que, às vezes, se constituem em grupos diferentes, frente à visão pastoral que da Igreja se pede. Não se constitui como essencial à vida da Igreja, muito menos essencial ao “Seguimento” de Jesus. Os fiéis, na sua grande maioria, veem a CNBB como organização importante, a respeitam e buscam ouvi-la.
Como organização, a CNBB tem pleno direito, e até mesmo autoridade, para se manifestar sobre a vida nacional em suas variadas manifestações. Foi o que ocorreu, após os fatos do dia 8 de janeiro.
No entanto, de meu ponto de vista, considero um “risco” muito grande tal manifestação. Em primeiro lugar, por não se ter esclarecido a quem imputar a culpa das invasões. Quem estava por trás daquilo? Certamente, não os pacíficos ocupantes das portas dos quarteis, nos meses anteriores. Mas, muito mais que isso, considero um risco por não ver outras manifestações da CNBB frente a fatos muito mais sérios que ofendem a celebrada “opção preferencial pelos pobres”, fatos ultrajantes da democracia e outros, qual o retorno da censura no país.
O risco da “omissão”, do “silêncio”, da “contradição”, e até mesmo da “hipocrisia” frente a outros fatos vergonhosos deveria ser considerado pela CNBB. Ela não fala pelos fiéis, mas estes a respeitam e acreditam nela. O respeito que os fiéis têm pela CNBB não admite dela manifestações “escolhidas”, segundo visões ideológicas, responsáveis pelas divisões entre o episcopado brasileiro. Relativamente aos fatos do dia 8, será que a CNBB aprova os procedimentos jurídicos adotados pelo poder público brasileiro ao criar um “campo de concentração” para uma maioria absoluta de pessoas inocentes?
Não tenho dúvidas: manifestações contra os acontecimentos do dia 8 de janeiro são uma atitude louvável. Calar-se diante de outros fatos não menores, para mim é um “risco” que a CNBB não precisa correr. Ela põe a perder a credibilidade da instituição, que passa a ser considerada como adepta de ideologia, nada compatível com a visão cristã do mundo.
Novo ano começou
26 de Janeiro de 2023, por João Bosco Teixeira 0
Agora é começo de ano. Por mais que se queira dizer que o primeiro dia de um ano novo é igualzinho ao último dia do ano que terminou, a gente sempre acha mil motivos para dizer que o ano é novo, e o dia é diferente. Somos assim. Gostamos de começar, porque gostamos de esperançar. Gostamos de acreditar no novo, porque muitas vezes não suportamos o velho.
Mais que isso, entretanto, é a verdade de que estamos em eterno movimento. Movimento que nos leva a compreendermos as coisas de maneiras novas e diferentes à medida que passamos pelo ciclo da vida e à medida que juntamos e processamos novas experiências que moldam o modo como compreendemos a realidade.
Tomo emprestada a metáfora de um horizonte em expansão. O horizonte em expansão sugere como ocorre a nova compreensão que gostamos de imprimir aos novos dias. O horizonte físico é a linha onde a terra e o céu parecem se encontrar. No campo psicológico ocorre o mesmo fenômeno. Nele, o horizonte psicológico é o espaço, ou escopo visual, dentro do qual percebemos os objetos. Pois bem: à medida que o horizonte psicológico se amplia, mais objetos são incluídos no quadro, suas posições e valores mudam em sua relação mútua e eles assumem novas dimensões e sentido. À medida que nosso horizonte existencial se amplia e abre, nossa própria identidade se desenvolve, mediando mudanças em termos de percepção e juízo que podem ser até radicais.
O ano novo, ou qualquer nova realidade, é enfrentada pelas pessoas como um novo horizonte, sujeito a tanta coisa. Ao mesmo tempo, apesar das possíveis mudanças, das possíveis novidades, a pessoa permanece sendo aquela mesma pessoa capaz de se valer da nova oportunidade para analisar e justificar, aceitar e recusar os elementos e causas da mudança. Com isso, e por isso, se dá o fenômeno do desenvolvimento humano. A novidade, um ano novo, por exemplo, propícia ocasião para o crescimento, para o desenvolvimento que ocorre com igualdades e diferenças, com permanências e transformações.
A existência humana é uma existência histórica. É uma existência sempre em movimento no tempo; nada é estável no tempo; nada é imutável no tempo. Ser humano é movimentar-se, irreversivelmente, ao logo do tempo. Por isso, os novos significados, as diversas percepções que imprimimos em nossas vidas não são e não podem ser estáveis. São saudáveis, porque naturais.
É preciso, entretanto, encontrar nas novidades, nos novos significados, algo que permanece constante ao longo da história, na medida em que o sujeito humano, que está mudando, retém uma identidade básica. Portanto, o desenvolvimento, expressão de uma vida rica, precisa, pode, deve acontecer, sem minimizar a pessoa que está se desenvolvendo. A novidade na vida precisa ter o caráter de crescimento. Nunca de aniquilamento.
Novas luzes para que a monotonia não desencante a vida.
Novo ano começou.
Advento. Chegada.
21 de Dezembro de 2022, por João Bosco Teixeira 0
Quanta “chegada” realizamos na vida!
Chegada da rua. Chegada da casa de nossos pais. Chegada de viagem.
Chegada do aniversário. Chegada da formatura. Chegada do primeiro pagamento. Chegada do casamento.
Chegada dos filhos. Chegada das muitas bodas. Chegada das aposentadorias.
São “chegadas”. São tempos passados. Vividos. Irrepetíveis, pois não são repetição de nada. São lembranças, mais ou menos intensas. Até saudades.
As “chegadas” parecem se revestir de algumas notas características: alegria, satisfação e até alívio... “coisa boa é chegar em casa”.
As “chegadas”, entretanto, não parecem ter, obrigatoriamente, a conotação de um recomeço. Podem conter essa dimensão, pois pode-se chegar para se retomar; pode-se chegar para se partir mais uma vez; pode-se chegar para enveredar por outros caminhos. E pode-se chegar até para esquecer: “Ufa, que luta, até que enfim!”
Por outro lado, é certo que o encanto das chegadas é proporcional à sua expectativa. Quanta gente concorda com o dito popular: “O melhor da festa é esperar por ela.” Não por nada, o Pequeno Príncipe já dizia: “Se vens às quatro da tarde, desde as três começarei a ser feliz”. É assim: há expectativas de chegada que aclaram noites sombrias, enfeitam ocasiões frustradas, despertam sorrisos onde lágrimas seriam naturais.
Advento, chegada.
Agora, estamos numa “chegada” especial: todo ano, por quatro semanas, a gente se põe em movimento, em clima de “chegada” para a comemoração do nascimento de Jesus. Ele não vai chegar. Já veio, ficou, morreu e “está no meio de nós” ressuscitado. Mas somos convidados a “chegar”. Somos convidados a nos preparar, a nos movermos em expectativa para a celebração da memória, da lembrança do Menino que nos relembra tantos outros meninos.
Por que tanta preparação para alguém que não vai chegar? Por que todo ano repetir esta festa cheia de luzes, de cores, de canto?
Ora, não fazemos isso, a cada ano, para as pessoas a quem amamos? Não fazemos isso para as pessoas que dão sentido às nossas vidas? Não fazemos isso para as pessoas que completam nossas existências? Para as pessoas que nos ajudam a transformar nossas dores em alegria e saúde?
Vai chegar o Natal. Está chegando. Se não houver motivos para celebrá-lo, nem sequer vamos conseguir esperá-lo. O menino que foi Jesus já se foi. Agora “está no meio de nós”, como fonte de esperança, luz para os momentos de trevas, alegria para nossos amores, fortaleza para nossos sofrimentos. Preparar a celebração de sua memória é o caminho que fazemos nesta “chegada”.
Chegada que pode ter novas cores, que pode significar uma retomada de caminho. Já que não faz muito sentido ver Jesus como linda criancinha num presépio, dele pode nos vir a inspiração de, em seu lugar, vermos outras crianças ali deitadas, crianças que não têm quem cante para elas: parabéns pra você.
Advento. Chegada: luzes, flores, sons. Imensa solidariedade. Crianças mil.