O primeiro compromisso de Minas
23 de Novembro de 2022, por João Bosco Teixeira 0
Um colunista como eu não pode se omitir em dias como esses que vivemos, anteriores e posteriores à eleição em segundo turno. Vimos e pudemos constatar um Brasil rachado ao meio, bem ao meio. Não é isso o que se pede de um processo eleitoral. Opiniões diversas são saudáveis num processo democrático. Opiniões antagônicas são toleráveis também, como expressão da vontade popular. Insuportável, todavia, não foi e não é nada disso. Outras ocorrências é que quase me traumatizaram por incríveis, por inacreditáveis, por jamais terem sido vistas anteriormente nesse nosso Brasil
Como posso dormir – pior! – ficar acordado com palavras e posturas mais ou menos deste jaez: não se pode admitir a volta da censura, sob qualquer argumento; mas a liminar que pune a censura pode ser aprovada por enquanto. Dorme com um barulho desses e diz que dormiu bem.
Essas palavras relatam coisas muito sérias. Uma delas, talvez a maior: a Constituição está suspensa por enquanto. Isto é: implantou-se um estado de exceção, fazendo calar a população, rasgando-se a Constituição. Quem toma uma decisão inconstitucional é um fora da lei e não um superior à lei.
O que se viu, nesses dias passados, foi um ataque à democracia pela negação da Constituição. Na semana em que, por excelência, a liberdade deveria ter sido proclamada do alto das torres, presenciou-se uma barbárie jurídica. Pode-se mesmo dizer: fica suspensa a civilização, pois só vale a força, só valem atitudes políticas tomadas por gente que não foi eleita para isso, destituída de qualquer noção de bem comum. Ou que, então, faz do próprio bem o critério do bem comum.
Vamos vivendo o samba do “cidadão” doido (não se pode falar o substantivo original): as mesmas pessoas exercendo o papel de juiz, de promotor, de delegado, de carcereiro, de advogado e até de juiz em causa própria. Não, não é o povo a acabar com a democracia, mas essas pessoas superdotadas de um poder que não têm. E o mais lamentável: nenhum confronto perante tais atitudes. Nenhum confronto, dada a omissão do Congresso Nacional e da própria imprensa. Ausência de confronto diante de crime que dilapida a democracia. Nenhum confronto. Afronta, sim. Afronta, ao que tudo indica, linearmente orquestrada.
Alguém disse que com esses fatos estão chamando duzentos e trinta milhões de brasileiros de imbecis. Com mentiras e força bruta, querem implantar o império da mentira com a desculpa de combater o nazismo. Ora, é preciso não esquecer que nazista é quem censura e não quem é censurado.
Tenho vivido momentos em que chego a imaginar uma enxurrada de lágrimas e até de sangue.
Somos mineiros. Já vivenciamos momentos difíceis no panorama nacional. Lembra-me muito a campanha presidencial de l955. A oposição ao PSD dizia: Juscelino não pode ser candidato; se for candidato, não pode ganhar; se ganhar, não pode governar. Foi candidato. Ganhou. Governou. Forte e intrépido.
Dias de glória, com altivez, sem punição aos adversários. Sem ofensa à democracia.
Confesso, envergonhado: estão faltando mineiros que se lembrem de que “O primeiro compromisso de Minas é com a Liberdade.”
Verdades eternas
25 de Outubro de 2022, por João Bosco Teixeira 0
O jornal “O Tempo”, do dia 29 de agosto passado, trouxe matéria de José Reis Chaves, que leio frequentemente. O autor tecia considerações à crítica recebida da organização católica Montfort, de São Paulo, no tocante à “suposta irracionalidade das penas eternas que a Igreja Católica professa como dogma de fé”.
Não posso pretender entabular diálogo seja com o colunista de “O Tempo”, seja com a tal organização católica, pois ambos me parecem mais conhecedores que eu. No entanto, embasado em minhas licenciaturas em filosofia e teologia, no mestrado em psicologia e em muito estudo de Sagrada Escritura, não fujo da ocasião de tecer algum comentário sobre a matéria.
Em termos de espiritualidade, sou movido por algumas convicções. Em primeiríssimo lugar, aquela de que a fé cristã é uma experiência de amor, muito mais que aceitar verdades e doutrinas. E não consigo imaginar verdades eternas. Toda verdade é provisória, o que não a impede de ser verdadeira. As verdades são todas gestadas no tempo. Em algum tempo. Em determinado tempo. E a própria história é filha de seu tempo. Não faz mal considerar, além disso, que os dogmas católicos foram, quase todos, impostos pela força. Não só. Foram proclamados por se tratar de doutrina polêmica e para combater heresias. Não são fruto de exigência teológica.
Outra convicção que me move: o único caminho que temos para alcançarmos o divino, para chegarmos a Deus, é o caminho da nossa humanidade. Nela é que nos é dado experimentar o eterno, objeto de esperança, alimentada pela fé. E nossa humanidade acontece e é inerente ao tempo e ao espaço. Os grandes espiritualistas e santos são reconhecidos, em sua grandeza, não porque fugiram de seu tempo, mas pela maneira como viveram plenamente sua humanidade, no tempo. O grande Irineu de Lião, já no segundo século, dizia: “É falso todo Deus cuja glória não seja a vida do homem”. Criamos deuses falsos não tanto porque falseamos Deus, quanto porque falseamos o homem.
Terceira convicção: só conseguimos nos referir a Deus com nossa linguagem humana. E, então, emprestamos a Deus nossas características, nossa maneira de viver, nossas expressões de conhecimento. Por isso, falamos de penas eternas, falamos de purgatório purificador, falamos de pecado e tanta coisa mais que, no Deus anunciado por Jesus, não tem lugar. Deformamos de tal forma a imagem de Deus que Ele deixa de ser o pai da parábola do filho pródigo (Lc 15). Já no IV Concílio de Latrão, de 1215, se dizia que em nossa linguagem sobre Deus, por mais verdadeira que seja, existe sempre mais mentira que verdade (Non tanta similitudo quin maior sit dissimilitudo notanda).
Sou apaixonado pela teologia porque é a única que me liberta. E não a estudo para parecer mais sábio e douto. Não! É pela certeza de que Deus é uma presença real na própria raiz de nosso ser.
Essa, talvez, seja uma verdade eterna.
Posse na Academia Brasileira de Letras
21 de Setembro de 2022, por João Bosco Teixeira 0
Tomou posse na Academia Brasileira de Letras o grande brasileiro EDUARDO GIANNETTI. Não resisti à tentação de transcrever os três minutos finais de seu discurso. Beleza literária aliada a uma declaração de confiança no Brasil, a despeito de momentos turvos que vamos vivendo. Eis suas palavras:
“É difundida a crença de que a idade nos torna conformistas, céticos e resignados diante da realidade como ela é. Na mocidade combatia, na maturidade passou a sorrir com descrença.
Se é o caso para a maioria, não sei dizer. Mas de uma coisa estou certo: seguramente, não é o meu caso. Ao contrário, sendo que os anos acirraram em mim a revolta com as injustiças da vida brasileira e, sobretudo, avivaram a esperança e a fé radical em nosso futuro.
O Brasil desceu aos infernos: a democracia afrontada, a obscena desigualdade agravada, a floresta violentada. Extraviamo-nos a tal ponto, creem alguns, que, talvez, tenhamos perdido, e de vez essa vez, o caminho. Quem poderá saber?
O amor, porém, é ilógico. É Colombo ao ousar o desconhecido; é
Aleijadinho, Machado, Pelé. A África em nós. Daí a minha crença inabalável, no anacronismo/promessa chamado Brasil. Mais cedo, talvez, do que imaginamos, vamos virar a página e reencontrar, revigorados, o caminho. Às vezes, é preciso descer aos infernos para que possa romper amanhã. O Brasil, quero crer, está grávido no limiar de um parto temporão de cidadania.
O Espírito, como o vento das grandes mudanças, sopra onde quer, quando quer e para onde quer. O que aí está, a apodrecer a vida, não pode durar porque não é nada. Quando muito é estrume para o futuro.
Vocês sabem do que eu estou falando.
O mal existe no mundo para despertar ação, não o desespero; estimular engajamento, não indiferença; suscitar compaixão, não cinismo. Tudo o que já foi é embrião do que vai vir. Esperança agreste a brotar do fel do desespero. Desencanto, reencanto. Desengano, reengano
O Brasil tem sede de futuro. A biodiversidade da nossa terra, a sociodiversidade de nossa gente, afro-euro-ameríndia são os principais trunfos brasileiros diante de uma civilização em crise. O futuro se redefine sem cessar. Ele responde à força e à ousadia do nosso querer.
Queiramos: onde cresce o perigo, cresce também o que salva.
Obrigado pela atenção!”
Essas não são palavras de desânimo. São palavras alentadas pela confiança no país que, “descido aos infernos”, encontrará caminhos e, sobretudo, pessoas capazes de ajudar a construirmos uma aurora luminosa para o amanhã.
(Nota) Acabo de assistir à entrevista que o Presidente Bolsonaro concedeu à Rede Globo. Fiquei envergonhado com o comportamento de jornalistas experientes, que pensei maduros. A conversa, que entrevista não foi, se deu com o Presidente, a quem se quer se dirigiram assim, e não com um candidato, de quem se poderia indagar sobre o plano de governo. Uma vergonha. Um tribunal a fazer inveja a tantos tribunais ditatoriais a que a história já assistiu.
Peculiaridade
17 de Agosto de 2022, por João Bosco Teixeira 0
Era lá em Assunção. As reuniões do Mercosul Educacional haviam terminado. Tínhamos chegado a um acordo sobre o credenciamento de universidades dos quatro países que dessem diplomas de graduação válidos para todo o Mercosul. O clima era de comemoração. Aconselhados pelos paraguaios, dirigimo-nos a um bar/restaurante. No ambiente campestre, o arvoredo quase impedia acompanhar o movimento da lua. No entanto, a noite estava bonita como uma fruta. Além da nossa comemoração, o local acolhia gente, abundando pelos espaços para comemorar alguma outra coisa.
A presença de um conjunto musical, que cantava alegremente, caracterizou melhor aquela noite. Um participante da banda, sabedor de que havia brasileiros presentes, dirigiu-nos palavras amistosas, em português razoável, mas sotaqueando. E anunciou um samba em nossa homenagem. Apesar da boa vontade, o samba saiu bem quadrado. Isso não impediu que aplaudíssemos, agradecidos, dada a dificuldade que tinham com nosso ritmo peculiar.
Ao depois, porém, voltaram a cantar suas melodias paraguaias, cheias de simplicidade, num espanhol, muitas vezes guaranizado, o que os enche de orgulho. Afinal, o guarani também é língua oficial no Paraguai, ao lado do espanhol. Como não podia deixar de ser, as guarânias se sucediam. Cantavam com absoluta naturalidade, transpirando alegria nos rostos arredondados. E, então, foi-nos fácil concluir: o samba que cantaram para nós era bem melhor que as guarânias que cantamos por aqui. Cantam com absoluta leveza, suavidade, e quase não se percebe a marcação do tempo. Nosso cantar da guarânia costuma ser marcado, duro, priorizando o ritmo. Tão marcado e tão duro quanto duro e marcado o samba que eles nos ofereceram.
Pessoas ligadas à música sabem que nós, latino-americanos, pensamos executar bem as valsas de Strauss. E pode até ser. Mas interpretá-las como os vienenses, inútil esforço. Para nós, as valsas são compassos ternários e ponto. Para eles, são livres expressões de melodias leves, em ternários, sim, não porém comandadas pelos três tempos. Os tempos são soltos, superados. Imperceptíveis.
A título ainda de caracterizar o típico de cada gente na sua fala, lembro-me da vice-presidente do Paraguai, àquela época a que me referi. Ela havia feito o mestrado em Educação na Universidade de Brasília. Apesar da convivência com os brasileiros, não conseguia diferenciar o “O” nas palavras: avô e avó. Fazia todo esforço e tudo era “AVÔ”, bem fechado. Desanimada, só encontrou consolo quando observou que nós, brasileiros, não conseguíamos pronunciar o “Y” que aparece, por exemplo, na palavra Ypacarai. O “y” tem um som gutural que para a maioria esmagadora dos brasileiros é impossível emitir.
Guimarães Rosa, o viajor juramentado que, para bem narrar uma viagem, quase que tinha necessidade de inventar a devoção de uma mentira, põe na boca de um de seus personagens: “Debaixo do alheio um homem não se rege”.
O que é típico de um povo ou é seu, ou é de um povo que não é.
Declarações e conversas
21 de Julho de 2022, por João Bosco Teixeira 0
Aprecio bem certas falas.
- Neto, de dez anos, conversava com o avô que segurava na mão o celular: Vovô, não chama isso de telefone não, vovô; isso é celular, que serve até para telefonar, mas não é telefone não. E, depois, acrescentou: Vovô, acho vocês muito esquisitos; vocês ligam para as pessoas sem saber se elas podem atender. Manda um zap antes, perguntando se pode ligar.
- Em reunião de família católica, a mãe dizia que não suportava mais ir à igreja para ouvir os padres. Uma das filhas presentes diz: Mamãe, você já sai de casa reclamando dos padres. Se você vai à igreja por causa dos padres, alguma coisa está muito errada, não?
- A comadre encontrou o compadre, depois de muito tempo. Ficou impressionada: era um homem alegre, cheio de vida; agora anda carrancudo. Ô compadre, você está doente? - Por que? indagou ele. Estou te achando meio triste. - Não, comadre, é porque agora sou crente, me converti. Uai, compadre, conversão que não traz alegria não é verdadeira não.
- Na roda de bar, um cidadão se orgulhava, seguidas vezes, de contar um fato escandaloso, sem citar o protagonista. Cansado dessa situação, um amigo virou-se para ele e disse: Tudo pela metade é verdade, mas é mais fácil de ser mentira também.
- O colega se orgulhava de não acreditar mais em Deus, nem nos santos, nem em coisa nenhuma. O amigo, ouvindo aquilo, indagou: Com todo respeito, em quê que você crê agora que deixou de acreditar?
- Oh! Quer saber. Eu não ando me preocupando com mais nada. Acho que está tudo tão doido que não ligo mais para nada. O outro, ouvindo isso falou: - Mas, se você perdeu a razão de viver, a partir de onde orienta sua vida?
- Outro cara se orgulhava de descrer disso, daquilo, de tudo enfim. Mas continuava a falar sobre todos os assuntos. Um colega atento, quando teve oportunidade falou: Eh! Passamos de uma sociedade de crenças para uma sociedade de opiniões, não é?É bom, porque assim cada um fala o que quer.
- Ainda no bar. Um frequentador se orgulhava de não ligar mais para Deus, cansado de decepção. Entendo o que você está dizendo, interagiu um colega. Para você a vida sem Deus seria mais livre, não é? Deus é um estorvo que o impede de viver prazerosamente, não? Deus inimigo de sua felicidade. Ruim, hein?
- A esposa quis acompanhar o marido na consulta médica. Lá pelas tantas, indagou do profissional: não é verdade, doutor, que quem toma este remédio que o senhor está receitando tem que tomar um diurético? O médico respondeu: Neste dia eu matei a aula, minha senhora.
Ministro do Supremo Tribunal Federal fazia conferência nos EE.UU. Chamado de mentiroso por pessoas do público, não titubeou em dizer que “Um dos problemas que estamos enfrentando no Brasil é um déficit imenso de civilidade”.
Declaração? Conversa? Não, autoconfissão.