Definidores de terceiros
22 de Junho de 2022, por João Bosco Teixeira 0
Na edição passada, falei de meu espanto com o descompasso ocasionado por tantas pessoas que têm a mania de definir terceiros dizendo: você é isso, você é aquilo. Instado, volto à matéria.
Entre os variados significados de “definir”, encontram-se: estabelecer limites, delimitar, decretar.
Ora, se o que se quer “definir” é algo demonstrável, tudo bem. Pode-se perfeitamente definir a distância entre dois pontos, a altura de uma árvore, o tempo a se empregar no percurso de uma estrada. Outras definições apresentam-se mais difíceis. E complexa, entre todas, aquela de definir uma pessoa.
Os psicólogos, quando instados por alguém na busca de esclarecimento de algum comportamento estranho, servem-se seja de variados recursos tecnológicos, seja da própria sensibilidade aplicada na escuta da pessoa em questão. Ao final de procedimentos mais ou menos longos e elaborados, concluem, quase sempre, com palavras assim: “parece tratar-se disso ou daquilo”; “tudo indica que estamos diante de um quadro assim, assim...” Isto é, definir uma pessoa é tarefa complexa, mesmo para especialistas, com êxito nem sempre alcançável.
Por que, então, pessoas se põem a definir terceiros com tanta facilidade? No artigo anterior, relatei as expressões com as quais a sabedoria popular qualifica tais indivíduos. Hoje acrescento meu entendimento da matéria, sempre “de um ponto de vista”.
As pessoas costumam definir seus interlocutores, geralmente, em discussões variadas. O que ocorre é: escapa aos definidores a clareza sobre o que se discute; faltam-lhes argumentos para a defesa de suas posições. Então, abreviam as conversas dizendo: “Você é isso, você é aquilo.”
Encerra-se, assim, uma discussão porque a pessoa definida dirá: “Se você acha que sou isso ou aquilo, por que falar comigo?”
Mais ainda: as tais pessoas definidoras de terceiros não conseguem, não gostam de se expor, de falar de si mesmas. E, então, falam dos interlocutores. É-lhes muito difícil dizer: “penso assim”, “gosto disso”, “acompanho aquilo”, “torço por tal êxito”. Nessa maneira de se expressar, as pessoas se expõem, porque quem diz de que gosta, quem diz como emprega a própria vida, está dizendo que pessoa ela é. Ora, para se expor é preciso ter de si mesmo uma boa imagem, é preciso não ter vergonha de dizer o que pensa, o que sente, como vive. O definidor de terceiros, normalmente, não tem boa autoestima. Não se expõe.
Há ainda um aspecto. Definir uma pessoa é enquadrá-la, é “delimitá-la, é decretar” quem ela é; é dizer que ela é incapaz de considerar alternativas, que não admite visões diferenciadas das questões, que vive enclausurada em si mesma, que é incapaz. A pessoa que define, por sua vez, se julga superior a ponto de dizer o que é certo e o que não é, o que convém ou não convém e tudo mais.
Além do mais: “Só Deus conhece os corações” (1Rs 8,39).
Ando espantado
18 de Maio de 2022, por João Bosco Teixeira 0
Ando espantado com algumas coisas. Uma, em particular: a facilidade com que a gente anda definindo uns aos outros por meio de palavras chulas, deselegantes, quando não ofensivas.
Com que facilidade se fala de terceiros! Basta que alguém pense diversamente de outrem para que se deem início às ofensas definidoras de caráter; para que se diga que fulano é um delinquente, um corrupto, seja ele um Ministro de Estado, um governante eleito por milhões de votos ou um simples colega, companheiro de rua, de boteco.
A sabedoria popular define muito bem esse tipo de gente. Diz que isso é coisa de gente que só fica pensando “no oco da cabeça”. É coisa de gente para quem os outros “ou são angu ou são farinha”; gente metida a ver a garapa ainda na cana; gente que mal enxerga as pessoas e já imagina coisas; gente que gosta de “falar pra fazer momento”; gosta de incomodar os outros com perguntas sem se interessar pelas respostas; gente que, porque não consegue manter palavra “no auge da conversa”, ofende e se retrai; gente que tem “um susto guardado dentro de si”. Enfim, coisa de um legítimo “desenroupado” que, incapaz de dar seu acordo “sem metades”, sai a empinar insultos. É muita pobreza ofender, como diria Vieira, em todos os tempos e modos, em todos os lugares e circunstâncias.
Quanta sabedoria na linguagem popular para caracterizar esse desprezível comportamento de falar dos outros! Quanta sabedoria em pensar que se pode chupar a mesma laranja, deixando a cada qual o direito de sentir um gosto diferente!
Vai se dizer que isso não é de hoje. De fato, tudo isso sempre aconteceu, em ambientes caseiros, nos cantos de cozinha, nos botecos da vida, nas esquinas e quebradas. Sempre se falou dos outros. Vejo, todavia, uma novidade: tudo era à meia voz, ao pé do ouvido, quase com vergonha de dizer certas coisas. Hoje, não, é às claras, por escrito, no duro das letras impressas, aqui e acolá, privilegiadamente nas tais redes sociais, pra todo mundo saber.
Parece não se aceitar mais o “cuide cada um de si e já não será pouco”. É tal o descompasso dessa mania de definir ofendendo, ou ofender definindo, que, segundo ainda a sabedoria popular, teria sido melhor Deus botar “os cegos no mundo para vigiar os que enxergam”.
Estamos esquecidos de que a linguagem nasceu das emoções de amor. E que, portanto, o que conta é realizar um percurso tal na vida que seja capaz de permitir às pessoas encontrarem-se sem pudores, na liberdade. Que as teorias professadas pelas pessoas não as impeçam de ouvir, de estar, de ser. E que a falta das teorias, não as impeça de enxergar.
Vale a pena lembrar Garaudy: “Ao invés de querer converter, quer dizer, de querer reduzir o outro a mim, possa eu aprender a crescer junto.”
Mar da Galileia
20 de Abril de 2022, por João Bosco Teixeira 0
Considero um privilégio ter viajado uma vez para a Terra Santa. Foi uma viagem de cunho espiritual, programada para se encerrar na Judeia, em Jerusalém. Teve início, porém, na Galileia, região em que a família de Jesus vivia.
Visitar os vários locais “sagrados”, por onde o andarilho Jesus perambulou, foi ocasião para muitas emoções. Acompanhava-nos nessa nossa andança uma judia argentina. Falava-nos, instruía-nos, ilustrava-nos sempre com muita sensatez, além de tomada por profundo respeito no que dizia. Fugia sempre das considerações de cunho político quando interrogada por nós sobre o assunto. Parece que se comportava assim de propósito, dado que não era esse o cunho de nossa viagem, nem ela queria distrair-nos de nossos propósitos.
Antes de entrarmos em Jerusalém, do alto de uma colina, vislumbramos a cidade, não a nossos pés, mas no alto de outra colina. Pois bem. Ali, com Jerusalém à nossa frente, proporcionou-nos a guia uma cena até então inusitada. Quis que brindássemos a vista daquela cidade instigante que, imaginava ela, para nós seria da máxima importância. Tomados de alegria pela vista de Jerusalém, fizemos o brinde com discreto vinho oferecido pelo serviço de acolhida aos turistas. Descendo, então, pelo Monte das Oliveiras, entramos na cidade em que tudo seria motivo de muito “espanto”. Espanto com o insistente sentido religioso que Jerusalém contém há séculos e séculos; espanto com a total secularização de lugares antes considerados “sagrados”; espanto com a riqueza política da cidade em que muitos são os senhores, que se recusam a entenderem-se. Tudo isso, entretanto, é conversa para muitos sábios. Quero voltar à Galileia.
Nessa região, refazendo muitos passos de Jesus, nossa guia argentina, muitas vezes, diante de um local histórico, dizia: “A gente diz que esta era sinagoga que Jesus frequentava; a gente diz que aqui aconteceu a Transfiguração; que aqui Jesus fez o sermão das Bem-aventuranças...” que aqui aconteceu isso e aquilo. Mas depois acrescentava: “Se Ele não esteve aqui, se o lugar não era exatamente este ou aquele, não tem importância. Nada disso é essencial.”
Chegou a hora, entretanto, de navegar pelo mar da Galileia, mar de Tiberíades. Adentramos o barco, que zarpou mar afora. Transcorridos uns minutos de navegação, já quase ao centro do lindo lago, nossa guia pediu ao timoneiro que desligasse os motores. Nosso barco parou. Fez-se enorme silêncio. Ela falou, então, pausada e acentuadamente comovida: “Ele esteve aqui...” Que emoção! Nossos olhares se trocaram. Algumas lágrimas escorreram. Ele esteve aqui. Seus amigos eram pescadores. Aqui se encontraram tantas vezes. Aqui ele buscou alimento. Tudo aqui o levou a mostrar-se gente como a gente.
Foi preciso aguardar um tempo para religar os motores, que já não quebrariam o silêncio interior de que fomos tomados. Pura beleza de vida! Emoções que o tempo não apaga. E a distância não empalidece.
Jerusalém, em momento algum, proporcionou-nos tamanha intensidade emotiva, pois em nenhum de seus sítios foi possível afirmar com convicção: Ele esteve aqui.
Campanha da Fraternidade
16 de Marco de 2022, por João Bosco Teixeira 0
CAMPANHA DA FRATERNIDADE, novamente com o tema da educação, essa realidade quase abandonada, por muitos gestores, nesses dois anos de pandemia.
O texto-base da Campanha é rico. Texto apenas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, sem a participação de outras igrejas cristãs. A hierarquia eclesiástica católica não suportou a tentativa ecumênica de uma campanha que falasse a todas as pessoas de boa vontade. O texto é amplo, mais que o necessário para cativar as pessoas a se engajarem numa ação comum. Mais simples ele fora, maior alcance obteria junto àqueles católicos dispostos a se empenharem numa tarefa comum. É tarefa, pois é campanha.
O tema é claro e cativante: “Fraternidade e educação”. Já o lema, nem é claro, nem cativante. Não é claro ao dizer: “Fala com sabedoria”. Ora, sabedoria é o auge da maturidade em qualquer atividade humana. Se para falar for preciso sabedoria, confesso que eu seria mudo. Ainda bem que o Hino da Campanha traz um consolo: Quem fala com sabedoria é aquele que ensina com amor. Levados pelo amor, talvez muitos sejam capazes de sabedoria.
Ensina com amor. Essa formulação não é boa. Basta considerar que o texto-base fala o tempo todo de educação, não de ensino. E com razão. O ensino é atividade restrita a pouca gente. A educação é tarefa própria, inalienável, da família, da escola e da sociedade. Acho que a busca do lema não foi feliz para falar do tema.
Fraternidade e educação, a questão aqui é outra, muito rica, e dá margem a tanta consideração. Já na Oração da Campanha, suplica-se por uma educação integral, fraterna e solidária, realizada com amor, com uma pedagogia do diálogo, da solidariedade e da paz. O texto-base sugere muitas atividades possíveis, umas setenta atividades, segundo os variados níveis da atividade educacional. A meu ver, entretanto, tais sugestões não se dirigem ao cristão comum, àquele que está todo domingo presente nas igrejas, àquele que leva uma vida simples, seguindo os passos de Jesus. São sugestões, na sua maioria, voltadas para os gestores da educação.
Pode-se, pois, perguntar: o cidadão comum... como pode viver a fraternidade e educação? Para mim, a resposta está no próprio cartaz da Campanha, na própria imagem central da Campanha: Jesus que dispensa a pecadora, dado que ninguém a condenou. Isto é, todos temos oportunidade de humanizar nossas relações. Relação é o que educa. E fraternidade é o que nos faz humanos. Portanto, quem pensar em se empenhar na campanha, pode se realizar nela lutando por um processo educativo humanizador: misericordioso, solidário, acolhedor, sem julgamento. Na família, na escola, na sociedade.
Além do mais, eis o que diz o número 276 do texto-base da Campanha: O lar é chamado a viver e a cultivar o amor recíproco e a verdade, o respeito e a justiça, a lealdade e a colaboração, o serviço e a disponibilidade para com o próximo, especialmente com os mais frágeis.
Na acolhida a tal sugestão, cada um de nós poderá realizar o ideal da CAMPANHA DA FRATERNIDADE DE 2022.
(NOTA – “Escolas não devem servir apenas de abrigo depois das tragédias. Elas devem servir para evitar tragédia” – Cristóvão Buarque)
Educação, família, ensino, MEC
16 de Fevereiro de 2022, por João Bosco Teixeira 0
Esteve ou está no Brasil o ex-ministro da educação Weintraub. Cheio de pompa, não fugiu de entrevista. E não deixou de dizer impropriedades. Uma delas: “Quem cuida da educação é a família. O MEC cuida do ensino”. Das duas, uma: ou ele não sabe o que é educação, ou sabe, mas quer causar polêmica.
A educação como processo de amadurecimento, de aquisição de valores e de conquista da liberdade, certamente começa na família. E como se diz, começa muito tempo antes de a criança nascer. Tal processo, no entanto, não só não se restringe ao âmbito familiar, como supera, em muito, o tempo de convivência no seio da família.
A educação é processo pelo qual família, escola e sociedade são responsáveis. Se a escola não tivesse função educativa, de nada mais precisaria que de salas de aula com robôs a ministrar os conhecimentos aos aprendizes. E a sociedade não precisaria se organizar para garantir aos cidadãos um ambiente favorável à sua segurança e à sua mobilidade, à aquisição de qualidade de vida profissional, cultural, religiosa e, principalmente, de saúde. Tudo isso porque o processo educativo é marcadamente processo para toda a vida. Todo dia apresentam-se ocasiões que exigem das pessoas adaptação e reorganização da própria vida.
As famílias estão passando por grande prova educativa no momento da pandemia. Não são apenas as crianças da família. A Covid-19 está exigindo de todos uma série de novos comportamentos, anteriormente desconsiderados. E tudo isso é parte do processo educativo que não acontece sem a escola e sem a sociedade.
Tivemos em Weintraub um ministro da educação bem destemperado no seu linguajar e em suas atitudes. Com a afirmação de que quem cuida da educação é a família, ele se excedeu. Para ele, a criança que saiu do seio familiar, do ponto de vista da educação, não tem necessidade da escola, nem da sociedade: já está educada. Vai se comportar como nos tempos da vida familiar: como criança. Nem convém pensar em crianças que não têm família.
E se o ensino compete ao MEC, então, pelo menos no nome, tal ministério está equivocado. Teria que se chamar Ministério do Ensino. É certo que se faria uma enorme economia na estrutura do Ministério. Basta pensar na eliminação da secretaria da “Educação Básica”, cuja responsabilidade envolve a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Ora, sabe-se que na Educação Infantil e na Fundamental I mais contam os processos educativos que aqueles relativos ao ensino/aprendizado. O ex-ministro não foi feliz na declaração.
Não sei por que certas pessoas chegam tão longe na vida e blasonam determinadas posições culturais. Esforço-me por achar que elas são sérias. Não consigo. Aparecem-me como dotadas de uma insatisfeita necessidade de criar polêmica para não saírem de cena. Optam pelo desmonte de tudo quanto podem. Com isso, deslocam o foco daquilo que não conseguiram realizar.