SÍNODO
19 de Janeiro de 2022, por João Bosco Teixeira 0
O Papa Francisco, num esforço gigantesco para ajudar a Igreja Católica a se identificar, cada vez mais, com a figura de Jesus, convocou em outubro passado um SÍNODO que deve terminar em 2023.
Por que configurar-se sempre mais com a figura de Jesus? Porque convém muito à Igreja dar-se conta de que algo não vai bem nela. A Igreja, até por vaidade, vai se distanciando do Reino de Deus, apregoado por Jesus: aquele reino que se constitui de uma comunidade que tem um pastor e vive da lei da solidariedade. A Igreja se distancia das atitudes dos primeiros cristãos, para quem aquilo que os movia não era a ideia de uma Igreja, mas a busca de uma nova forma de vida, um CAMINHO novo e vivo de enfrentar a vida. Com a palavra Caminho é que os primeiros cristãos se referiam a Jesus.
Papa Francisco não está inventando nada. Está tentando ajudar a Igreja a realizar os anseios, as aspirações e até as determinações do já longínquo Concílio Vaticano II (1962-1965). O Papa tem feito isso insistentemente. E convoca mais um sínodo, cuja temática é comunhão, participação e missão. Antes, já haviam acontecido outros três sínodos sobre a família, juventude e evangelização.
A palavra sínodo, etimologicamente, significa caminhar juntos. Por isso, o sínodo, que tem momentos diferentes, inicia-se com a fase da escuta: “Povo fiel, Colégio episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o ‘Espírito da verdade’”. Essa fase da escuta teve início em outubro e vai até abril de 2022. O que se espera é que os fiéis se encontrem, das mais variadas formas, para darem a própria opinião sobre assuntos absolutamente graves e importantes da vida da Igreja: atuação da mulher nos ministérios eclesiásticos, o sacramento para os divorciados, o aborto, o celibato sacerdotal, a convivência eclesial dos LGBTQIA+, a comunhão com outras Igrejas e outras preocupações do povo santo de Deus. O Papa deseja a participação de todos na tomada de decisão. Ele tem consciência de que não se leva as pessoas a Jesus a partir do domínio e do poder. Por isso, as pessoas precisam se encontrar para falarem sobre a própria vida de Igreja.
Acontecem, no entanto, atitudes desprezíveis. De uma parte, grupos isolados estão novamente distribuindo acusações sobre as atitudes do Papa. Dizem, entre outras coisas, que ele quer implantar a democracia na Igreja e assim destruí-la. Grupo minoritário, na verdade, mas possuidor de enorme poder econômico.
Mais grave, me parece, a atitude dos “bons”: não tomam conhecimento do sínodo. Moro numa cidade episcopal. Nem na Cúria Metropolitana Diocesana, nem na secretaria da paróquia da Catedral obtive a menor informação sobre o sínodo. Absoluto silêncio.
O Papa, condenado por seus inimigos, é normal. Desconsiderado por seus amigos, deplorável. Haja Espírito Santo!
Natal está aí
16 de Dezembro de 2021, por João Bosco Teixeira 0
Nesta época de Natal, parece-me oportuna a reflexão em torno da pergunta que um Mestre da Lei fazia a Jesus: “Qual o primeiro dos mandamentos?”
Sobre tal passagem do Evangelho, li uma reflexão que fez o Padre Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta. Trago para os leitores desta coluna algumas de suas palavras, extremamente sábias.
Padre Adroaldo, depois de mencionar que o Mestre da Lei estava movido por uma angústia existencial; que sua vida era marcada por um forte legalismo, fundamentado num emaranhado de leis e normas, diz que Jesus entendia muito bem o que sentia aquele homem que se aproximava dele. Jesus sabia que o homem desejava conhecer o que seria mais importante para ele acertar sua vida, como se livrar do peso das exigências da lei. Jesus sabia tratar-se de uma pergunta pertinente, uma vez que, na Torá, encontravam-se 613 preceitos.
Quando na religião vão se acumulando normas e preceitos, costumes e ritos, doutrinas e dogmas, é fácil viver dispersos, sem saber exatamente que é o fundamental para orientar a vida de maneira sadia.
Hoje, como antes, diz padre Adroaldo, estão sobrando leis, mas está faltando o amor. O amor não cabe nas leis, só cabe no coração. Quem ama não precisa de leis. A pergunta do mestre era relativa ao primeiro mandamento. Jesus, porém, ao responder cita dois. O primeiro, Amarás o Senhor teu Deus...e o segundo, Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Para Jesus, ambos os mandamentos estão no mesmo nível, devem ir sempre juntos. Jesus faz dos dois mandamentos um só. Ele não aceita que se possa chegar a Deus por um caminho individual e intimista, esquecendo o próximo. Deus e o próximo não são magnitudes separáveis. Por isso, tampouco se pode dizer que o amor a Deus é mais importante que o amor ao próximo.
A resposta de Jesus aponta para os dois eixos centrais na vida dos seus seguidores: Deus e o próximo: ambos os eixos se exigem mutuamente, a ponto de um levar ao outro. Quem está sintonizado em Deus está, necessariamente, aberto ao amor e à solidariedade e vice-versa.
O seguidor de Jesus não se caracteriza por pertencer a uma determinada religião, nem por doutrinas, nem ritos, nem normas morais, mas por viver no fluxo do amor, que tem sua fonte no coração do Pai.
Só há um mandamento: manifestar o amor, que é Deus, em nossas relações com os outros.
O amor é esvaziar-se do “ego” dentro de si mesmo, para que haja lugar para o outro... O amor é a força que nos escava, que alegra e aumenta a nossa capacidade de irmos para além de nós mesmos. O amor carrega em si a marca da eternidade. Quem ama vê o tempo se ampliar.
Neste Natal, além dos melhores votos de paz e alegrias, uma lembrança para quem se põe no caminho de Jesus: “Quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus que não vê, não poderá amar” (1Jo 4, 20).
PAULO FREIRE
17 de Novembro de 2021, por João Bosco Teixeira 0
De outra feita, falei dos dois grandes Paulos. Hoje volto a falar, especificamente, do Paulo pernambucano. Faço isso não para cobrir a omissão do Ministério da Educação, mas para, como educador que sou, prestar minha homenagem ao maior de todos os brasileiros educadores.
Por que Paulo Freire foi o grande educador? O que o faz “deslizar pelo mundo, receber homenagens, ser consagrado como um professor de qualquer fronteira?”(Carlos Alberto Emediato).
Paulo Freire intuiu o cerne do processo educativo. Assinalou que o educando é sujeito e não objeto da educação. Ora, isso revoluciona tudo. O educando não é aquela tabula rasa em que o educador vai depositando conceitos e valores. Ser sujeito da educação significa que o educando coloca sua visão de mundo em interação com a visão de mundo do educador, sem a falsa superioridade de um sobre o outro. Ambos são protagonistas, movidos pela convicção de que educação é processo que leva o ser humano a ir se tornando, a ir se transformando por se ver como um ser inacabado, cuja vocação é ser sempre mais. Com esse modo de entender, o aprendizado, na sua clássica fórmula ensino/aprendizado, passa a ser um processo em que todos ensinam e todos aprendem.
Essa visão de educação está radicada em outra crença que alimentou sempre a vida do grande educador: as pessoas vivem no mundo, mas, também, vivem com o mundo. E se “viver no mundo é viver de contatos, estímulos, reflexos e reações, viver com o mundo é viver de relações, desafios, reflexões e respostas”. Isso é que leva Paulo Freire, com seu método de alfabetização, a servir-se da realidade circundante para fazer com que o alfabetizando não apenas aprenda a ler, servindo-se de palavras que encerram o sentido da vida, mas a pensar criticamente e a ser capaz de dizer o que pensa. “O método de alfabetização de Paulo Freire oferecia a grande vantagem de proporcionar, concomitantemente, alfabetização, educação e conscientização política (Dalmo Dallari). Paulo Freire quis sempre ajudar as pessoas a serem eternos leitores da vida, como sujeitos que rechaçam a dominação política e a discriminação social e buscam a democratização da sociedade, a implantação da justiça social e o respeito pela dignidade da pessoa humana.
Não vou comentar outros tópicos do pensamento educacional de Paulo Freire. Quero apenas relembrar que para ele o amor é a fonte inspiradora de toda transformação. E que é possível acreditar em tudo que tenha sido construído com amor.
Não consigo encerrar essas considerações sem responder à pergunta que paira no ar: por que o governo brasileiro tem dedicado tanto desprezo aos cem anos do nascimento de Paulo Freire? É que o desprezo para com o grande brasileiro significa o desprezo para com uma educação que liberta. E libertar é a grande finalidade da educação.
Dois Paulos, duas grandezas
14 de Outubro de 2021, por João Bosco Teixeira 0
Não houvesse outros brasileiros para solucionar os enormes problemas que temos, estes dois PAULOS, Freire e Arns, seriam suficientes para fazerem o Brasil menos feio.
Com um deles, aquele pernambucano “arretado”, pautaríamos a educação como uma energia para a transformação e a libertação, destituída de sua roupagem alienante e alienada. Uma educação orientada para a tomada de decisão, para a responsabilidade social e política.
Com o outro, o catarinense que tinha como arquétipo básico de sua existência a ternura e a coragem, as pessoas teriam, como fonte inspiradora de suas vidas, o absoluto respeito pelos direitos civis, o fim da exclusão de todo tipo, a absoluta convicção de que a pessoa humana vale mais que qualquer dinheiro, a certeza de que o amor a Deus se manifesta no amor ao povo, ao lado do qual é indispensável estar.
E não deixa de haver uma enorme aproximação entre o pensamento e a ação transformadora desses dois brasileiros. Foram homens para os quais as palavras têm vida, pois elas se referem ao seu trabalho, à sua fome e à sua dor. Em ambos, um radical compromisso com a vida. Em ambos, o amor qual fonte inspiradora de transformação. Amor feito de coragem, exigência do compromisso com a causa do outro.
Em Paulo Freire a amorosidade percorre toda a sua obra, materializa-se no afeto como entendimento com o outro e se faz engravidado de solidariedade. Em Paulo Arns, a preocupação com os menos possuídos o faz vender o suntuoso palácio episcopal de São Paulo por cinco milhões de dólares e o leva a comprar mil e duzentos terrenos na periferia da capital para atender às necessidades dos desfavorecidos.
Em ambos, o ser humano é entendido como um ser intrinsecamente social e político, um ser da relação. Existe uma pluralidade de relações do homem com o mundo, relações que jamais serão de dominação ou domesticação, pelo contrário, sempre de libertação. Por isso Paulo Freire vê as palavras com seu significado real, na sua referência a situações reais. Para ele são palavras grávidas. E o processo educativo se faz caminho e abertura para uma história concreta libertadora e não uma mera idealização da liberdade.
Em Paulo Arns, a evangelização o faz deixar a sacristia e ir ao encontro dos carentes de qualquer liberdade. Oito dias após sua posse como arcebispo de São Paulo, já era contado entre os subversivos, porque contra a proibição da liberdade. Os órgãos executores da política opressora fizeram contra ele mais de mil e quinhentas citações. Tais órgãos várias vezes se viram quase invadidos por ele e, mais de uma vez, marcou ele presença junto ao mandatário maior do governo ditatorial em defesa dos perseguidos.
Freire, o educador que concebia a educação como prática da liberdade. Arns, o Cardeal da periferia, da resistência, dos direitos humanos, da esperança, da libertação.
O mundo celebra o centenário de nascimento dessas duas grandes figuras. O Brasil, menos. Incrivelmente.
COVID-19
15 de Setembro de 2021, por João Bosco Teixeira 0
Tive Covid-19. Entrei para o grupo de centenas de milhares de pessoas que disseram a si mesmas: “Eu tive a doença do mundo.” Eu tive a doença com a qual tanta gente morreu, pela qual tanta gente passou. Deixei de contemplar a doença nos outros. Passei a vê-la a partir de mim. E posso dizer que ninguém viveu o que vivi, como não vivi o que antes de mim tantos viveram, tal a imprevisibilidade do que poderia ter acontecido.
Clinicamente, não passei de uma tosse muito forte que, depois de alguns dias, me deixou o corpo moído. Medicamentos, apenas depois de cinco dias, quando a elevação febril recomendou uma tomografia pulmonar. Conhecido o resultado, o antibiótico tornou-se necessário. Nada além dele, exceto os cuidados comuns com a hidratação, a saturação e respeito às exigências do próprio corpo.
O aspecto emocional, porém, levou-me para profundezas, antes desconhecidas. Fui longe. Abati-me. Expandiu-se em mim o tempo da ambiguidade: amar a vida e não temer a morte, levar a vida com coragem para aceitar a morte. Os parâmetros existenciais se manifestaram em novas cores. E tomei contato direto com a verdade de que o juízo do corpo tem o mesmo valor que o do espírito. E o corpo recua diante do aniquilamento. Aquilo de que nossa história está imersa na finitude ficou às claras. Finitude que explica tudo: o ir e vir, a saúde e a doença, o amor e o desamor, o saber e a ignorância. Experimentar isso confirmou que “viver é perigoso”. Verificar a verdade de que um grande amor pela vida significa não se prender ao transitório, ao passageiro.
E como não indagar sobre Deus em situação que parece negar Deus? Enxerguei que Deus se torna presente em mim quando me torno presente a mim mesmo, em verdade e simplicidade. Confirmei a verdade de que o humano e o divino não são realidades que se excluem. O humano é a porta que nos permite entrar no divino. O humano é o único caminho para o divino.
Hoje celebro, tanta gente comigo, o momento sagrado da vida, que poderia ter sido interrompida. Todo dia é sagrado. A celebração, porém, é o sinal de que o sagrado nos acolhe, nos fala, nos espia e desafia, nos anima e, por vezes, acabrunha.
Sei que “a imaginação é a metade da doença; a tranquilidade é a metade do remédio; a paciência é o primeiro passo para a cura”. Saber disso não me fez mais forte. Como controlar uma imaginação incontrolável, diante de fatos e realidades? Como ficar tranquilo diante do imponderável? Assumi em plena paciência: não sou, não preciso ser super-homem. Basta-me a simples humanidade. Não sabia o que poderia vir a acontecer. E sabia de tanta coisa já acontecida a tanta gente.
Tive Covid-19. A vacina foi fator-chave para a cura. Com tanta ajuda, tudo continua em superação. Em celebração. E muito agradecido.