Resende Costa, em Minas Gerais, detém as condições necessárias para impulsionar o segmento dos seculares tapetes de Arraiolos. Tradição e técnica em artesanato e um núcleo de bordadeiras de Arraiolos no distrito de Jacarandira. São cerca de 20 ou mais profissionais, cujo aprendizado foi adquirido em Passa Tempo e em Diamantina, segundo Robsara Andrade Sousa. “Alguns anos atrás, houve uma febre do tapete de Arraiolos aqui em Jacarandira.”
Não deu certo porque não havia compradores para os tapetes e, consequentemente, não havia capital de giro. “O maior problema é a venda” pois “as pessoas sabem e gostam de fazer”, resume Robsara. Um caminho seria colocar estes tapetes nas lojas de Resende Costa, seja mediante a simples compra da mercadoria para revender ou a terceirização do serviço (neste caso, as lojas poderiam fornecer o material). Este material (tela, agulhas, lá para tapete e compensado para engomar) é adquirido diretamente em lojas de Belo Horizonte como Fios Petrópolis e Decor Colors ou mesmo pela internet.
Arraiolos no Alentejo português
Convido o leitor para conhecer o município de Arraiolos, na Alentejo português onde esta arte se desenvolveu por vários séculos. O tapete de Arraiolos é fruto da fusão entre o saber artesanal e os desenhos de concepção artística. Durante séculos, a produção de tapetes estava enraizada nos costumes e cotidiano das gentes da vila. Segundo um artigo de jornal regional de 1940, “noutros tempos havia famílias inteiras que se ocupavam do fabrico das lãs: as mulheres fiavam e tingiam, os homens cardavam, os rapazes iam de cabeço em cabeço em busca do trovisco e do lírio, vegetais preciosos para a confecção dos amarelos e dos verdes. Então, todas as mulheres arraiolenses sabiam bordar”.
Os mais antigos tapetes de Arraiolos que chegaram aos nossos dias, bordados em lã merina sobre tela de linho, estopa ou canhamaço, seriam do século XVII, embora se presuma que sua produção seja anterior. Uma teoria para explicar a origem desses tapetes atribui o início da sua produção a muçulmanos tornados cristãos-novos após o decreto de expulsão do território português ou conversão ao cristianismo publicado em 1496 por D. Manuel I.
Terceirização
A bordadeira Elisabete Pequito começou a trabalhar com tapetes de Arraiolos aos 14 anos, quando aprendeu a bordar numa oficina de uma aldeia do município. Pouco depois, em 1975, surgiu a Fraternidade Cooperativa (FRACOOP), da qual ela se tornou sócia. Era o início da Revolução de Abril (que acabou com a ditadura salazarista) e muitas lojas estavam fechadas.
A cooperativa começou com cerca de 200 sócios, mas atualmente conta com apenas 13 mulheres entre 60 e 70 anos. Aliás, uma característica das cerca de 10 casas de tapetes existentes em Arraiolos é a terceirização: oferecem serviço para bordadeiras, grande parte delas aposentadas, que buscam um complemento de renda. Na Fracoop, Elisabete atua como atendente, faz restauros de tapetes e arranja trabalho para as sócias.
Ela explica que a simetria dos tapetes obedece as seguintes etapas: em primeiro lugar, a tela é dividida em quatro partes iguais (a partir de um ponto no meio); em seguida, são feitos os contornos do desenho; então, preenchem-se os motivos; por fim, fazem-se o fundo e a franja (esta, num banquinho especial). O material usado é a tela (de juta), o fio de lã merina tingida, a franja e acessórios como agulhas, que fornecidos pela empresa Rosários 4.
Segundo Elisabete, o que caracteriza os desenhos atuais são florais, losangos e quadrados mais simples (os mais antigos eram marcados por medalhões no centro e, numa segunda fase, os motivos eram animais e flores “tudo misturado”). São tapetes de vários tamanhos (os mais vendidos são os pequenos) para quarto, corredor, hall de entrada etc., mas também para parede (pinturas, paisagens urbanas e rurais, etc.). Os principais clientes são os próprios portugueses, mas também se destacam norte-americanos, brasileiros e franceses.
Quanto aos trabalhos de restauro realizados por Elisabete, os mais comuns são a colocação de franja nova e o conserto de buracos e danos causados pelo excesso de pisadas.
História
Os tapetes mais antigos tinham desenhos nitidamente inspirados em decorações de tapetes orientais dos séculos XV a XVII. Conclui-se que “a divisão espacial e decorativa dos tapetes de Arraiolos é idêntica à dos tapetes orientais”, diz Rui Miguel Lobo (Origens e Influências Decorativas do Tapete de Arraiolos, 2022). Isto abrange tapetes turcos, indianos, do Afeganistão, Cáucaso, Iraque, Paquistão e demais regiões (do vasto “cinturão do tapete”) que produziram tapetes, obedecendo ao esquema centro, campo e barra tal como os persas.
O tapete de Arraiolos é, assim, a “soma de várias influências”, principalmente dos tapetes turcos, persas e indianos que chegaram a Portugal. Mas não só. O tapete de Arraiolos incluiu-se na tendência da arte europeia (dos bordados ao mobiliário, ou da faiança à azulejaria), cuja evolução foi influenciada por estilos e tipologias artísticas chegados à Europa, e teve o percurso característico das artes ornamentais desses tempos.
Mesmo com a diminuição do fascínio pelo Oriente, na primeira metade do século XVIII, e a mistura das tendências artísticas europeias com o orientalismo nas artes decorativas portuguesas, os tapetes de Arraiolos mantiveram uma tendência decorativa mais popular, em que a criatividade das bordadeiras se misturou com motivos orientais estilizados numa fase de transição. Posteriormente, evoluiu-se para desenhos e esquemas decorativos baseados em fauna e flora local, já na segunda metade do século XVIII e todo o século XIX.
Depois de uma fase crepuscular no final do século XIX, iniciou-se em 1897 um processo denominado “Ressurgimento do Tapete de Arraiolos” levado a cabo por colecionadores e apreciadores de arte da alta burguesia. Com essa dinâmica, o número de tapeceiras aumentou e nas décadas seguintes do século XX produziram-se muitos tapetes.
Ao longo do século XX, os tapetes de Arraiolos passaram por um processo de afirmação nacional e internacional. Vários autores dedicaram estudos sobre a sua história, decoração, técnicas e materiais e museus portugueses passaram a expor exemplares do bordado arraiolense.
Em agosto de 2013, a Câmara Municipal (equivalente a Prefeitura no Brasil) inaugurou o Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos. Foi o culminar de um longo processo de promoção, preservação e estudo desta arte como uma das mais relevantes expressões ornamentais portuguesas.
Características
Os tapetes dos séculos XVII ao XIX eram bordados sobre tela de linho (inclusive estopa e estofo) ou calhamaço (tecido grosseiro de cânhamo), segundo Rui Lobo. “Eram, em regra, executados sobre uma tela feita num tecido forte para que fosse mais fácil contar os seus fios longitudinais e atravessados. Depois, a tela era bordada com fios de lã merina tingida de várias cores através do ponto cruzado oblíquo”, de forma que os pontos, sequencialmente, “pudessem cobrir toda a área da tela em preenchimento do desenho previamente concebido”. O ponto cruzado oblíquo, conhecido em Portugal como ponto de Arraiolos, “é uma variante do ponto de cruz, existente na Península Ibérica desde pelo menos o século XII”.
A lã passava por um vasto processo de preparação, de acordo com Rui Lobo. “Era tosquiada, lavada, carmeada (ato de desfazer os nós e extrair as impurezas após a lavagem), cardada (ato de pentear), tingida, fiada e, por fim, dobada.” O tingimento da lã (com corantes naturais, fixadores e combinação deles para a obtenção das cores), um dos procedimentos mais importantes do processo feito por tintureiros profissionais, foi extinto em meados do século XX, utilizando-se, desde então, corantes artificiais.
Os tapetes do século XVII “têm desenhos eruditos, influenciados por desenhos de tapetes orientais”. Presume-se que os tapetes de Arraiolos tenham sido esquematizados da mesma forma que os mais antigos, “desenhando-se primeiramente um quarto do tapete que depois era repetido nos outros três quartos, criando-se assim um desenho simétrico, ou aparentemente simétrico”.
“O tapete arraiolense era constituído por campo, o qual é composto por centro – alguns tapetes de Arraiolos podem não ter motivo central, mas têm sempre um centro definido -, campo e barra.”
A influência e a presença dos motivos orientais nos tapetes de Arraiolos diluíram-se ao longo do tempo, de maneira mais acentuada na primeira metade do século XVIII. “Os motivos orientais mantêm-se na decoração dos tapetes de Arraiolos, mas deixam de ser a principal fonte de inspiração de quem os concebe. A partir dessa altura, os tapetes de Arraiolos continuam a patentear nas suas decorações motivos orientais, mas muitas vezes estilizados e misturados com motivos com um cariz mais popular.”