Na entrada da rua de terra (no Km 82 da rodovia BR 383), os visitantes são recebidos por bichos, como girafa, lagartixa, um casal de flamingos e algumas garças. No final da rua de terra, encontram uma área de 2000 metros quadrados, com muito verde (inclusive algumas árvores de óleo), muita água e uma bicharada espalhada pela grama e pelo terreiro, na oficina e na lojinha.
É assim o espaço do artesão Leci Lélis Silva, que inclui a morada da família, no povoado de Quebra Machado, pertencente a Coronel Xavier Chaves. Um dos cartões de apresentação do artista é a Tixa de Resende Costa, que se tornou a atração dos turistas e das redes sociais.
Leci, 43 anos, são-joanense, mas desde criança morador de Coronel Xavier Chaves, denomina-se artesão em cimento, ferragem e tela. Tudo começou em 2003, numa brincadeira entre irmãos: ele e o Fábio, este último jardineiro de profissão. Ao observar as garças no córrego, os dois pensaram em como transformar bichos em produto vendável, aproveitando a proximidade da rodovia.
De início, a ideia foi produzir as garças com areia e cimento. “A gente produziu as primeiras cinco peças, levou à beira da pista e, no segundo dia, vendeu tudo. Eram umas aves grosseiras, sem muito acabamento, pintadas de branco e bico amarelo.”
Houve o entusiasmo inicial e resolveram produzir mais peças. Ocorreu que Fábio decidiu mudar-se para São João del-Rei, onde abriu uma loja de jardinagem. “E eu continuei com as garças. Aí tive a ideia de fazer outros bichos da região (como tucanos e seriemas), mas também araras e flamingos.”
A técnica era simples. Leci colocava argila sobre uma banca de madeira. Nesta argila, desenhava o bicho em forma côncava. Então, despejava a massa de areia e cimento, bem mole, na cavidade da argila, acrescentando a massa, artesanalmente, no decorrer do dia, até obter o formato completo da ave.
Na etapa seguinte, Leci retirava a peça da argila e fazia o acabamento final a mão. Então deixava por dois dias secando ao sol e, em seguida, passava a lixa fina, a tinta branca e depois a cor.
Uma experiência marcante para Leci foi a pintura de uma arara “porque são cinco cores e eu não tinha curso de pintura. Então misturei as cores e com o pincel fui rabiscando para chegar às cores da arara. Foi na base da vontade e do experimento.”
Evolução
Com a prática, Leci descobriu que seria melhor substituir a argila, pegajosa, pela areia, que se soltava mais facilmente. Também melhorou o acabamento e passou a conseguir peças mais idênticas ao original.
Assistir a documentários e vídeocursos deu maior motivação ao artesão, resultando na melhoria do processo e, consequentemente, na obtenção de melhor qualidade. O que permitiu novos voos.
O primeiro grande desafio foi uma onça em tamanho original, fruto de um documentário a que Leci assistiu. “Era complicado por causa do peso e da dificuldade de fazer o acabamento e de deslocar o bicho.”
A onça tinha um metro de altura e 250 a 300 kg de peso. “Pensei até em desistir, mas resolvi fazer o jacaré, que é baixo e pesa no máximo 100 kg. De vez em quando, fazia uma onça por encomenda, mas era um sacrifício para deslocar o bicho e colocar no caminhão.”
Houve um momento em que Leci pensou em substituir a massa por madeira, depois de observar a experiência dos artesãos de Prados. “Um dia fui ao mato e cortei um jacarandá de pequeno porte, mas na hora em que ele estava caído eu fiquei arrependido e decidi voltar para o cimento.”
Aperfeiçoamento
Por algum tempo, em 2010, Leci trocou o artesanato pelo serviço de pedreiro. Até o dia em que recebeu uma ligação de um cliente encomendando 20 peças. “Com menos de um ano eu voltei.”No retorno, o artesão resolveu estruturar-se melhor, contratando até três ajudantes para fazer o serviço de lixa e pintura. “Como não vendia muito, ficou difícil manter os ajudantes e eu voltei a trabalhar sozinho.”
Leci começou a aperfeiçoar a oficina e a reduzir o tempo de trabalho. “Construí um galpão e comecei a pensar em ferramentas, como compressor de ar para pintura, máquina para cortar ferro e uma betoneira pequena para ajudar na massa. “Em relação ao tempo, ele conseguiu diminuir etapas como, por exemplo, substituir a lixa pela esponja. Difícil mesmo era reduzir o tempo de secagem. “Se forçar a secagem, o cimento resseca e quebra facilmente.”
Houve, então, a ideia de iniciar a secagam das peças a partir das três horas da tarde, o que tornou o processo mais lento durante a noite. No entanto, o resultado foi a eliminação de trincas, as quais eram uma reclamação frequente dos clientes. Para garantir o abastecimento da lojinha, Leci passou a produzir uma grande quantidade de peças por dia.
Salto técnico
Nesse meio tempo, surgiu a encomenda de uma águia de três metros de altura, cujo peso atingiria 800 kg. Esse desafio levou Leci a testar a técnica da tela (aprendida em vídeocursos) para que a peça ficasse oca e mais leve. O peso da águia caiu para 350 a 400 kg.
Por essa técnica, são colocadas três camadas de tela, seguidas de uma camada fina de massa. No dia seguinte, é feita a modelagem e, em seguida, a peça vai para a secagem. Mais um dia, procede-se ao acabamento com massa (cimento e cola), deixando a peça secar por cerca de duas horas. A última etapa é a pintura, que, no caso da águia, foi uma mistura de tintas de cores vermelha, marron, amarela e preta.
Com a experiência da águia, Leci sentiu-se pronto para aceitar encomendas de animais de grande porte. Entre as encomendas, uma diversidade de bichos, como o leão (400 kg), o lobo-guará, uma junta de bois e uma onça com um filhote na boca, todos em tamanho normal. “Há muita encomenda de flamingos grandes (2,5m), principalmente por donos de pousada.”
A Tixa
Em junho de 2017, Cícero Resende Chaves, então na presidência da Asseturc (Associação Empresarial e Turística de Resende Costa), apareceu na oficina e indagou se Leci conseguiria confeccionar uma lagartixa “animada” do tamanho de uma pessoa. Logo em seguida, ele enviou o desenho de uma lagartixa feito pelo tatuador André de Resende.
A primeira lagartixa, que se tornou conhecida pelo simpático nome de Tixa, foi encomendada para a Asseturc. Então, Cícero propôs fechar uma encomenda de 16 peças, com a condição de que Leci fosse a Resende Costa levantar detalhes de cada loja. O número de encomendas saltou para 26 peças, “cada uma de um jeito (formato, posição, altura, masculina, feminina, etc.). Isso foi um grande desafio para mim”.
Leci utilizou a técnica da tela para desenvolver a lagartixa, que assim atingiu o peso médio de 120 kg. Foram cinco meses de trabalho para produzir as 26 peças.
Depois das lagartixas, Leci recebeu encomenda de um dinossauro (4,5m de altura e 800 kg) e de uma girafa (3,5 m e 300 kg). “O dinossauro foi o que causou mais impacto. Foi enviado para São Paulo e precisou de dois caminhões para ser embarcado.” Já a girafa resultou na encomenda de mais cinco peças iguais.
O mais recente trabalho de Leci é uma vaca (400 kg), encomendada no final de 2019 pelo prefeito da cidade mineira de Seritinga.
Leci também mantém a loja com mostruário de peças pequenas, sempre procuradas, como aves (garças, flamingos, araras, seriemas, etc.), sapos e flores de cimento.