Maria do Brechó: um legado de amor, dedicação e bondade


Homenagem Especial

César H.R. Guedes*0

Luisa, filha da Dona Maria do Brechó, participou das homenagens à sua mãe na sede da AMAT, no bairro Tijuco (foto César Guedes)

Era uma segunda-feira quando saímos à procura de pessoas para nos dar depoimentos sobre dona Maria Ascendina, mais conhecida como Maria do Brechó. É que dias antes chegou para a associação do bairro a notícia de que a placa que dá nome ao Centro Comunitário de “Maria do Brechó” estava pronta, objeto de projeto de lei do ex-vereador Ângelo Márcio, de meados de 2020.

Não deu outra! Iríamos, enfim, fazer a inauguração! E não poderia ser diferente. Conhecendo os membros da associação, sabíamos que seria um evento grandioso, como vêm sendo todos realizados no Centro Comunitário da AMAT (Associação dos Moradores Amigos do Tijuco). Pensamos muito em como faríamos, várias ideias surgiram, principalmente da atual presidente Marisa, da vice-presidente Andreia, de membros, como a Silvane, do Duzinho secretário e demais moradores do bairro Tijuco.
Veio, então, a ideia de fazer vídeos com familiares, amigos, moradores a fim de conseguirmos relatos sobre a vivência de Dona Maria. Mas, então, por que não fazer um documentário? Pois bem, foi isso! Saímos eu e Andreia rodando o bairro em uma nublada manhã, com um chuvisco tímido querendo dar as caras. Rodamos o bairro atrás de pessoas que estariam disponíveis e também contamos muito com a ajuda da Marisa, que realizou busca ativa de pessoas que conheceram a dona Maria.

Naquela manhã, conversamos com a Luísa e o Zezinho, filhos de Maria Ascendina, e fomos para a horta gravar o primeiro vídeo que daria vida àquele documentário. Em frente à casinha onde foram criados, sentaram-se os dois dos dez filhos da Maria do Brechó. Em uma prosa boa, Luísa, a filha mais nova, e Zezinho, o quarto filho mais novo, nos contaram um pouco da vasta história de Dona Maria. Luísa nos contou que, antes de ser conhecida como Maria do Brechó, sua mãe viera do povoado de nome Samambaia, trazendo consigo o marido, dez filhos e dois netos. Em um terreno que o pai havia comprado em 1963, construíram, em meados de 1965, a casa onde cresceram; uma cozinha com o fogão a lenha, dois quartos e muitas lembranças. Casa essa que ainda existe no terreno que tem, aproximadamente, um quarteirão ou um pouco mais, localizado entre as ruas Prefeito Antônio Souza Maia (lado inferior) e rua Jacarandá (lado superior).

 Em meio à conversa, os filhos contaram muito sobre quem foi Maria do Brechó. Pois a mesma benzia, “cosia” e era parteira. Naquela mesma conversa durante a gravação da entrevista, os filhos lembraram que, certa vez, a mãe fizera o parto de uma cigana que estava doente e acampada abaixo do açude e próximo ao Córrego do Alípio (Córrego do Tijuco). O antigo proprietário enviara um pedido para que dona Maria fosse ao local e fizesse o parto da mulher cigana que por lá estava. Durante a mesma conversa, Luísa dizia: “Ah, se for contar quantas pessoas mamãe já colocou no mundo (...) são tantas coisas que a história de mamãe daria uma novela!”.

Naquele mesmo dia, conseguimos o depoimento da dona Siloca, vizinha de tempos da família, que, por coincidência, sua mãe também se chamava Maria, mais conhecida como Maria do Davi. Siloca nos contou que as duas Marias eram muito unidas e que a Maria do Brechó ajudou muito sua família, que fizera o parto de uma de suas irmãs e veio a ser madrinha da mesma. Ela ainda nos relatou que tivera onze irmãos, porém dois já falecidos. E mesmo a Maria do Brechó, tendo seus dez filhos, não media esforços para prestar ajuda no que dela precisassem.

O sentimento de dona Siloca é de gratidão. Ela guarda todas essas lembranças em sua memória e nunca irá se esquecer delas. Veja bem, mesmo com seus dez filhos e alguns netos, Maria Ascendina ainda disponibilizava tempo para ajudar a outra família, que também era grande. Grandiosidade, aliás, em uma só pessoa! Admirável poder ouvir aquele relato. Como diziam alguns antigos: “Quem divide multiplica”. Nos tempos atuais: “Fazer o bem sem olhar a quem.”

O quarto entrevistado para o documentário foi o Eli, filho do João Martiniano. Ele nos contou sobre a família de dona Maria, dos filhos que conheceu e com os quais conviveu, destacando sempre o bom coração e prontidão de dona Maria em ajudar a quem precisasse. Lembrou-se com vivos detalhes de quando algum jogador do antigo time do Tijuco sofria alguma lesão e era levado às pressas para dona Maria fazer os curativos e coser a lesão.

Ainda na prosa anterior, Luísa e Zezinho nos contaram que boa parte dos irmãos tiveram que sair cedo para trabalhar, a maioria com destino a São Paulo. Alguns estudaram, formaram-se; a própria Luísa trabalhou durante anos como enfermeira. Eles nos disseram do amor dos irmãos (alguns já falecidos), que sempre vinham a Resende Costa e ficavam com a mãe, bem como do enorme carinho dos netos pela avó e de quanto esse sentimento era recíproco. Daniele, uma das netas, filha do senhor Antônio Rosa, nos enviou um vídeo contando que sua paixão por arroz veio da avó. De acordo com Daniele no dia de seu batizado, com horário apertado para chegar à igreja (do Tijuco até o centro), a avó fez um arroz no forno e colocou uma banana. Era simples, porém muito saboroso. Dali pra frente, a neta criou uma paixão pelo arroz. São lembranças simples que deixam marcas afetivas.

 

Homenagem

 

Na noite do dia 6 de novembro último, houve um movimento intenso na sede da Associação dos Moradores Amigos do Tijuco - AMAT (Centro Comunitário). Os preparativos estavam a mil. Em um dos cantos do salão, foi feita uma customização da antiga casa de Dona Maria, tendo lá um fogão a lenha (de tijolos), máquina de costura, uma roca, um feixe de lenhas, um filtro de barro, vasilha de bambu, um rádio antigo, uma vassoura de alecrim e um socador de café (feito em tronco de madeira). As pessoas presentes se encantaram com o lugar e muitos ali, admirando, diziam que desejavam morar ali. Afetividade era a prioridade do evento, ou seja, tornar vivo o acolhimento que Dona Maria dispensava a todas as pessoas que iam até ela.

A casa estava cheia. Alguns, inclusive, precisaram permanecer de pé devido à lotação do local. Era o que queríamos, ter a casa cheia e acolhedora como nos tempos da casa de Dona Maria. Presentes ao evento, estavam moradores do bairro, amigos da família e autoridades municipais. A presidente da AMAT, Marisa, saudou com um boa noite caloroso, leu um pequeno texto homenageando Dona Maria do Brechó: emoção! Após uma oração e um momento de fé, foi exibido o documentário: mais emoção! Dava pra ver a grande emoção nos olhos de quem assistia, nas expressões de quem não conhecera a Maria do Brechó, mas conseguia absorver e imaginar quem foi ela ver a exibição. Era aquele o motivo de reunir toda aquela gente naquele dia: a emoção fazendo a união acontecer. Cada pequena ajuda, cada ideia, cada minuto empenhado. Conseguimos.

Então, findou-se a exibição e algumas pessoas presentes quiseram falar, comentar, relatar sua vivência com Dona Maria do Brechó. Foram muitos depoimentos de encher os olhos d’água, de sentir a nostalgia de uma época pura. Relatos de amigos próximos, de familiares presentes, de pessoas que vieram ao mundo pelas mãos da parteira Maria Ascendina. Depoimentos bonitos de se ouvir, como o do Iremar, fazendo-nos refletir sobre o que deixaremos de legado quando partirmos. Relatos profundos e emocionantes de uma das presentes que recordou, emocionada, que, em toda compra mensal, dona Maria separava uma quantia de alimentos para outras famílias. O Paulinho, atual vereador e vice-prefeito eleito, que morou no bairro e conviveu com a família de Dona Maria, também destacou o legado dela. O momento inspirou também o prefeito em exercício e eleito para o mandato 2025-2028, Lucas Paulo, que nos fez refletir sobre o poder das boas ações.

Em meio a sentimentos de emoção e gratidão, foi servido um lanche aos presentes: um delicioso pão com carne, trazendo à memória dos presentes o quão tradicionais eram as reuniões em que aquela combinação era servida. E ainda se tratando de refeição e memórias, Fátima, que também conviveu com Dona Maria e sua família, trouxe uma broa assada “com brasa em cima’’, pois era a forma que Maria do Brechó gostava de fazer as broas e bolos em sua casa.

E foi assim a inauguração da placa que dá nome ao Centro Comunitário do Tijuco de “Maria do Brechó”. Momento especial para prestar homenagem a uma pessoa marcante que viveu ali, escreveu sua história e nunca sairá da memória de quem viveu e conviveu com ela. Maria deixou no mundo testemunhos de bondade, de prontidão, de solidariedade e de comunhão com aqueles que necessitam.

Enfim, o poema de Henri Lacordaire nunca fez tanto sentido:


“Não é o gênio, nem a glória,

Nem o amor que medem a elevação da alma:

É a bondade”.

 

Maria Ascendina, a Maria do Brechó, nos ensinou muito, principalmente fazer a bondade sem medir esforços. De toda a história que contamos, fica a reflexão que traduz a trajetória de Dona Maria: Qual legado deixaremos?

 

*Músico, morador do bairro Tijuco, autor e produtor do documentário sobre Maria Ascendina, a Maria do Brechó.

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